O decreto e a realidade, EDITORIAL DO ESTADÃO

Publicado em 20/06/2014 20:51

O decreto e a realidade

EDITORIAL DE O ESTADO DE S.PAULO

 

Os sofismas são distorções da realidade. Captam um aspecto e extrapolam o seu âmbito, começam com uma meia-verdade e terminam com uma mentira completa. E esse é o percurso que o governo federal tem seguido na defesa do Decreto 8.243. Cria ele novos conselhos? Não. Se apenas criasse conselhos, não haveria maiores problemas. Seria "apenas" uma burocratização a mais na já burocratizada administração pública federal. Mas não foi isso que provocou reações contrárias a ele no Congresso. O decreto cria algo de extremo interesse dos atuais ocupantes do Poder Executivo - uma "política de participação social" gerenciada por ele.

É algo mais profundo do que a mera existência de conselhos, e o seu perigo reside nas segundas intenções. Nada é dito explicitamente. E o governo trata os seus opositores como ignorantes, alegando que existem conselhos desde 1937. Só para lembrar: 1937 foi o ano em que o Brasil mergulhou na ditadura do Estado Novo. É assim que quer defender o decreto?

O governo sustenta que é piada de mau gosto da oposição chamar o Decreto 8.243 de bolivariano. Infelizmente não é. Alegar que são conselhos consultivos é fugir do problema, escorregando novamente para o sofisma. Chávez e seus "muchachos" não estrangularam a democracia em seus países dizendo que assim o fariam. Sufocaram a democracia com as mais belas palavras, "conferindo o máximo poder ao povo".

É verdade que o decreto não iguala Dilma a Chávez. O decreto está vigente e isso não nos transformou ipso facto numa Venezuela. Mas o decreto traz no seu bojo a mesma lógica, idêntica retórica. "A representação tem muitos defeitos", afirmou o ministro Gilberto Carvalho. É óbvio, mas não pode ser um ato do Executivo o meio legal para corrigir essa representação, e ainda por cima encarregando o próprio Executivo de coordenar essa nova representação, com a sua "política de participação social". Aí está o problema.

Na cortina de fumaça que é a defesa do decreto pelo Executivo, afirma-se que a oposição está criando um problema político. Não se trata de um "problema político", mas de um problema institucional, que logicamente afeta a vida política. A questão institucional, em sua essência, é a vontade do Executivo de "alterar" (se vai piorar ou melhorar é uma questão sobre a qual cada um terá sua opinião) a forma de participação social. Ora, não cabe a ele "reequilibrar" representação política nem muito menos proclamar-se gerente dessa nova "política de participação social".

Representantes do governo afirmam que estão dispostos a dar todas as explicações necessárias ao Congresso. Até o momento, tiveram inúmeras oportunidades para fazê-lo, mas o que deles só se ouviu foi mais do mesmo. Na prática, dizem: "Acreditem em nós, não faremos nenhum mal à democracia representativa com a nossa política de participação social". As instituições de um país são organizadas para diminuir a arbitrariedade pessoal, não para criar feudos e atribuí-los a "bonzinhos". A constitucionalidade de um decreto não depende das declarações de boa intenção dos seus criadores. Decorre do que está posto no papel, e o que lá está não é nada republicano.

Não é o medo da voz popular que leva o Congresso a se opor ao Decreto 8.243. É o receio de que alguns, sob a batuta do Executivo, se sirvam dele para monopolizar a voz da sociedade. Uma rendição dos deputados e senadores a este ato da Presidência significaria ferir o mandato que a sociedade brasileira lhes conferiu. É seu dever garantir a pluralidade de vozes da população, não apenas alguns corais ensaiados.

Criar e organizar os Conselhos pretendidos por projeto de lei - como sugerem alguns congressistas - não resolve o problema. Por lei ou por decreto, a ideia é ruim e perigosa, porque atropela as instituições ao dar ao Executivo o direito de organizar - ou melhor, domesticar - a "participação social". Por lei, o máximo que o Congresso poderá fazer é maquiar a ideia, dando-lhe ares de respeitabilidade e legitimidade. Por isso, a emenda poderá ser pior do que o soneto.

