Reynaldo-BH: ‘Sabíamos que Lula estava junto. Só não esperávamos a confissão’

Publicado em 20/11/2013 18:02 e atualizado em 21/02/2014 11:17
No blog de Augusto Nunes, de veja.com.br

Reynaldo-BH: ‘Sabíamos que Lula estava junto. Só não esperávamos a confissão’

REYNALDO-BH

A sensação é a de estar numa enxurrada, vítima do estouro de algum açude. Os absurdos são tantos e tão diversos que certos fatos – e declarações – são considerados normais. Não são. E requerem a busca dos “porquês” e dos “quandos”.

Quando Joaquim Barbosa irá contar o que sabe? Que dia deixará a Corte Suprema para poder dizer claramente o que insinuou ao apartear Gilmar Mendes? Seremos reféns de algo que poderia provocar uma crise institucional?

Além de fornecer resposta, cumpre a Joaquim Barbosa defender o estado de direito e contar o que sabe, o que houve e o que superamos no escuro. A afirmação lançada no ar, sem continuidade, jogada a um futuro impreciso, faz tão mal ao Brasil quanto a própria manipulação denunciada.

Outras declarações enigmáticas vêm de Lula, que se nega a explicar como usou nosso dinheiro para sustentar a amante e se transformar no Don Juan do poder petista. Entre um silêncio e outro, balbucia um “fui traído!” Por quem? Quando?

Sobre o desmantelamento do mensalão, Lula se une aos três PaTetas condenados e afirma: “Estamos juntos!” Existe algo mais grave que um ex-presidente se solidarizar com bandidos condenados?

Estamos juntos em quê? No crime? No roubo? No mensalão? Na prisão? Certamente em tudo. Mas sabemos que Lula nunca irá explicar essa frase. Não tem coragem. Prefere hipotecar solidariedade, contanto que o deixem de fora. Lula protege Lula. Sempre foi assim.

“Estamos juntos”. Eis o lema do mensalão, oferecido de bandeja pelo próprio chefe supremo do esquema. Sabíamos que Lula estava junto. Só não esperávamos que confessasse.

 

A depressão de Genoino

Genoino: deprimido

José Genoino está extremamente depressivo, segundo 100% dos relatos daqueles que estiveram com ele nos últimos dias.

Por Lauro Jardim

 

Programa de fim de semana

Genoino: fim de semana na cadeia

O entorno de Joaquim Barbosa rechaça as críticas sobre a prisão em regime fechado dos mensaleiros que têm direito ao semi-aberto, como se deu no fim de semana com José Dirceu & Cia.

A justificativa é que, de acordo com a lei, aqueles que cumprem pena sob o regime semi-aberto não têm direito de passar os fins de semana fora da prisão – exceto por autorização judicial para ver a família.

Beleza. Mas não é bem assim: no semi-aberto os presos têm direito a algumas horas de sol dentro do pátio do presídio; no regime fechado, não.

Por Lauro Jardim

 

Mensaleiras presas — inclusive a ex-dona do Banco Rural — tomam o primeiro banho de sol na Papuda

A ex-dona do Banco Rural, Katia Rabelo, durante banho de sol no Complexo Penitenciário da Papuda (Foto: Ed Ferreira / Estadão)

Publicado no site de VEJA

MENSALEIRAS PRESAS TOMAM 1º BANHO DE SOL NA PAPUDA

Kátia Rabello e Simone Vasconcellos caminharam no pátio do presídio no Distrito Federal. Sem uniforme, elas conversaram com outra detenta

A ex-dona do Banco Rural, Kátia Rabelo, e a ex-diretora da agência de publicidade de Marcos Valério Simone Vasconcelos, condenadas no julgamento do mensalão, tiveram direito ao primeiro banho de sol no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal, nesta terça-feira. Durante meia hora, elas caminharam pelo pátio do presídio e conversaram com outra detenta, sempre escoltadas por policiais.

Elas têm direito a duas horas diárias de banho de sol.

