Barroso (STF) suspende transferência de demarcação de áreas indígenas para Agricultura

Publicado em 24/06/2019 19:45

SÃO PAULO (Reuters) - O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar nesta segunda-feira para suspender trecho da Medida Provisória 886 que transferia da Fundação Nacional do Índio (Funai), que está abrigada no Ministério da Justiça, para a pasta da Agricultura a competência para demarcação de terras indígenas, informou a corte.

Barroso acatou pedido feito pelo partido Rede Sustentabilidade, que questionava a alteração incluída na MP pelo presidente Jair Bolsonaro, depois de o Congresso rejeitar a medida ao analisar a MP que tratou da reforma administrativa.

Bolsonaro, um crítico da demarcação de terras indígenas, já afirmou que nenhuma área será designada enquanto ele estiver na Presidência da República.

Por ser liminar, a decisão passará pelo plenário do Supremo. Barroso já pediu urgência para analisar a medida. A expectativa é de que a decisão seja pautada nesta 3ª feira (25.jun.2019). O ministro destacou a necessidade de analisá-la rapidamente.

“A indefinição da atribuição para demarcar as terras indígenas já se arrasta há 6 meses, o que pode, por si só, frustrar o mandamento constitucional que assegura aos povos indígenas o direito à demarcação das áreas que ocupam”, afirmou.

ENTENDA

O presidente Jair Bolsonaro editou a MP 866 para que o Ministério da Agricultura fosse o responsável pela demarcação de terras indígenas no país. O texto foi publicado no Diário Oficial da União de 19 de junho. Eis a íntegra.

Apresentada no início do mandato de Bolsonaro, a MP 870, que reorganizava ministérios e órgãos, designava a demarcação de terras indígenas para a pasta de Tereza Cristina (Agricultura). A proposta, no entanto, foi alterada no Congresso, em maio, e a responsabilidade sobre as terras voltou para a Funai (Fundação Nacional do Índio).

O texto ainda descreve que as competências contemplam: “a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas”.

"RAINHA DA INGLATERRA" (Folha de S. Paulo)

Na quinta (20), Bolsonaro disse que assumia o bônus e ônus sobre o processo de demarcação de terras indígenas no país. “Quem demarca terra indígena sou eu! Não é ministro. Quem manda sou eu. Nessa questão, entre tantas outras. Eu sou um presidente que assume ônus e bônus”, afirmou.

No sábado (22), o presidente se queixou do que chamou de"superpoderes" do Legislativo. "Pô, querem me deixar como rainha da Inglaterra? Este é o caminho certo?", declarou, após contestar projeto que transferiria a parlamentares o poder de fazer indicações para agências reguladoras.

Na sua decisão desta segunda sobre a atribuição para demarcar terras indígenas, Barroso disse que o artigo 62, parágrafo 10, da Constituição de 1988 "veda expressamente a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido a sua eficácia por decurso de prazo”.

“O debate, quanto ao ponto, não pode ser reaberto por nova medida provisória. A se admitir tal situação, não se chegaria jamais a uma decisão definitiva e haveria clara situação de violação ao princípio da separação dos Poderes”, afirmou.

A ação foi distribuída para a relatoria de Barroso por prevenção, porque, na ocasião da primeira MP, o Supremo já havia sido acionado e o ministro foi sorteado para ser o relator das ações sobre o assunto.

Naquela ocasião, Barroso negou pedido de liminar para suspender o texto por considerar que a reestruturação de órgãos da Presidência da República inseria-se na competência discricionária do chefe do Executivo.

No entanto, com a posterior decisão do Parlamento sobre a questão, o ministro entendeu que agora passou a caber uma decisão liminar para suspender a MP contestada.

Publicada no Diário Oficial da União de quarta (19), a MP 886 estabeleceu que constituem áreas de competência do Ministério da Agricultura a reforma agrária, a regularização fundiária de áreas rurais, a Amazônia Legal, as terras indígenas e as terras quilombolas.

O texto prevê que tais competências incluem “a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas”.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) comemorou nas redes sociais a decisão do STF. “Vitória! Nossa liminar para suspender a MP do presidente Bolsonaro, que transferiu para o Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas, foi deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF!”, escreveu.

O vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (PRB-SP), disse considerar a medida acertada. “Tecnicamente falando. Não pode reeditar [uma MP] no mesmo ano sobre o mesmo tema”, afirmou à Folha.

A oposição articulava desde a semana passada para barrar o novo texto. Diversos partidos contrários ao governo pediram ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que devolvesse a medida sem que ela fosse analisada.

Além disso, membros da cúpula do Legislativo avaliavam nos bastidores que Bolsonaro sofreria derrota no plenário caso a proposta fosse votada.

Segundo relatos feitos à Folha, a decisão do ministro do STF irritou o presidente, a quem havia sido garantido pela área jurídica do Palácio do Planalto de que a mudança tinha base legal. 

Líderes do governo chegaram a defender a Bolsonaro que mantivesse a decisão do Congresso, mas o presidente insistiu na alteração, sob o argumento de que a medida era uma promessa de campanha.

Até o final do ano passado, 112 terras indígenas aguardavam estudos na Funai com o objetivo de demarcação e outras 42 já haviam sido identificadas e delimitadas, aguardando apenas a decisão do governo para sua demarcação, ou do Ministério da Justiça ou do Planalto.

Indígenas reivindicam outras cerca de 500 terras como de ocupação tradicional.

O VAIVÉM DA MP DE BOLSONARO

Reforma administrativa 
Em janeiro, Bolsonaro editou a MP 870, que reduzia o número de ministérios, propunha mudanças na organização do governo e deixava a cargo da pasta da Agricultura a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas e quilombolas 

Congresso 
No fim de maio, ao votar a MP, o Congresso devolveu a competênciasobre reforma agrária e terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Justiça, onde estavam anteriormente

Nova MP 
Na semana passada, o governo editou nova MP para reverter a decisão do Congresso

‘Quem manda sou eu’ 
Logo depois de lançar a medida, Bolsonaro disse que ele tinha o poder de decidir sobre terras indígenas e que não iria autorizar novas demarcações 

STF 
Nesta terça (24), o ministro Barroso concedeu liminar suspendendo a nova MP por entender que o governo tentou reeditar medida provisória já derrubada no Congresso, o que não é permitido

Bolsonaro diz que vai vetar lista tríplice para agências reguladoras

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem (24) que vai vetar o trecho da Lei Geral das Agências Reguladoras que trata da indicação de dirigentes das autarquias. A nova lei, aprovada em maio pelo Congresso Nacional, prevê a elaboração de lista tríplice para a escolha de novos conselheiros, diretores e presidentes.

“A decisão, até o momento, para indicar os presidentes das agências é minha. A partir desse projeto, [passa a ser] uma lista tríplice feita por eles. Essa parte será vetada de hoje para amanhã”, afirmou. O presidente justificou a decisão por não querer perder a influência que tem nas agências reguladoras.

“As agências têm um poder muito grande e essa prerrogativa de o presidente [da República] indicar o presidente [da agência] é importante porque nós teremos algum poder de influência nessas agências”. Bolsonaro tem até amanhã (25) para sancionar ou vetar o projeto enviado pelo Congresso.

O projeto, de autoria do então senador Eunício Oliveira, tramitava há oito anos. A matéria passou pelo Senado, foi para a Câmara e, ao voltar ao Senado, sofreu alterações. Coube aos senadores garantir a proibição de indicações políticas nas agências. Conforme o texto enviado para sanção, os indicados para ocupar cargos precisarão ter ficha limpa, não poderão ter cargos eletivos – ser deputado ou senador, por exemplo – nem ser parente de políticos.

Fonte: Reuters/O Antagonista

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Marco Temporal: "Decisão de Gilmar Mendes é mais uma vitória importante" e garante constitucionalidade da lei, afirma Lupion
STF suspende tramitação de todas as ações judiciais sobre Lei do Marco Temporal
FPA se manifesta sobre busca da PGR por derrubada do Marco Temporal das Terras Indígenas
FPA se posiciona sobre decisão do STF em relação às demarcações em Guaíra/PR
Guaíra: Demarcações de terras indígenas voltam a ser suspensas