No vídeo, Gilberto Carvalho desmente o chefe: “Me permitam, pessoal, no Itaquerão não tinha só elite branca, não”

Publicado originalmente em 19 de junho de 2014, às 15:40

Ilusão de ótica, POR DORA KRAMER

Não parou em pé uma semana a justificativa de que os insultos dirigidos à presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa foram obra de ação orquestrada pela "elite branca" presente ao estádio. 

E quem a derrubou foi o mesmo Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República, que em janeiro último pôs abaixo a versão oficial sobre os protestos de junho de 2013. Segundo o governo e o PT, a ebulição era produto do êxito das administrações petistas que tornaram as pessoas mais exigentes e o "Brasil mais forte", na expressão da presidente.

Na ocasião, Carvalho falava no Fórum Social, em Porto Alegre, e desabafou com franqueza sobre as manifestações: "Ficamos perplexos, fizemos tanto por essa gente e agora eles se levantam contra nós". Ele se dirigia a uma plateia amiga, como anteontem, quando disse a um grupo de blogueiros e militantes governistas que no Itaquerão "não tinha só elite branca".

Nesse movimento de duas avaliações diversas para um mesmo fato, o ministro relatou que viu "muito moleque" nas imediações do estádio falando palavrão. Pôde constatar, portanto, que "a coisa desceu".

Por "coisa" ele entende o seguinte: "A história de que não combatemos a corrupção, que aparelhamos o Estado, que somos um bando de aventureiros que veio aqui para se locupletar".

Não é exatamente uma "história", mas sim o que se ouve em toda parte, de todo tipo de gente que nos últimos 12 anos viu o PT contrariar antigas bandeiras, proteger corruptos, abafar escândalos, se aliar ao que de pior existe na política, zombar da ética, ter sua antiga cúpula condenada à prisão, tratar a Petrobrás com desmazelo, ser tolerante com a inflação, irresponsável com o gasto público e governar pela lógica eleitoral.

Nessa mesma reunião, o ministro defendeu a tese para lá de controversa segundo a qual o governo perdeu a batalha da comunicação para a "mídia conservadora" porque não soube "fazer o debate" da maneira correta. Como não houve uma defesa competente, pelo raciocínio de Gilberto Carvalho abriu-se o espaço para a alteração da correlação de forças políticas que resulta agora na "eleição mais dura para o PT".

Ora, o que o PT mais teve nesses anos todos foi espaço nos meios de comunicação tanto para defesa quanto para ataque. Nos dois governos de Lula, o presidente discursava todos os dias. Quando o partido e o governo acharam desnecessário explicar suas propostas, ou apresentá-las à sociedade de qualquer maneira na base da pura enganação, como fez com os "pactos" de junho de 2013, foi em decorrência da soberba sustentada na certeza da popularidade inesgotável.

Esse mesmo governo que agora atribui suas dificuldades eleitorais à influência da "pancadaria" dos meios de comunicação quando estava com altos índices de aprovação jactava-se de "derrotar" sistematicamente a imprensa num combate que só existia na cabeça do partido e do Planalto.

As agruras, a mudança na correlação de forças referida por Gilberto Carvalho tem origem nos fatos. O acúmulo de desmandos formou um passivo em que a realidade venceu o marketing. Simples assim.

Às turras. O clima entre PT e PMDB em São Paulo desmente a assertiva da presidente Dilma de que o governo federal conta com "dois candidatos, Alexandre Padilha e Paulo Skaf" para enfrentar, juntos, a eleição no Estado.

Primeiro, o próprio Skaf tratou de dizer que na Pauliceia o PT é "adversário", e agora Padilha acusa o PMDB de ter plagiado o slogan de sua campanha e ameaça ir à Justiça.

Cesta básica. De um espectador engajado: "Dilma não precisa de mais tempo de televisão; precisa é de votos".