Presas em Brasília desde sábado, elas foram transferidas na segunda-feira da Superintendência da Polícia Federal para uma unidade da Polícia Militar dentro do Complexo Penitenciário da Papuda, onde estão presos também os petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.

O advogado de Kátia Rabelo, José Carlos Dias, disse já ter pedido ao juiz da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal a transferência dela para uma prisão em Belo Horizonte, onde mora a família. O juiz decidiu enviá-las para a Papuda porque o Presídio Feminino da Colmeia, na Região Administrativa do Gama (DF), não oferecia condições de segurança para alojá-las.

Kátia foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a quase 17 anos de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Terá que cumprir pena em regime fechado.

Já Simone Vasconcelos foi condenada a 12 anos e 7 meses pelos crimes de corrupção ativa, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Por enquanto, cumprirá pena em regime semiaberto porque há recursos pendentes sobre os crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

 

MENSALÃO — Advogados de mensaleiros criam nova e extraordinária figura: o “respeito” ao Supremo que, na verdade, é ofensa

TUDO PARECIA FLORES: advogadões dos mensaleiros gargalham no plenário do Supremo Tribunal Federal, no início do julgamento, em agosto de 2012 (Foto: André Dusek / Agência Estado)

Todos já conhecemos a enorme capacidade dos bons advogados no uso e na manipulação de palavras.

Com a condenação dos envolvidos no escândalo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, vários advogados dos mensaleiros estão conseguindo se superar em matéria de acrobacias verbais.

Criou-se a extraordinária figura do “respeito” ao Supremo, por meio de palavras que, na verdade, ofendem profundamente a Suprema Corte.

Vários advogados, a começar pelo defensor do ex-ministro José Dirceu, José Luís de Oliveira, juram por tudo quanto é santo que “respeitam” o Supremo — para, logo em seguida, dizer que…

*  o tribunal condenou seus patrocinados sem provas

* o tribunal julgou seus patrocinados contra evidências contidas nos autos

* o tribunal atropelou a legislação

* o tribunal não levou em conta sua própria jurisprudência

* o tribunal conduziu, na verdade, um julgamento político

E por aí vai.

“Respeitam” o Supremo.

Imaginem se não respeitassem!

(por Ricardo Setti)

 

A Constituição brasileira diz que todos são iguais perante a lei. O PT acha que alguns são mais iguais que os outros

Publicado no Globo

Deputados petistas entram em van para visitar mensaleiros na Papuda. (Foto: Ailton de Freitas)

ANDRÉ DE SOUZA

Mulheres de presos do Complexo Penitenciário da Papuda reclamaram nesta terça-feira da visita da mulher do ex-presidente do PT José Genoino, que pode encontrá-lo fora do período determinado graças à intervenção de parlamentares. Os dias de visitação na Papuda são quarta e quinta-feira, mas hoje algumas mulheres já estão acampadas para poder pegar as primeiras senhas. Se chegarem apenas amanhã cedo, elas correm o risco de ficar pouco tempo com seus parentes.

Os mensaleiros receberam amigos e parentes ontem e hoje, mesmo não sendo dia de visitas. Na tarde desta terça-feira, entrou no presídio uma van com vários deputados, entre eles Benedita Silva (PT- RJ) e Amauri Teixeira (PT-BA). Eles ficaram cerca de uma hora na Papuda, por volta das 17h40 até as 18h40. Eles não pararam para falar com jornalistas nem na saída nem na entrada. Como o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) tem prerrogativa de entrar no local, ele levou a família de Genoino ontem para visita. Hoje, houve outro encontro da família com o deputado petista. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares também recebeu familiares. A regalia enfureceu parentes de presos que aguardavam na fila pela visita de amanhã.

 

– Errado isso. Ela (mulher de Genoino) tem que pegar fila como todos pegamos. Tem que passar pelas mesmas coisas que a gente passa. Pode ser até mulher do presidente, mas tem que passar pelo que a gente passa – disse Patrícia, que não quis revelar o sobrenome.

