Rio de Janeiro resiste a ser "apagado" do mapa sucroalcooleiro

Publicado em 03/08/2011 07:46
Seis anos depois de criar um programa de revitalização da cultura de cana-de-açúcar, o Rio de Janeiro assiste ao declínio de uma das principais atividades agrícolas do Brasil. Nem a euforia vivida com o "boom" do etanol nos últimos anos tem conseguido sustentar o setor no Estado, importante consumidor de açúcar do país. O Rio é importador de açúcar e álcool de outros Estados, sobretudo de São Paulo.

Com uma produção neste ano estimada em 118 mil toneladas de açúcar, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o Rio precisa "importar" mais de 85% do produto que consome em todo o Estado. O consumo fluminense de açúcar deve atingir este ano 896 mil toneladas, de acordo com dados da consultoria Datagro.

No caso do etanol, a relação é semelhante. No ano passado, por exemplo, o consumo estadual foi de 1,19 bilhão de litros, entre anidro e hidratado, segundo dados da ANP (Agência Nacional de Petróleo), enquanto a produção foi de ínfimos 82 milhões de litros. O etanol ainda sofre forte concorrência da gasolina e do GNV (Gás Natural Veicular), segundo especialistas do setor.

Com produção concentrada em Campos do Goytacazes, no norte fluminense, apenas três das nove usinas instaladas na região operam. Dessas, nenhuma a plena capacidade. A cultura canavieira prometia reviver seus tempos de glória dos anos 80, quando 24 usinas operavam no Estado estimuladas pelo Proálcool. Mas o que se vê agora é um esforço para que as três unidades em operação não tenham o mesmo destino das que tiveram que desligar suas moendas.

Em entrevista ao Valor, Christino Áureo, secretário de Agricultura do Estado, afirma que as unidades produtoras do Rio foram golpeadas pela crise financeira de 2008. "Intensificamos um trabalho de revitalização em 2007 [havia incentivos à cultura desde 2005], mas a crise atingiu um setor já fragilizado", diz.

"O Estado tem uma vantagem logística comparável ao do Nordeste, com a proximidade dos portos de Vitória e do Rio", diz Júlio Maria Martins Borges, presidente da consultoria Job Informação e Resultado. Segundo Martins Borges, as usinas do Rio sofreram problema de gestão, e também foram prejudicadas pelo baixo nível de eficiência técnica. "As condições agrícolas daquela região são menos favorecidas que as de outros Estados".

A produção canavieira é explorada por pequenos agricultores, com escala bem menor comparada a outros Estados. Segundo o secretário de Agricultura, a pecuária de corte e de leite tornou-se alternativa a esses produtores.

A região de Campos de Goytacazes abriga uma das mais antigas usinas do país, na cidade de Quissamã, motivo de orgulho no tempo do Brasil Império. O grupo J. Pessoa, hoje em recuperação judicial, foi um dos primeiros incentivadores da retomada da cultura naquela região.

O grupo fez sua estreia no Estado no início dos anos 2000, com a compra das usinas Quissamã e Santa Cruz. A primeira unidade nunca chegou a operar. A segunda, por causa de problemas climáticos que afetaram os canaviais, foi desativada nesta safra e a matéria-prima está sendo processada em uma parceria com outra usina, a Paraíso, localizada no mesmo município, em Campos, diz o presidente do grupo, José Pessoa de Queiroz Bisneto. "Os dois grupos estão moendo, juntos, 1 milhão de toneladas", diz. Pessoa lamenta o declínio da produção fluminense, que chegou a representar 10% da nacional. "Quando o Brasil processava 100 milhões de toneladas de cana, o Rio moía 10 milhões. Era um Estado importante."

O grupo nordestino Othon também não resistiu à crise. Em 2008, as três unidades produtoras da companhia, entraram com pedido de recuperação judicial.

"A retomada, no que dependeu do governo do Estado, tinha tudo para dar certo", diz Áureo. Segundo ele, o governo investiu nesses últimos anos cerca de R$ 100 milhões na malha de canais de drenagem e de irrigação, um total de 1.500 quilômetros. "Resolvemos um impasse que já durava 20 anos em relação à queima da cana e também demos incentivos tributários, com alíquota de 2% de ICMS para os produtos [açúcar e álcool negociados dentro do Estado."

Poucas usinas conseguiram seguir em frente diante de tantas adversidades. A Coagro, uma cooperativa de nove mil associados, é uma delas. "Arrendamos uma unidade falida [a São José], com capacidade de até 1 milhão de toneladas", diz Frederico Paes, presidente da cooperativa. "Deveremos processar entre 850 mil a 900 mil toneladas de cana nesta safra", diz.

Em 2009, o empresário Ludovico Giannattasio, engenheiro civil, cuja família é produtora de cana na região de Campos, colocou em operação a destilaria Canabrava. Com capacidade industrial para processar 1,5 milhão de toneladas, a unidade deve moer nessa safra apenas 600 mil toneladas, ainda assim, o dobro do que realizou no ciclo anterior.

Apesar do custo fixo alto resultante da baixa moagem de cana, Giannattasio afirma que a rentabilidade de sua usina está positiva. Isso por causa do incentivo de ICMS que, se não fosse o apoio governamental, incidiria em 24% sobre o preço de venda do biocombustível no Estado. A outra razão para seu otimismo está no estímulo dado pela prefeitura de Campos para plantio de cana. Por meio do Programa de Revigoramento da Lavoura de Cana de Açúcar (novo Fundecana) a Canabrava está investindo R$ 40 milhões no plantio de 7 mil hectares de cana que, em dois anos, vão gerar uma oferta adicional de matéria-prima de 570 mil toneladas, elevando a capacidade de moagem da usina para 1,17 mil toneladas, diz.

Desde o ano passado, a região foi afetada pelo clima, o que comprometeu parte da produção de cana. "A gente vem sobrevivendo a intempéries climáticas, o que prejudicou as duas últimas safras", afirma Eduardo Crespo, presidente da Associação dos Produtores de Cana do Norte Fluminense.

A expectativa é de que a colheita nesta atual safra, a 2011/12, fique em torno de 2,5 milhões de toneladas (o tamanho de uma usina média em São Paulo), o mesmo volume processado no ciclo anterior. Se confirmadas as estimativas, a produção do Estado é praticamente nula em relação ao país, com previsão para 600 milhões de toneladas.

Segundo Áureo, o Estado não tem a pretensão de alcançar a autossuficiência. "Se conseguirmos abastecer de 10% a 20% do consumo interno [do Estado], já é uma vitória. Hoje, abastecemos menos de 10%." A meta é atingir 9 milhões de toneladas de cana por ano.

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Fonte:
Valor Econômico

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