Itamar Franco em 1993: ‘O sr. Luiz Inácio Lula da Silva me chamou de filho da p.’

Atualizado às 18h40

“Nunca fui desrespeitoso com um presidente da República”, recitou de novo Lula, ainda convalescendo do nocaute sonoro sofrido por Dilma Rousseff no Itaquerão. Como lembrou a coluna há dias, o palanque ambulante qualificou José Sarney de “ladrão” e Fernando Collor de “assaltante” quando os dois inimigos que transformaria em amigos do peito governavam o país. Também insultou Itamar Franco, provam o recorte de jornal e o texto com o timbre da Presidência da República abaixo reproduzidos (clique em cima para ampliar).

Na edição de 8 de maio de 1993, a Folha de S. Paulo publicou o que Lula dissera ao grupo de jornalistas que o acompanhavam em mais uma excursão caça-votos. “Todo mundo sabe que o ministro da Fazenda, Eliseu Rezende, é um canalha que tem compromissos com empreiteiras”, afirmou o futuro camelô da Odebrecht. Depois de acusar o presidente de omisso, emitiu seu parecer: “O Itamar é um filho da p***”.

“Gostaria de saber o que aconteceria (…) se este indivíduo arrogante e elitista fosse o Presidente da República e alguém o chamasse disso”, replicou Itamar no bilhete divulgado dois dias depois pela assessoria de imprensa do Planalto. Agora se sabe o que aconteceria: Lula faria o que tem feito desde o fiasco de Dilma no Itaquerão.

Caprichando na pose de debutante na primeira valsa, iria jurar que aprendeu ainda na infância a jamais dizer nome feio. A usina de palavrões e grosserias aprendeu a mentir (e a xingar) antes de aprender a engatinhar.

A lista do PT

A personificação dos ‘inimigos da pátria’ é um truque circunstancial: os nomes podem sempre variar, ao sabor das conveniências

POR DEMÉTRIO MAGNOLI
 EM  O GLOBO

Lula só pensa naquilo. Diante das vaias (normais no ambiente dos estádios) e dos xingamentos (deploráveis em qualquer ambiente) a Dilma Rousseff na abertura da Copa, o presidente de facto construiu uma narrativa política balizada pela disputa eleitoral. A “elite branca” e a “mídia”, explicou, difundem “o ódio” contra a presidente-candidata. Os conteúdos dessa narrativa têm o potencial de provocar ferimentos profundos numa convivência democrática que se esgarça desde a campanha de ataques sistemáticos ao STF deflagrada pelo PT.

O partido que ocupa o governo decidiu, oficialmente, produzir uma lista de “inimigos da pátria”. É um passo típico de tiranos — e uma confissão de aversão pelo debate público inerente às democracias. Está lá, no site do PT, com a data de 16 de junho (https://www.pt.org.br/alberto-cantalice-a-desmoralizacao-dos-pitbulls-da-grande-midia/). O artigo assinado por Alberto Cantalice, vice-presidente do partido, acusa “os setores elitistas albergados na grande mídia” de “desgastar o governo federal e a imagem do Brasil no exterior” e enumera nove “inimigos da pátria” — entre os quais, este colunista. Nas escassas 335 palavras da acusação, o representante do PT não cita frase alguma dos acusados: a intenção não é provar um argumento, mas difundir uma palavra-de-ordem. Cortem-lhes as cabeças!, conclama o texto hidrófobo. O que fariam os Cantalices sem as limitações impostas pelas instituições da democracia?

O artigo do PT é uma peça digna de caluniadores que se querem inimputáveis. Ali, entre outras mentiras, está escrito que os nove malditos “estimulam setores reacionários e exclusivistas a maldizer os pobres e sua presença cada vez maior nos aeroportos, nos shoppings e nos restaurantes”. Não há, claro, uma única prova textual do crime de incitação ao ódio social. Sem qualquer sutileza, Cantalice convida seus seguidores a caçar os “inimigos da pátria” nas ruas. Comporta-se como um miliciano (ainda) sem milícia.