Patrícia vai passar a noite em uma barraca montada na entrada da Papuda. Ela será uma das primeiras a pegar senha que será distribuída a partir das 9h de quarta-feira. O horário de visita vai até 15h. Uma parte dos detentos recebe visita na quarta e outra na quinta-feira. Acampadas e sem banheiro, as mulheres levaram para o local alguns galões cheios de água, usados para tomar banho no mato à noite.

– Tem que ter condições iguais, a gente enfrenta sol e chuva. Eles chegaram e já podem visitar, deveriam entrar na fila e pegar senha- disse Mariana Gomes, mulher de um preso no regime fechado.

– A gente se sente injustiçado, revoltado. A moça vem, visita o marido dela dois dias seguidos, enquanto a gente tem que estar aqui várias horas antes para conseguir entrar cedo e visitar nossos maridos – disse outra mulher, que não quis se identificar, acrescentando: – Elas não são melhores do que a gente por ter poder aquisitivo maior.

Segundo Mariana, cada família pode levar aos detentos 500 gramas de biscoito, que não pode ser recheado, seis frutas, dois rolos de papel higiênico, dois sabonetes, um desodorante roll-on, uma barra de sabão de coco e 500 gramas de sabão em pó. Elas passam o tempo conversando e fazendo as unhas. Às 18h é realizado um culto religioso. As mulheres dizem que, a cada seis meses, podem levar roupas novas aos detentos, limitadas a duas blusas, duas bermudas, seis cuecas, dois pares de meia, uma blusa de frio, uma calça, um par de tênis, uma toalha, um lençol e um cobertor.

– Meu marido é mensalinho – disse Beatriz de Souza, que aguarda na Papuda para visitar o marido.

As mulheres não acreditam que a presença de presos famosos vá melhorar a situação dos demais detentos.

– Fez foi piorar tudo. Os outros presos não são tratados do jeito que eles ( mensaleiros) são. A comida deles é boa, a dos nossos tem parafusos e bichos – disse Patrícia.

Segundo o deputado Paulo Fernando dos Santos (PT-AL), conhecido como Paulão, estiveram hoje na Papuda a mulher e os três filhos de Genoino, além do líder do PT na Câmara, José Guimarães (PT-CE), irmão do réu. Da família de Delúbio apareceram a mulher e o irmão. Quando Paulão saiu da Papuda os familiares ainda se encontravam no local. Eles entraram no presídio graças à presença de José Guimarães, que é parlamentar.

Paulão informou também que no período da tarde outros parlamentares irão à Papuda, entre eles o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), filho do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.

Segundo Paulão também foram ver os presos o advogado e ex-deputado Sigmaringa Seixas e um diplomata estrangeiro, mas ele não soube especificar de que país. O deputado relatou que não pôde entrar com celular, mas não soube dizer os procedimentos de revista dos familiares dos condenados.

- No meu caso, e outro colega de gabinete, eu tive que deixar todos os celulares na parte externa do presídio. É proibido entrar com celular.

 

O vídeo avisa: não há diferença entre o bando que uiva em defesa dos petistas presos e uma torcida de time de cadeia

ATUALIZADO ÀS 23:27

No vídeo gravado na noite de sexta-feira, o que o companheiro Rui Falcão chama de “a militância do PT” mostra a sua cara. Perto da entrada da sede da Polícia Federal em São Paulo, menos de 20 devotos da seita estão enfurecidos com a punição aplicada a José Dirceu e José Genoino. Além do resgate dos ídolos sessentões, querem a condenação à danação eterna dos  juizes que ousaram castigá-los. Tampouco admitem que a chegada dos pecadores do mensalão ao presídio seja noticiada ao vivo por profissionais da imprensa.

