A qualidade que compromete, por Afonso Peche Filho
A qualidade de um fertilizante não se resume ao teor de nutrientes que compõem sua fórmula. Embora o foco da maioria dos produtores ainda recaia sobre a concentração química de nitrogênio, fósforo e potássio, a experiência em campo demonstra que as propriedades físicas do fertilizante podem comprometer, ou potencializar, toda a estratégia de adubação. Granulometria irregular, baixa resistência mecânica, alta higroscopicidade e má fluidez são exemplos de características que comprometem a eficiência do insumo, transformando um produto de alto valor técnico em um problema operacional e ambiental.
O ponto central é que a qualidade física de um fertilizante determina sua distribuição uniforme no campo, o que garante ou limita o aproveitamento dos nutrientes pelas plantas. Um insumo com má qualidade física não apenas reduz a resposta agronômica das culturas, mas também desperdiça recursos, aumenta os custos de aplicação e eleva o risco de contaminação ambiental.
Granulometria: o primeiro indicador de eficiência
A granulometria, o tamanho e a uniformidade das partículas, é, talvez, a propriedade mais crítica. Fertilizantes com grânulos de diferentes tamanhos tendem a sofrer segregação durante o transporte e armazenamento, dificultando a regulagem dos equipamentos distribuidores. Isso leva a aplicações desuniformes: áreas com excesso de nutrientes e outras subfertilizadas, comprometendo a produtividade e a sustentabilidade econômica da lavoura.
Nos fertilizantes químicos, como ureia, MAP e cloreto de potássio, o processo de granulação e peneiramento é pensado para manter uma faixa de tamanho padrão. Porém, nos organominerais, que incluem matéria orgânica, a uniformidade é um desafio. Já nos orgânicos, compostos por resíduos vegetais ou esterco, a variabilidade é inerente, sendo necessário recorrer à peletização para permitir uso eficiente em máquinas agrícolas.
Densidade: o peso da precisão
A densidade aparente (kg/m³) impacta diretamente a regulagem dos distribuidores. Fertilizantes químicos possuem densidade estável, entre 800 e 1100 kg/m³, garantindo previsibilidade na aplicação. Por outro lado, organominerais (600–900 kg/m³) e orgânicos (400–600 kg/m³) exigem ajustes constantes e maior sensibilidade por parte do operador. Uma calibração mal ajustada gera áreas malnutridas, reduzindo o potencial produtivo e aumentando custos.
Higroscopicidade: o inimigo invisível
A capacidade do fertilizante de absorver umidade do ar afeta diretamente a fluidez do produto. A ureia é um exemplo clássico: sob umidade elevada, rapidamente forma torrões (empedramento), comprometendo a distribuição. Em organominerais, o teor de carbono orgânico reduz parcialmente essa tendência, mas a falta de controle da umidade interna ainda leva a compactação e perda de qualidade. No caso dos orgânicos, o problema pode evoluir para fermentação ou deterioração quando armazenados inadequadamente.
Resistência mecânica: quando o grânulo não resiste.
A resistência dos grânulos é essencial para evitar a formação de pó durante o transporte e a aplicação. Grânulos frágeis quebram com facilidade, prejudicando a uniformidade da dosagem e elevando perdas por volatilização. Testes de compressão indicam que a resistência mínima deve superar 2 kgf. Nos organominerais, alcançar esse padrão é um desafio tecnológico devido à menor coesão proporcionada pela matéria orgânica.
Fluidez: o caminho livre do fertilizante
A fluidez, resultado da interação entre granulometria, resistência mecânica e umidade, é indispensável para o bom desempenho dos equipamentos de distribuição. Fertilizantes com baixa fluidez exigem intervenções mecânicas (agitação, vibração), elevando os custos e dificultando a aplicação uniforme. A presença de pó ou grânulos quebradiços intensifica o problema.
A qualidade como fator de sustentabilidade
A baixa qualidade física não afeta apenas a eficiência agronômica: ela tem implicações ambientais diretas. Aplicações desuniformes geram áreas de excesso de nutrientes, aumentando a lixiviação de nitratos, a volatilização de amônia e a contaminação de águas superficiais e subterrâneas. Assim, a qualidade física é uma questão de manejo sustentável, que deve ser considerada tanto pelo produtor quanto pela indústria de fertilizantes.
O agricultor como guardião da qualidade
A gestão da fertilização não é apenas técnica, é estratégica. O agricultor, ao escolher e aplicar fertilizantes, se torna responsável por garantir que cada nutriente chegue ao solo de forma uniforme e no momento certo. Para isso, é preciso avaliar a qualidade física do produto antes da compra, exigir padrões adequados do fornecedor e adotar boas práticas de armazenamento. A decisão de ignorar esses aspectos é abrir mão de produtividade e de eficiência econômica, além de contribuir para impactos ambientais evitáveis.
Reflexão final: a qualidade que compromete
O conceito de “qualidade” precisa ser ampliado: um fertilizante com alta concentração de nutrientes, mas com propriedades físicas inadequadas, é um produto de baixa eficiência. No cenário atual, em que a agricultura busca eficiência produtiva, redução de custos e sustentabilidade ambiental, é inaceitável que falhas simples, como má granulometria ou baixa resistência mecânica, comprometam resultados de campo.
A mensagem é clara: o agricultor precisa ser tão crítico com a qualidade física quanto é com a composição química do fertilizante. Ao exigir padrões elevados e compreender o impacto desses atributos, ele não apenas garante uma adubação eficiente, mas também protege o meio ambiente e maximiza o retorno econômico de cada aplicação.
* Pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas. IAC.