Brasil busca destravar potencial do cacau e reduzir dependência de importações

Publicado em 02/10/2025 09:50
Por Paulo Yvan, diretor de Soluções Agronômicas da Yara Brasil

O cacau ocupa um espaço de relevância no cenário agrícola brasileiro, mas ainda enfrenta entraves que impedem o país de alcançar sua plena competitividade internacional. Atualmente, o Brasil é o sexto em área plantada, com aproximadamente 590 mil hectares, e o sétimo em volume de produção, com cerca de 274 mil toneladas anuais, conforme números do IBGE. No entanto, a produtividade nacional continua baixa: a média é de apenas 0,46 tonelada por hectare, o que equivale a 30 arrobas por hectare, posição que nos coloca apenas em 24º lugar no ranking global de produtividade, segundo estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A comparação com a realidade de países africanos, como Costa do Marfim e Gana, que lideram o ranking, evidencia o desafio. Nesses países, a produtividade é até cinco vezes maior. Ainda que a média brasileira seja bastante variável, algumas áreas demonstram que é possível alcançar mais de 500 arrobas por hectare.

Esse descompasso entre potencial e realidade se deve a uma combinação de fatores. A baixa adoção de tecnologias e a falta de assistência técnica e lavouras muito antigas são gargalos que limitam a produção. Somam-se a esses problemas as doenças, especialmente a vassoura-de-bruxa, que devastou a cacauicultura baiana na década de 1990 e derrubou o rendimento médio nacional de 35 arrobas, em 1990, para apenas 18 arrobas em 2000, de acordo com dados da Embrapa. Além disso, como a produção nacional não é suficiente para abastecer o mercado interno, as indústrias de processamento precisam recorrer à importação, principalmente da Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Camarões, o que compromete a competitividade das moageiras instaladas no país.

A produção de cacau no Brasil está concentrada na Bahia, maior produtor histórico, e no Pará, estado que mais cresce em área e produtividade e que já rivaliza com a liderança baiana. Espírito Santo e Rondônia também são polos relevantes, enquanto novas fronteiras agrícolas se abrem em Mato Grosso e em São Paulo, onde áreas antes dedicadas aos citros passaram a ser ocupadas pelo cacau. Há ainda regiões de seringueiras, ocupadas por cacau ou que dividem espaços em sistemas de consórcio entre espécies arbóreas.

A diversidade regional explica também os diferentes sistemas de produção que existem no país. Na Bahia predomina o modelo cabruca, em que o cacau é cultivado sob a sombra da floresta nativa, prática que responde por cerca de 70% da produção do estado e que alia conservação ambiental à atividade econômica. Nos sistemas agroflorestais, comuns no Pará e em Rondônia, o cacau é consorciado com espécies de valor econômico como banana, café, seringueira e mamão. Já o cultivo a pleno sol, mais intensivo e tecnificado, tem potencial de alcançar elevados níveis de produtividade, comparáveis aos de culturas como o café.

Independentemente do sistema adotado, um fator é determinante para destravar o potencial produtivo: o manejo nutricional adequado. Muitos agricultores ainda deixam de investir em adubação de alta tecnologia, sem considerar as características e necessidades específicas de cada área. A análise de solo é a ferramenta essencial para corrigir esse problema. Com ela, é possível avaliar a fertilidade do solo, planejar a calagem, ajustando as doses de macro e micronutrientes de acordo com a idade da planta e o clone utilizado.

Os solos da Bahia, por exemplo, apresentam em sua maioria forte deficiência de fósforo e potássio, nutrientes fundamentais para o desenvolvimento do cacaueiro. Quando a adubação é feita com base em análise de solo, os resultados são expressivos. Experimentos recentes mostraram que o uso de programas nutricionais bem planejados pode aumentar a produtividade em até 17% e melhorar em mais de 20% o retorno sobre o investimento.

Tecnologia, genética e manejo, alinhados, se mostram como um trunfo para elevar ainda mais os índices de produção, e o Pará, neste aspecto, vem se tornando referência. O estado tem registrado produtividades superiores a uma tonelada por hectare em alguns municípios, puxadas por solos férteis, maior organização dos produtores e uso de híbridos mais produtivos e tolerantes às doenças mais comuns para a cultura, como a vassoura-de-bruxa. Essa evolução contrasta com a realidade de muitas áreas da Bahia, que ainda convivem com baixa produtividade e com a dependência de práticas tradicionais.

Apesar dos gargalos, há pontos fortes que sustentam uma expectativa positiva para a cultura no Brasil. Adicionalmente à expansão do cultivo em novas regiões e ao desenvolvimento genético, o mercado interno de chocolate permanece aquecido, garantindo demanda para a produção nacional. O cacau brasileiro também possui diferenciais ambientais relevantes. Sistemas como a cabruca e os consórcios agroflorestais permitem conciliar produção agrícola com preservação da biodiversidade, conservação dos recursos hídricos e captura de carbono, agregando valor e abrindo portas para nichos de mercado que priorizam a sustentabilidade.

O futuro da cacauicultura brasileira depende da superação de seus desafios históricos. Com investimento em renovação de áreas antigas e improdutivas e manejo nutricional baseado em análise de solo, assistência técnica eficaz e expansão de modelos produtivos de alto rendimento, o Brasil poderá reduzir sua dependência de importações, recuperar espaço no mercado internacional e reposicionar o cacau não apenas como uma cultura de tradição, mas como símbolo de inovação, sustentabilidade e competitividade na agroindústria nacional.

Fonte: Yara

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