Os quadrilheiros que tramaram o assassinato do estado de direito imaginam que os brasileiros não passam de um bando de idiotas. Zombaram da Justiça e debocharam da imensidão de gente que presta. Mas não aceitam o tratamento dispensado a bandidos comuns. Filmá-los na traseira do um camburão é humilhação insuportável. para meliantes da primeira classe. Isso não se faz com “guerreiros do povo brasileiro”. que no momento tentam aprender a escalar beliches. São heróis perseguidos, deliram em coro os assombros da fauna destes trêfegos trópicos que vêm e vão diante da câmera.

Uns estão à  beira de um ataque de nervos, outros já se metamorfosearam num copo até aqui de cólera. Num brilho homicida no canto do olhar, é possível enxergar-se em toda a sua repulsiva inteireza a intolerância dos autoritários sem cura. É a face horrível. Num bemol perdido num uivo selvagem é possível ouvir nitidamente  os sons do primitivismo. É o ronco ancestral do brucutu das cavernas. A tribo da estrela foi dizimada pela necrose moral, e a agonia é irreversível. Os militantes do PT, quem diria, agora parecem torcedores de time de cadeia. Parecem e são.

 

‘Ordem dos fatores’, por Dora Kramer

Publicado no Estadão desta terça-feira

DORA KRAMER

Rememorando o que foram antes e a condição em que estão hoje José Dirceu e José Genoino ─ para falar dos que nos anos áureos desfilavam com mais visibilidade e discorriam em tom imperativo sobre o “projeto” ─ compreende-se a razão pela qual procuram vestir o figurino de presos políticos.

 

Na perspectiva deles tudo o que fizeram nunca teve outro objetivo senão a política. Partindo desse princípio desenharam, cada qual à sua maneira, a cena do momento fatal: braços erguidos, punhos cerrados, a capa bordada com referência a poema de Mário Quintana, protestos por escrito contra o “casuísmo”, saudações de correligionários, vivas ao PT, clamores contra a injustiça.

Mas a realidade conta outra história: são políticos presos. Aqui a ordem dos fatores altera o resultado.

O que são presos políticos? Por definição, pessoas privadas da liberdade por atos de retaliação do poder em decorrência de opiniões ou ações que contrariem a vontade e/ou a lei imposta pelas autoridades ilegítima e ilegalmente constituídas no país.

Nenhuma semelhança, portanto, com o Brasil de hoje.

As leis decorrem de um Congresso eleito, a Presidência da República tem seu poder emanado do voto popular e o Supremo Tribunal é composto por nomeações do chefe da nação aprovadas pelo Legislativo. Tudo nos conformes da legalidade e da legitimidade.

Diferente de “ontem”, da ditadura contra a qual Dirceu, Genoino e tantos outros se insurgiram pagando caro com a supressão da liberdade, a violação da integridade física e, em muitos casos, com a vida.

Na época, sim, foram presos políticos, vítimas do arbítrio de um regime ao qual se opunham.

Agora não, integram a situação. O tribunal que os condenou é instituição de um país democrático, cujo governo, ao contrário de lhes ser hostil, é chamado por eles de “nosso” em contraposição aos “outros”, vistos como infratores por serem adversários.

Governo em nome do qual cometeram os atos sobre os quais até poderiam não ter noção da gravidade, admita-se, mas pelos quais foram condenados por se acharem acima da lei e atuarem como donos das instituições, senhores de todas as vontades.

Ao aceitarmos a denominação de presos políticos para os petistas, devemos aceitar também para os políticos não petistas: Roberto Jefferson, Bispo Rodrigues, Valdemar Costa Neto, Pedro Henry, Pedro Corrêa e companhia. Por que não?

Porque seria mera fantasia.

Em 2025
Enquanto não tiver início a execução da pena de Henrique Pizzolato, corre o prazo de prescrição dos crimes aos quais foi condenado: lavagem de dinheiro (três anos e oito meses), peculato (cinco anos 10 meses) e corrupção passiva (três anos e nove meses), num total de 12 anos e sete meses.

