A importância da biodiversidade funcional, por Afonso Peche

Publicado em 19/12/2025 08:00
A IMPORTÂNCIA DA BIODIVERSIDADE FUNCIONAL.

Biodiversidade funcional é a diversidade de organismos, e, sobretudo, de funções ecológicas, que sustentam o funcionamento de um sistema vivo. Não se trata apenas de “quantas espécies existem”, mas de o que elas fazem: quem fixa nitrogênio, quem estrutura o solo, quem poliniza, quem controla pragas, quem decompõe resíduos, quem regula água e microclima. Em sistemas agrícolas e em paisagens produtivas, biodiversidade funcional é a base invisível que permite estabilidade, produtividade e resiliência com menor dependência de insumos externos.

Na prática, a biodiversidade funcional é o “motor ecológico” que transforma energia, água e nutrientes em produção. Quando esse motor está completo e bem distribuído, o agroecossistema tende a operar com maior eficiência: os ciclos biogeoquímicos se fecham melhor, há menos perdas por lixiviação e erosão, e a comunidade biológica oferece serviços essenciais. Quando o motor é empobrecido, por simplificação extrema do uso do solo, ausência de cobertura viva, uso repetitivo de moléculas químicas, eliminação sistemática da vegetação espontânea e fragmentação de habitats, o sistema passa a exigir correções constantes: mais fertilizante para compensar ciclagem fraca, mais defensivo para compensar controle biológico insuficiente, mais irrigação para compensar solo com baixa infiltração e armazenamento.

No solo, a biodiversidade funcional é decisiva. Bactérias, fungos, actinomicetos, protozoários, nematoides, microartrópodes e minhocas formam uma rede trófica que regula a decomposição, a disponibilidade de nutrientes e a formação de agregados. Fungos micorrízicos ampliam a exploração de fósforo e água; bactérias rizosféricas modulam hormônios e resistência; minhocas e macrofauna criam bioporos, melhorando infiltração e aeração. Em conjunto, essa vida promove estrutura, porosidade, estabilidade de agregados e supressividade contra patógenos. Solo biologicamente funcional é mais “esponja” e menos “pista”: absorve água, reduz escorrimento superficial e amortiza extremos climáticos.

Acima do solo, a biodiversidade funcional se expressa como regulação biótica e microclimática. Polinizadores garantem fecundação e qualidade de frutos; inimigos naturais (parasitoides, predadores, microrganismos entomopatogênicos) reduzem explosões populacionais de pragas; a diversidade de plantas hospedeiras e barreiras vegetais diminui vento, poeira e deriva; estratos vegetais diferentes moderam temperatura e umidade, influenciando fotossíntese e sanidade. A vegetação espontânea (“mato”), quando manejada com critério, pode atuar como banco de recursos para polinizadores e inimigos naturais, além de proteger o solo e estimular a biologia, desde que se evite competição crítica nas fases sensíveis da cultura e se mantenha um manejo de cobertura compatível com o objetivo produtivo.

Um ponto-chave é que biodiversidade funcional não significa “deixar ao acaso”, e sim planejar. A gestão orientativa começa por um diagnóstico simples: quais funções estão frágeis? Há sinais de erosão, crosta, baixa infiltração, compactação e perda de matéria orgânica? Há dependência crescente de herbicidas e inseticidas? As floradas ocorrem com pouca presença de polinizadores? A partir disso, define-se uma estratégia de recomposição funcional por meio de quatro frentes integradas: (1) diversidade vegetal (rotação, consórcios, plantas de cobertura, bordaduras, quebra-ventos, corredores ecológicos); (2) solo permanentemente coberto (palhada, cobertura viva, mínima exposição); (3) redução de perturbações (evitar mobilização intensa, tráfego desordenado, pulverizações preventivas sem critério); (4) habitats na paisagem (fragmentos, áreas úmidas, matas ciliares, refúgios florais e estruturas para fauna benéfica).

Como orientação prática, vale transformar “funções” em metas: aumentar a infiltração e a estabilidade de agregados; elevar a atividade biológica e a diversidade de raízes; ampliar a presença de inimigos naturais; garantir oferta contínua de néctar e pólen em janelas críticas; reduzir áreas de solo nu; conectar áreas de proteção com áreas produtivas por elementos lineares (cercas vivas, renques, margens vegetadas). Indicadores simples ajudam a acompanhar: cobertura do solo (%), presença de bioporos, teste de infiltração, densidade aparente, diversidade de plantas na entrelinha, ocorrência de inimigos naturais, necessidade de aplicações químicas ao longo do tempo.

Em síntese, biodiversidade funcional é o caminho para uma agricultura que produz com maior inteligência ecológica: não substitui técnica, mas eleva a técnica a um nível sistêmico. Onde há funções distribuídas e redundantes, há estabilidade; onde há estabilidade, há produtividade mais segura; e onde há produtividade segura, há espaço real para reduzir custos ecológicos e econômicos. Promover biodiversidade funcional é, portanto, uma decisão estratégica: cuidar do que sustenta a lavoura quando ninguém está olhando.

Fonte: Afonso Peche

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