Demarcações no Paraná: Ricso de expropriação de terras gera tensão entre índios e agricultores. Quem ganha com a violência?

Publicado em 11/07/2014 18:12

Com vocação econômica essencialmente agrícola, baseada em pequenas e médias propriedades a região oeste do Paraná está sob ameaça da várias demarcações de Terras Indígenas. A legislação atual faz com que propriedades eventualmente incluídas em áreas indígenas sejam expropriadas pelo governo e a risco iminente de perder as terras está gerando tensão entre índios e agricultores.

 

Juntas, Guaíra e Terra Roxa, dois dos municípios mais ameaçados, colheram em 2012 quase 400 mil toneladas de milho e 120 mil toneladas de soja, segundo números do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os agricultores da região cultivam regularmente mais de 160 mil hectares, que lhes rendem cerca de R$ 250 milhões por ano. Além das commodities, a região também planta mandioca e trigo, além da criação de bovinos, suínos e frangos. Os municípios produzem ainda mais de 15 milhões de litros de leite.

A qualidade e o potencial produtivo dos solos do oeste do Paraná, evidenciados pelo nome do município de Terra Roxa, elevam os preços das propriedades rurais da região. Levantamentos do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) mostram que um hectare de terra pode ultrapassar R$ 40 mil reais. 

“O oeste do Paraná tem a maior cadeia produtiva do frango e é um dos maiores produtores de milho e soja do país. E Guaíra, obviamente, está inserida nesse contexto”, diz o prefeito da cidade, Fabian Vendruscolo (PT). “Nossas terras são muito produtivas. Por isso, uma demarcação indígena é tudo o que não queremos.” 

 

O artigo 231 da Constituição Federal diz que as terras indígenas, definidas conforme os procedimentos da Funai, pertencem à União. Assim que um laudo antropológico define os limites de uma terra indígenas, os proprietários das terras inseridas na área demarcada perdem os direitos sobre ela.

Suponha o caso hipotético de uma pequena propriedade de 50 hectares pertencente a um descendente de colono há mais de 100, por exemplo, ser incluída em uma terra indígenas, a demarcação pode significar uma perda de mais de R$ 2 milhões. Sem mencionar expulsão da área e a perda da identidade agrícola.

O Sub Procurador Geral da República, Eugênio José Guilherme de Aragão, aponta essa nuance da legislação que trata dos direitos indígenas como uma das principais fontes de conflito entre índios e produtores rurais. De acordo com Aragão, é necessário romper com o atual "paradigma demarcatório", dando aos produtores rurais cujas terras são incluídas em terras indígenas condições de dignas de vida após a demarcação.

Não há informações precisas sobre quantos guaranis vivem nos municípios de Guaíra e Terra Roxa. ONGs indigenistas afirmam que esse são cerca de 1.800 índios, enquanto o IBGE identificou em 2010 pouco mais de 700. Existem hoje 13 acampamento indígenas entorno dos quais a Funai deve demarcar nos próximos meses um número ainda indefinido de Terras Indígenas. Oito delas localizadas em Guaíra e cinco, em Terra Roxa. Todas são fruto de invasões de grupos indígenas em terras privadas acontecidas nos últimos quatro anos.

Proprietários rurais dizem, revoltados, que não havia índios quando ocuparam as terras do oeste paranaense estimulados pelo Governo e começaram a cultivar.

Um relatório produzido pelo antropólogo Ian Packer, do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), uma ONG indigenista, sustenta que os guaranis do oeste paranaense não estavam lá quando os agricultores chegaram porque sofreram um processo de “esbulho territorial” ao longo do século 20.

Packer afirma uma das principais características do povo guarani é a mobilidade. “Há uma circulação constante de famílias e indivíduos”, explica Packer, que evita falar em nomadismo usando o eufemismo "colonizadores dinâmicos” para escamotear o desapego dos guarani à sítios específicos de terra.

No relatório, Packer aponta também que o próprio Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão que deu origem à Funai, participou da retirada dos guaranis do oeste do Paraná. Uma das estratégias do órgão indigenista era conduzir os índios à reserva de rio das Cobras, em Laranjeiras do Sul (PR), criada em 1901.

A presença das treze invasões de índios no oeste do estado levou à publicação por parte da Funai, em 17 de fevereiro, de uma portaria instituindo um Grupo Técnico (GT) de quatro membros para “realizar os estudos complementares de natureza antropológica, cartográfica e ambiental necessários à identificação e delimitação das áreas ocupadas pelos guaranis em Guaíra e Terra Roxa”. Esse grupo de trabalho deve apresentar resultados ainda este ano.

Assim como os agricultores, o prefeito de Guaíra afirma que ão havia índios na cidade. “Nasci aqui e vou completar 50 anos vivendo aqui. Não tenho lembrança de vê-los”, argumenta Vendruscolo. Caso demarque terras na região, o governo federal repetiria uma “injustiça histórica” com o povo do oeste paranaense, afirma o prefeito.

O prefeito anuncia que a expulsão dos agricultores – com uso da Força Nacional como aconteceu recentemente na Suiá-Missu, no Mato Grosso, e na Awá-Guajá, no Maranhão – jamais será aceita pela população. “Mais de 90% é contra. Se houver desintrusão, haverá conflito”, prevê, lembrando que o processo demarcatório deveria respeitar as propriedades. “Não se pode assegurar direitos para os índios retirando direitos dos proprietários.”

Enquanto os indigenistas e a Funai forçam o processo demarcatório que resultará na expropriação e expulsão dos agricultores, o choque de interesses entre não índios e índios no oeste do Paraná, faz com que indígenas e funcionários da Funai sejam hostilizados.

“Se houver demarcação, a coisa vai ferver. E pode até ter conflito”, arrisca um dos funcionários da Funai. “Eu vejo os guaranis acuados”, relata uma moradora da cidade. Ambos preferem não se identificar por medo de represálias dos agricultores. “Eles não têm direito de ir ao mercado sem o povo ficar comentando. As crianças vão à escola e são discriminadas. É tudo muito vergonhoso.” “Há uma intolerância generalizada. Até pessoas que não seriam afetadas pela demarcação se posicionam contra os índios”, analisa outro morador, que também quis se identificar.

Anatálio Ortiz, cacique de uma das invasões iniciada em 2010, conta que se acostumou a ouvir hostilidades nas ruas e nos programas de rádio. Quando caminha pela cidade, diz, não é raro que motoqueiros passem por ele a toda velocidade, xingando, ofendendo, gritando para que desocupem as terras e desapareçam.

Outro indigenista da Funai, que prefere não se identificar, decidiu mandar a enteada e os dois filhos para longe do conflito indígena. “Já cansei de ser xingado de Funai filho da puta. Eu mesmo já pensei em sair de Guaíra, mas só vou embora quando a coisa azedar de vez”, diz quase com prazer. Os indigenistas e a própria Funai costumam usar essa situação para martirizar a si mesmo e aos índios como forma de forçar o processo demarcatório via expropriação.

Romper com esse clima de conflito passa por mudanças na legislação indígenas. É preciso evitar que a garantia dos direitos dos índios tenha o custo da violência oficial do Estado contra os agricultores. Mas, para isso será necessário alquebrar o lobby indigenista.

Fonte: Blog Questão Indígena

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