Os prazos são contados separadamente e no dobro de cada sentença. Considerando a pena mais alta de quase seis anos, daqui a no máximo 12 anos, se não for preso nesse meio tempo, Pizzolato pode sair da Itália ─ até voltar ao Brasil ─ porque seus crimes estarão prescritos.

Calendário
Fala-se muito em demora no exame do mensalão mineiro no Supremo, mas há uma razão para isso. O uso do esquema de Marcos Valério na campanha pela reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas, em 1998, foi descoberto durante as investigações das denúncias de Roberto Jefferson em 2005.

Só então Azeredo virou investigado. A acusação de peculato e lavagem de dinheiro foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal em 2009, dois anos depois de recebida pelo tribunal a denúncia do Ministério Público relativa à compra de apoio político ao governo Lula. Apenas neste ano foi designado o relator, ministro Luís Roberto Barroso.

 

Sepulturas sem sossego

Publicado na edição impressa de VEJA

Em São Borja, uma brigada internacional de especialistas, semelhante à que agiu em Caracas, vigiou o rito que começa a substituir o embalsamamento de divindades civis como Lenin, exposto à visitação pública em Moscou desde 1924

AUGUSTO NUNES

Três anos e quatro meses depois de aberta por Hugo Chávez com a exumação de Simón Bolívar, a temporada de caça ao veneno chegou à etapa brasileira no interior gaúcho. Em sossego desde dezembro de 1976 no cemitério de São Borja, cidade onde nasceu e até agora jazia em paz, o presidente João Goulart foi transformado na bola da vez pelos praticantes da política dos mortos. Eles vivem à procura de pretextos para algum acerto de contas com o passado que permita reescrever a história com a mão esquerda. Os organizadores do resgate da última quarta-feira, por exemplo, sonham provar que Jango sucumbiu não ao infarto mais que previsível, mas a uma florentina troca de remédios tramada por envenenadores a serviço das ditaduras que infestavam o subcontinente. Aconselhados pelo que lhes resta de juízo, os celebrantes do rito fúnebre no Rio Grande do Sul substituíram por um velório pelo avesso a carnavalesca recepção armada por Hugo  Chávez, em julho de 2010, para homenagear El Libertador à saída do seu mausoléu.

 

Em julho de 2010, a reencarnação de Bolívar resolveu desenterrar o original para descobrir que o herói da independência morreu envenenado com arsênico pelos pérfidos colonialistas. Transmitido  ao vivo pela TV e narrado pelo ministro do Interior, o espetáculo da morbidez chegou ao clímax quando Chávez confiscou o microfone para advertir os espectadores: ”Tirem as crianças da sala, que a cena que vamos exibir será forte”. Dado o alerta, a câmera exibiu em close a ossada gloriosa. Na madrugada, ainda grávido de emoção, o chefe da revolução bolivariana decidiu ressuscitar o exumado pelo Twitter: “Levanta-te, Simón, porque não é hora de morrer!”, ordenou. Bolívar só foi devolvido ao mausoléu depois de sete dias sem sair da horizontal — e sem saber do resultado dos exames: para decepção dos  profanadores de túmulos com bons índices de popularidade, ele morreu de tuberculose.

Nesta quarta-feira, a exumação de Goulart foi feita sem câmeras de TV nem jornalistas por perto. Para frustração dos turistas que lotaram a mirrada rede hoteleira de São Borja, só tiveram acesso ao cemitério — além da brigada internacional de especialistas formada por brasileiros, uruguaios, argentinos e cubanos — alguns parentes, uns poucos amigos de fé e três celebridades federais: o governador Tarso Genro, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a inevitável Maria do Rosário. Secretária dos Direitos  Humanos (com status de ministra), a combatente do PT gaúcho encarregou-se da retórica hiperbólica. ”Exumar Jango é exumar a ditadura”, informou. Como se vinte anos coubessem num único personagem ou num caixão. Como se merecesse ser levada a sério uma frase que pode acabar inocentando o regime militar de todos os homicídios que lhe são atribuídos. Basta ficar comprovado que Jango foi abatido pelo coração arruinado por falta de cuidados e excessos de sobra.

