Mané Cebola, por Osvaldo Piccinin

Publicado em 08/04/2014 12:50
Osvaldo Piccinin, engenheiro agrônomo, formado pela USP-Esalq, em 1973. Natural de Ibaté, é empresário e agricultor e mora em Campo Grande/MS.

Na verdade seu nome é Manoel Dantas. Mais um personagem da minha cidade, que marcou de forma positiva e exemplar a minha adolescência.

Já se passaram mais de quarenta anos. Eu, um adolescente cheio de sonhos, cursando o ginasial, com muita dificuldade, vivendo tempos difíceis e parcos recursos. Ele, cursando uma faculdade, numa situação de extrema dificuldade, mas com muita dignidade.

Na nossa cidade - Ibaté - não havia ginasial e nem científico, por esta razão estudávamos na cidade vizinha. Contávamos nas mãos, os privilegiados jovens, que tinham a mínima condição financeira de estudar noutra cidade. Não passava de uma dúzia.

Quase a maioria absoluta estudava durante o dia. Apenas um, entre nós, estudava a noite. Detalhe este, que sempre me chamou a atenção. Este jovem era exatamente o Mané Cebola - apelido pelo qual era conhecido.

Sua origem nordestina, sua  garra, determinação, seu caráter  marcante, assim como sua “munhequice” eram marcas registradas -  tirar um tostão dele era uma tarefa hercúlea!

Por muito tempo fiquei sem entender porque ele estudava à noite. Cursava Química Industrial. Na Usina Tamoio onde trabalhava como lenhador,  para pagar seus estudos, era o palco de seu ganha pão. Eu imaginava ser ele um escriturário ou algo parecido, afinal não gostava muito de falar sobre seu trabalho, por motivos óbvios.

Sempre prestativo e bom comunicador, fazia parte da “elite” estudantil da cidade, freqüentava com desenvoltura as festas e bailes dos melhores clubes da região. Mané era um pé de valsa.

Fiquei impressionado ao ver meu amigo dando duro no cabo de um machado, cortando uma floresta de eucaliptos ao passar pela Usina onde trabalhava.

Por ser muito forte, desferia golpes firmes e certeiros no tronco das árvores, pois naquele tempo não existia motosserras.  Tempos depois, tomei conhecimento de que era o campeão neste serviço.

Sua rotina diária era acordar às quatro da manhã, ir para ponto (local onde passava a condução), tomar um caminhão de bóias - frias que o conduzia até ao árduo trabalho; cortar lenha o dia todo com apenas um pequeno intervalo para o almoço. 

Tomava um banho de “gato”, tipo apressadinho após o encerramento do trabalho e  na maioria das vezes em riachos para ganhar tempo e não perder a jardineira que o levaria até a faculdade. Vestia o uniforme amassado, que levava numa mochila e ficava sem jantar até às dez e meia da noite – quando retornava para casa.

Só então tinha umas poucas horas de merecido descanso e retornar ao trabalho, na manhã seguinte. Estudava e fazia as tarefas no intervalo do almoço, e em alguns finais de semana. Férias? Nem pensar! Pobre não tira férias me dizia ele.

Depois de tomar conhecimento de sua história, nunca mais reclamei da vida dura que também levava como estudante. Eu me perguntava, se o Mané agüenta a “marimba” porque  eu não agüento? Mal sabia que para mim, ele  era um exemplo a ser seguido.

Formou-se químico industrial com muito sacrifício e honradez. Nunca soube que tivesse exercido esta profissão, mas isso é o que menos importa. O que ficou para sempre, na minha memória, foi seu exemplo de luta e a crença de vencer, sem nunca desistir.

“Os tristes acham que o vento geme, os alegres acham que o vento canta”. E o vento continuou soprando e cantando pela sua vida a fora. 

E VIVA O ESFORÇADO MANÉ CEBOLA!

osvaldo.piccinin@agroamazonia.com.br

Tags:

Fonte: Osvaldo Piccinin

NOTÍCIAS RELACIONADAS

No caixa eletrônico, por Osvaldo Piccinin
Olhos do Tempo, por Osvaldo Piccinin
Despedida desastrosa, por Osvaldo Piccinin
Nosso farmacêutico Adauto, por Osvaldo Piccinin
O clarão da lua cheia, por Osvaldo Piccinin