Blog Questão Indígena: Katia Abreu e os ruralistas não compreendem que direito dos índios se sobrepõe ao direito de propriedade

Publicado em 18/03/2014 14:57 e atualizado em 20/03/2014 16:36

O mais recente pronunciamento da Senadora Katia Abreu no plenário do Senado Federal sobre a Questão Indígena gerou um intenso debate entre os colaboradores do #Qi. No geral, todos gostamos da forma decidida e contundente com a qual a Senadora, que também preside a Confederação Nacional da Agricultura, resolver encarar o problema depois de bater de frente com a expressão do indigenismo radical na Procuradoria Geral da República. Por outro lado, uma coisa chamou a atenção no discurso da Senadora: há nele uma certa desorientação sobre o cerne do problema. 

Separamos o trecho acima do discurso de Katia Abreu. Nele, a Senadora se mostra segura de que a inexistência de índios em um determinado local na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, descaracteriza a ocupação tradicional e a posse permanente dos índios sobre ela. "Se em 88 tinha índio [na área], [a área] é de índio e não vamos discutir. Mas se em 88 não tinha índio [na área], [a área] é de não índio", disse a Senadora.

Além disso, a Senadora também fez referência à determinação do Artigo 67 da Constituição Federal que estabelece prazo de cinco anos, já vencidos, para a conclusão de todos os processos de demarcação por parte da União. O problema é que as duas convicções estão equivocadas. - 

Comecemos pela mais simples: A União e a Justiça já fizeram letra morta do disposto no Artigo 67 da Carta Magna. O entendimento geral é que a incompetência do Estado em proceder as demarcações no prazo estipulado não tira dos índios o direito à terra. Portanto, não há meios de se usar o prazo do artigo 67 para interromper os processos de demarcação em curso, nem os vindouros. 

Passemos agora ao mais complicado. Uma decisão recente da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou apelação de um produtor rural do Paraná, que tentou derrubar na Justiça os efeitos da Portaria 1.794/2007 (veja aqui) decorrente do processo administrativo de demarcação da terras indígena Boa Vista, em Laranjeiras do Sul. 

O colegiado entendeu que os chamados "direitos originários indígenas" são reconhecidos, à luz da Constituição, como mais antigos do que qualquer outro e preponderam sobre os direitos adquiridos, inclusive sobre escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. 

O relator do recurso, juiz federal Sérgio Renato Tejada Garcia, observou que não é preciso que a comunidade indígena fixe sua habitação em toda terra reivindicada, nem que a ocupe fisicamente. De acordo com o magistrado, nos casos em que o laudo antropológico atesta que uma área é essencial para a subsistência, o desenvolvimento das atividades tradicionais e a preservação da herança cultural de uma etnia, ela passa a ser indígena, o que anula dos títulos de propriedade eventualmente existente sobre ela. 

O produtor rural buscou o judiciário com o objetivo de anular os efeitos da Portaria 1.794/2007 que demarcou a Terra Indígena Boa Vista, na parte que incluiu a Fazenda Passo Liso como área de tradicional ocupação dos índios caingangues alegando que a legitimidade do seu titulo de propriedade havia sido atestada em decisão judicial anterior. 

Uma olhada rápida numa imagem do satélite Landsat 5, da Nasa, capturada no dia 23 de agosto de 1988 mostra que já havia ocupação agrícola, incluindo reflorestamento, provavelmente de pinus na área demarcada pela Funai como Terra Indígena Boa Vista.

Entretanto, mesmo não havendo ocupação tradicional indígena em 1988, mesmo o proprietário da Fazenda Passo Liso provando que o título da propriedade era legítimo e mesmo havendo ocupação antrópica em 1988, o colegiado de 2º instância entendeu que os direitos indígenas preponderam sobre o direito de propriedade. A justiça assentou assim a expropriação do imóvel sustentando os efeitos da portaria que declarou a área como sendo de posse permanente dos índios. 

Leia AQUI o acórdão da decisão do Tribunal Regional Federal sobre a demarcação da TI Boa Vista. 

Por mais que esse tipo de decisão pareça estranha a quem não é do área antropológica, o argumento é tácito entre os baluartes da antropologia radical. Veja, por exemplo, o vídeo abaixo no qual dois antropólogos, incluindo um ex presidente da Funai, explicam o argumento: 

Em grande parte da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja demarcação em área contínua foi ratificada pelo Supremo, não havia índios em 1988. Na Suiá-Missu, demarcada como Terra Indígena Marãiwatsédé, não havia índios em 1988. Em nenhuma das áreas pleiteadas pela Funai no Mato Grosso do Sul havia índios em 1988. Na área demarcada pela Funai como Terra Indígena do Mato Preto, no Rio Grande do Sul, não havia índios em 1988. Na ampliação da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, de onde foram expulsos centenas de assentados da reforma agrária, não havia índios em 1988. 