Os nove malditos quase nada têm em comum. Politicamente, mais discordam que concordam entre si. A lista do PT orienta-se apenas por um critério: a identificação de vozes públicas (mais ou menos) notórias de críticos do governo federal. O alvo óbvio é a imprensa independente, na moldura de uma campanha de reeleição comandada pelo ex-ministro Franklin Martins, o arauto-mor do “controle social da mídia”. A personificação dos “inimigos da pátria” é um truque circunstancial: os nomes podem sempre variar, ao sabor das conveniências. O truque já foi testado uma vez, na campanha contra o STF, que personificou na figura de Joaquim Barbosa o ataque à independência do Poder Judiciário. Eles gostariam de governar um outro país — sem leis, sem juízes e sem o direito à divergência.

Cortem-lhes a cabeça! A palavra-de-ordem emana do partido que forma o núcleo do governo. Ela está dirigida, imediatamente, aos veículos de comunicação que publicam artigos ou difundem comentários dos “inimigos da pátria”. A mensagem direta é esta: “Nós temos as chaves da publicidade da administração direta e das empresas estatais; cassem a palavra dos nove malditos”. A mensagem indireta tem maior amplitude: no cenário de uma campanha eleitoral tingida de perigos, trata-se de intimidar os jornais, os jornalistas e os analistas políticos: “Vocês podem ser os próximos”, sussurra o persuasivo porta-voz do presidente de facto.

No auge de sua popularidade, Lula foi apupado nos Jogos Panamericanos de 2007. Dilma foi vaiada na Copa das Confederações. As vaias na abertura da Copa do Mundo estavam escritas nas estrelas, mesmo se o governo não experimentasse elevados índices de rejeição. O governo sabia que viriam, tanto que operou (desastrosamente) para esconder a presidente-candidata dos olhos do público. Mas, na acusação desvairada de Cantalice, os nove malditos figuram como causa original da hostilidade da plateia do Itaquerão contra Dilma! O ditador egípcio Hosni Mubarack atribuiu a revolução popular que o destronou a “potências estrangeiras”. Vladimir Putin disse que o dedo de Washington mobilizou um milhão de ucranianos para derrubar o governo cleptocrático de Viktor Yanukovich. O PT bate o recorde universal do ridículo quando culpa nove comentaristas pela recepção hostil a Dilma.

Quanto aos xingamentos, o exemplo nasce em casa. Lula qualificou o então presidente José Sarney como “ladrão” e, dias atrás, disse que FHC “comprou” a reeleição (uma acusação que, nos oito anos do Planalto, jamais levou à Justiça). O que gritaria o presidente de facto no anonimato da multidão de um estádio?

Na TV Estadão, critiquei o candidato presidencial José Serra por pregar, na hora da proclamação do triunfo eleitoral de Dilma Rousseff, a “resistência” na “trincheira democrática”. A presidente eleita, disse na ocasião, é a presidente de todos os brasileiros — inclusive dos que nela não votaram. Dois anos mais tarde, escrevi uma coluna intitulada “O PT não é uma quadrilha”, publicada nos jornais O GLOBO e “O Estado de S. Paulo” (25/10/2012), para enfatizar que “o PT é a representação partidária de uma parcela significativa dos cidadãos brasileiros” e fazer o seguinte alerta às oposições: “Na democracia, não se acusa um dos principais partidos políticos do país de ser uma quadrilha”. A diferença crucial que me separa dos Cantalices do PT não se encontra em nossas opiniões sobre cotas raciais, “conselhos participativos” ou Copa do Mundo. Nós divergimos, essencialmente, sobre o valor da liberdade política e da convivência democracia.

Se, de fato, como sugere o texto acusatório do PT, o que mais importa é a “imagem do país no exterior”, o “inimigo da pátria” chama-se Cantalice. Nem mesmo os black blocs, as violências policiais ou a corrupção sistemática são piores para a imagem de uma democracia que uma “lista negra” semi-oficial de críticos do governo.

Demétrio Magnoli é sociólogo

Fonte: O Estado de S. Paulo + Veja

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