A terra que resiste: a luta de produtores rurais contra a insegurança em Campinas e Região, interior de São Paulo
A paisagem da região de Pedra Branca, conhecida pela produção de frutas, no interior de Campinas, começa com estradas de chão, pequenas chácaras e um silêncio que costuma enganar quem não conhece a rotina de quem vive dali. Na propriedade de Noemia Kumagai, o cheiro doce das laranjinhas kinkans marca a época da colheita, que vai de março a setembro. As árvores carregadas emolduram a casa onde a produtora nasceu, cresceu e aprendeu que no campo não basta plantar. Também é preciso vigiar.
Noemia lembra que a base da Polícia Militar funcionou no bairro Pedra Branca por aproximadamente doze anos. O fechamento da unidade, ocorrido por volta de janeiro de 2013, deixou os moradores ainda mais vulneráveis. Uma nova base só foi reinaugurada em oito de março de 2023, desta vez no município de São José, que faz divisa com Pedra Branca. A região também recebeu, em dezembro de 2013, uma base rural da Guarda Municipal de Campinas, o que até hoje causa confusão entre moradores sobre quem atende cada área.
Apesar do reforço, a sensação de insegurança nunca desapareceu completamente. No dia 13 de março de 2025, a produtora flagrou um homem dentro da propriedade tentando furtar frutas. Situações como essa se repetiram ao longo dos anos e motivaram mobilizações constantes da comunidade rural. Segundo Noemia, a reivindicação por melhorias nas estradas e por policiamento contínuo sempre foi necessária. Ela afirma que os moradores precisam se mostrar para existir, já que as áreas rurais tendem a ser esquecidas no planejamento urbano.
A produtora lembra ainda que a Associação dos Produtores e Moradores Rurais teve papel importante no diálogo com autoridades. A entidade aproximou pessoas influentes e ajudou nas negociações que resultaram na criação de bases policiais destinadas ao campo. Com o tempo, a associação foi perdendo força, mas para ela a luta nunca acabou. Hoje, a base rural da Guarda Municipal fica instalada no quilômetro 6,5 da Estrada Velha de Indaiatuba, local estratégico para quem depende das vias rurais para escoar produção e garantir segurança. Ainda assim, Noemia Kumagai afirma que a atuação da GM diminuiu depois que passou a ser unificada com a área urbana.
A estrada em frente à casa da produtora leva o nome de seu pai, Takayuki Ogihara. Para quem vive ali, o cotidiano carrega memória, trabalho e resistência. E a segurança passa a ser parte da rotina tanto quanto colher acerola de outubro a março do ano seguinte ou cuidar das laranjinhas no restante do ano.
A patrulha rural e a tentativa de aproximação
O comandante interino do 47º Batalhão da Polícia Militar do Interior, Júlio César Tirabassi, explica que o policiamento rural da região foi estruturado a partir de uma parceria entre a PM e a prefeitura, dentro do programa Rural Inteligente. A iniciativa permite o cadastramento e recadastramento das propriedades rurais, o que possibilita aos policiais identificar com precisão cada endereço e chegar mais rápido quando acionados.
Segundo Tirabassi, a patrulha rural funciona como policiamento comunitário. Os moradores sabem quem são os policiais que atuam na região e conhecem os dias em que cada um trabalha. Essa proximidade facilita o contato direto em caso de ocorrência e traz agilidade ao atendimento. Uma das maiores dificuldades no campo é a chegada da viatura, já que muitas estradas têm nomes semelhantes, números distantes entre si e vias estreitas de difícil acesso.
Noemia Kumagai e o major Júlio César Tirabassi já se conhecem de iniciativas voltadas à segurança rural. Tirabassi e o capitão responsável pela 6ª Companhia atuam diretamente na área que abrange Pedra Branca e mais quarenta e dois bairros do entorno. Para eles, essa aproximação entre moradores e policiais tornou o trabalho conjunto mais eficiente e reforça a importância da presença constante das equipes no campo.
A área do batalhão conta atualmente com quatro patrulhas rurais. As equipes operam com viaturas exclusivas e atendem em horários variados de acordo com a demanda. A região é produtora de milho, goiaba, figo, frutas diversas e também café. Os furtos mais comuns envolvem produtos colhidos, ferramentas agrícolas e pequenos equipamentos. Casos de furto de máquinas maiores são raros, mas já houve ocorrências isoladas que resultaram em prisões.
Entre dados ausentes e a realidade do campo
Apesar dos avanços locais, ainda falta no Brasil uma padronização nacional de dados sobre crimes rurais. Em muitos estados, furtos e roubos ocorridos no campo são registrados como crimes urbanos, o que reduz a visibilidade do problema e dificulta a criação de políticas públicas específicas. A ausência de estatísticas consolidadas faz com que relatos como o de Noemia se repitam sem que se saiba, de fato, a dimensão da insegurança no meio rural.
Há, entretanto, exemplos de políticas que funcionam em outros estados. No estado do Paraná, o programa Polícia Militar do Paraná (PMPR), por meio da Patrulha Rural Comunitária 4.0, registrou entre 2022 e 2024 uma queda de 34,6% nos roubos em ambiente rural, com redução de 502 para 328 casos, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Paraná. Os furtos e roubos de insumos agrícolas também apresentaram retração significativa, com redução de 68%. Já os crimes envolvendo animais de criação tiveram queda de 57,7%, de acordo com o Governo do Estado do Paraná. O número de homicídios em áreas rurais seguiu a mesma tendência, caindo 34,7% entre 2022 e 2024, de 239 para 156 casos.
Os resultados indicam que, ao menos em algumas regiões do país, iniciativas de policiamento rural estruturadas e contínuas, com cadastro de propriedades, patrulhamento e aproximação entre polícia e comunidade, têm gerado impactos concretos.
Enquanto não há políticas nacionais de registro de crimes rurais, produtores continuam divididos entre proteger sua produção e lidar com a insegurança gerada pelos roubos no campo, agravada justamente pela falta de informações consolidadas sobre esse tipo de crime.