A Justiça entende que devem pertencer aos indígenas não apenas as áreas onde havia índios em 1988, mas TAMBÉM aquelas necessárias a subsistência, ao desenvolvimento das atividades tradicionais e a preservação da herança cultural dos índios. Está assentado no Artigo 231 da Constituição Federal. 

O fato é que arcabouço legal que trata da demarcação de terras indígenas em vigor, assim como o entendimento do judiciário sobre ele, é extremamente robusto no sentido de (1) permitir que antropólogos radicais demarquem áreas sem qualquer tipo de supervisão sobre a lisura dos laudos e (2) de expropriar terras legalmente tituladas em nome de particulares. Gostemos ou não disso, é um fato e contra fatos não há argumentos. 

Foi precisamente por essa razão que o resultado do julgamento pelo STF da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que todas achavam que seria a solução definitiva, não resolveu o problema. É também por essa razão que se torna absolutamente inútil argumentar com Ministros do Supremo Tribunal Federal, da Justiça, da Casa Civil ou com Procuradores da República. Judiciário e Executivo apenas fiscalizam e executam o cumprimento do arcabouço legal vigente. 

Quem mira no alvo errado erra até quando acerta.

Se a Senadora Katia Abreu e os ruralistas querem de fato encontrar uma solução para a Questão Indígena eles precisam entender o mais rápido possível que não há margem de manobra pra o setor rural no status quo. É preciso mudar o arcabouço legal vigente. É preciso alterar e regulamentar os dispositivos constitucionais que tratam da Questão Indígena e isso é uma tarefa do poder Legislativo. 

A equipe do Questão Indígena entende claramente que não é necessário retirar nem um único direito dos índios nesse processo de reforma. O atual impasse legal não está na afirmação dos direitos dos índios, mas no poder dado pela lei à antropologia radical para fraudar laudos forçando o Executivo e o Judiciário a impor injustiças à sociedade brasileira.

Não é o direito dos índios às suas terras tradicionais que precisa ser retirado. O que precisa ser retirado é do direito da antropologia radical de fraudar laudos impunemente. 

Nós do #Qi entendemos que é perfeitamente possível buscar um acordo com o Governo nesse sentido. Salvaguarda feita ao núcleo indigenista do Palácio do Planalto, leia-se Gilberto Carvalho e Paulo Maldos, não há no governo a intenção de violentar pequenos produtores rurais e assentados da reforma agrária.

A desintrusão da Terra Indígena Raposa Serra do Sol acabou com o PT em Roraima. Dois dos governadores que mais sofrem os efeitos da ação da antropologia radical são do PT, Jaques Wagnar, da Bahia e Tarso Genro, do Rio Grande do Sul. A ex ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, pleiteia o Governo do Paraná, também assolado pela ação dos antropólogos radicais. A própria presidenta Dilma Rousseff foi vaiada por produtores rurais em Guaíra por causa da ação da Funai e o ex presidente Lula teve que se esgueirar durante uma visita ao Mato Grosso do Sul para não passar pelo mesmo vexame. 

O terreno político está pronto e fértil para o semeio da mudança.

É preciso apenas que alguém tenha a sensibilidade de construir dentro do Governo um acordo político para alterar a Constituição Federal e regulamentar os dispositivos que tratam da Questão Indígena com o compromisso de manter o direito dos índios à terra, mas retirando o poder da antropologia radical de impor sua ideologia à sociedade brasileira expropriando propriedades rurais.

Uma vez o Governo estando seguro dos pilares desse acordo ele poderá mover a base aliada no Congresso Nacional e aí nós teremos uma chance encontrar uma solução definitiva para a Questão Indígena.

Imagens mostram os pobres produtores rurais e suas famílias que serão expulsos em São João do Carú

As imagens abaixo retratam o dia a dia dos pequenos produtores que vivem na área considerada indígena em São João do Carú, a área Awá-Guajá. O processo deverá desapropriar 1200 famílias de pequenos agricultores pobres, cerca de 6 mil pessoas, as quais ainda não têm conhecimento de onde  serão alojadas após serem expulsas de suas propriedades. Esses foram os produtores acusados pelo assessor especial da Secretaria da Presidencia da República, Paulo Maldos, de serem "plantadores de maconha". Entre as fotos, uma delas mostra as crianças que perderam sua escola, já que ela deverá ser demolida no processo de desintrusão. 

Fonte: Blog Questão Indígena + NA

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