A greve dos caminhoneiros, o complexo soja e a ponta do iceberg, por Flávio França Jr.

Publicado em 02/03/2015 10:10
Flávio Roberto de França Junior é Analista de Mercado e Consultor em Agribusiness e Diretor da França Junior Consultoria

Prezados amigos. Mais uma vez, ao invés de tratarmos de assuntos positivos para a nossa cadeia produtiva, pensando para frente, visando o crescimento do setor, temos que parar tudo e tratar de um tema que dominou as discussões e os textos da semana: a greve dos caminhoneiros no Brasil. Não vou entrar aqui nos aspectos técnicos do movimento, uma vez que estes já foram amplamente discutidos em outros textos, e o meu comentário tenderia a ser tornar repetitivo. Também não vou tratar do assunto no aspecto político, uma vez que sobre política vamos falar no texto da próxima semana. Neste caso está muito clara a percepção de que o estopim para a crise está no forte e represado aumento do óleo diesel, combinado com a retração econômica durante o ano passado, e que vai se aprofundando neste início de ano. As reivindicações até enumeram outros pontos importantes (e justos na maioria dos casos), mas a questão central está na perda de renda dos caminhoneiros: aumento de custos x diminuição nos valores dos fretes.
Na verdade quero neste comentário refletir sobre os principais impactos desse movimento sobre o complexo soja, sejam eles diretamente na questão da logística, sejam eles de forma indireta na formação dos preços. São eles:

•    Escoamento da soja para os portos: talvez o principal impacto dos bloqueios realizados pelos produtores nas rodovias federais pelo país seja a interrupção ou brusca diminuição da chegada do grão aos portos brasileiros. Até este momento não chegou a resultar em atrasos efetivos nos embarques, pois os portos já estavam com os armazéns cheios de produto. Mas se o movimento durar mais alguns dias os atrasos começarão a acontecer;
•    Escoamento da soja para as indústrias: em alguns casos estamos percebendo dificuldades para as indústrias manterem a atividade de processamento dentro da normalidade para a época, especialmente aquelas que ainda estavam com estoques baixos. Em caso de continuidade, o risco aqui é de desabastecimento nos mercados de farelo e óleo;

•    Escoamento do farelo e óleo: além da dificuldade em muitos casos em receber o grão, temos relatos de problemas também no transporte dos próprios subprodutos. Chamando mais a atenção o impacto no setor de carnes, em função de problemas na produção de rações pela diminuição da oferta de farelo;

•    Trabalhos de colheita: um dos efeitos dos bloqueios tem sido a paralisação da colheita em algumas regiões por falta de diesel. Embora não seja por enquanto um efeito generalizado, tivemos notícias isoladas de dificuldades dessa natureza, notadamente no Mato Grosso. E essa é uma equação cruel para os produtores, uma vez que o estado já vem sofrendo com a dificuldade de avançar a colheita em função do quadro chuvoso. Lembrando que a soja madura não pode esperar muito tempo para ser colhida;

•    Trabalhos de plantio: embora não esteja diretamente ligado à soja, mas a falta de combustível está trazendo também dificuldades para o plantio da safra de inverno, especialmente no caso do milho. Se atrapalha o plantio da soja, atrapalha também a semeadura do milho, cuja janela de cultivo já está bastante espremida este ano pelo atraso no plantio da soja;

•    Alta de preços na CBOT: outro aspecto indireto do movimento dos caminhoneiros brasileiros tem sido a elevação das cotações da soja e milho no mercado de futuros da Bolsa de Mercadorias de Chicago. A percepção aqui é que a continuidade dos bloqueios pode levar os compradores internacionais a transferirem momentaneamente sua preferência pela safra nova da América do Sul para o mercado norte-americano. A posição spot (março) da soja na CBOT subiu US$ 36 cents/bushel na semana, ou US$ 13.23/tonelada (US$ 0.79/saca), e a principal motivação foi o problema de escoamento da safra brasileira;

•    Baixa nos prêmios de exportação: parte dessa alta observada na CBOT foi amortecida pelo recuo nos prêmios de exportação para embarques próximos. Tomando o porto de Paranaguá como referência, a base de compra do prêmio para embarque em março recuou de US$ 54 cents para US$ 30 cents/bushel, ou queda de US$ 8.82/t (US$ 0.53/saca). São os importadores tentando descontar eventuais problemas com o atraso nos embarques;

•    Diminuição no fluxo de negócios: o maior problema das paralisações dos caminhoneiros foi efetivamente travar ou dificultar o fluxo de escoamento desta nova safra. Em função da alta nos preços domésticos, combinando alguns momentos de firmeza do câmbio e a puxada na CBOT, os produtores até que aproveitaram bem o as recentes altas nos preços domésticos para negociar a safra nova. Mas o fluxo de negócios acabou sendo limitado pela greve e ficou bem do que seria o normal para o período;

Não tenho como afirmar que o movimento grevista dos caminhoneiros terá continuidade, e que todas essas variáveis elencadas irão se agravar nos próximos dias. Até porque o governo tende a aumentar o tom da reação a partir de agora, buscando o imediato desbloqueio das rodovias. E tudo pode esmorecer durante o fim de semana. Mas a julgar pela reação da presidente e dos ministros envolvidos, fica evidenciada mais uma vez a falta de preparo do governo em lidar com problemas dessa natureza (aliás, como se tem visto, sobre problemas de qualquer natureza). E tomando como base a reação favorável da população ao movimento grevista em muitos municípios, mesmo em muitos casos sendo prejudicados na questão do abastecimento, somos levados a acreditar que esta é apenas a “ponta do iceberg”. O setor produtivo e a sociedade que paga a conta não aguentam mais. E que as manifestações espontâneas e apartidárias programadas para o dia 15 de março, podem se transformar no maior movimento de protesto da história deste país.   

Um “AgroAbraço” a todos!!!
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Fonte: França Junior Consultoria

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