Essa hipótese é mais que provável, previnem os dois casos registrados em território chileno entre a exumação de Bolívar e a de Jango. Em maio de 2011, Salvador Allende foi retirado do túmulo para eliminar a suspeita que afligia os derrotados pelo golpe militar chefiado 38 anos antes por Augusto Pinochet: o presidente cometera suicídio ou fora executado depois da invasão do palácio em que estava entrincheirado? Foi suicídio, reiteraram os exames. Em abril de 2013, chegou a vez do poeta Pablo Neruda. Neste 8 de novembro, uma junta de onze médicos chilenos e estrangeiros concluiu que Neruda morreu há quarenta anos em decorrência do câncer na próstata que precipitara a internação num hospital. Mas não vai descansar por muito tempo. Inconformado com o resultado adverso, o juiz Mário Carroza promete exigir uma segunda bateria de testes. O desvendamento de um assassinato político justifica qualquer gastança, ensinou Maria do Rosário aos jornalistas interessados nas despesas exigidas pela exumação de João Goulart, incluídos exames e traslados. “Custa menos do que uma ditadura”, resumiu.

E exumar é bem mais barato que embalsamar, poderia ter acrescentado a ministra. Embalsamar é verbo que não combina com os  humores pendulares do subcontinente, como atestam a saga de Evita Perón e o fiasco produzido por Nicolás Maduro quando tentou transformar Hugo Chávez na versão cucaracha de Lenin (veja o quadro ao lado). Bem menos complicada é a exumação. Não tem contraindicações, nem provoca efeitos colaterais. Se der em nada, o exumado volta à tumba sem perdas nem danos. Se funcionar, qualquer despesa parece irrisória. Para quem confunde urna funerária com urna eleitoral, morte morrida é de pouca serventia. Muito mais proveitosa é morte matada. Essa não tem preço.

A simulação da eternidade

A saga de Evita: Sob os cuidados do anatomista Pedro Ara, o corpo de Evita ficou intacto por três anos, antes de ser sequestrado por militares, em 1955, e ficar sumido até 1971

BRANCA NUNES

Quando se decide embalsamar um corpo, a pressa é amiga da perfeição. Em Eva Perón o processo começou antes mesmo da morte,  quando o anatomista espanhol Pedro Ara foi convocado pelo presidente argentino Juan Perón para atender ao último desejo da mulher agonizante. “Não deixem que me esqueçam”, pedira Evita ao marido. Nicolás Maduro ignorou esse detalhe ao tentar transformar Hugo Chávez na Eva Perón dos venezuelanos. Depois de um cortejo fúnebre de sete horas e um velório que durou dez dias, a integridade dos órgãos e do sistema vascular estava comprometida.

Como numa diálise, técnica aplicada a quem sofre de insuficiência renal, no embalsamamento o sangue é gradativamente trocado — mas não por um sangue mais puro, e sim por uma substância à base de formol e outros aldeídos. “O efeito bactericida do formol ajuda a criar um ambiente estéril”, explica o professor Luiz Fernando Ferraz da Silva, do departamento de patologia da Faculdade de Medicina da USP. “O objetivo é cessar a degradação e a desidratação das células.”

O ideal é que o embalsamamento comece em até 24 horas após a morte. O corpo de Evita chegou às mãos de Ara em 35 minutos. “Ela  ainda estava morna e flexível, mas os pés já se tornavam azulados e o nariz se abatia como um animal exausto”, descreve Tomás Eloy Martínez no livro Santa Evita. Lavado o corpo, uma veia ou artéria é dissecada. Em seguida, coloca-se uma cânula por onde será introduzida a substância. Para evitar a falta de formol em alguma área, o que desencadearia o processo de gangrena, o líquido é injetado em outras partes do organismo.

Só depois de assegurado esse ambiente estéril, à prova de bactérias, passa-se à reconstrução externa. As partes que continuarão visíveis são envoltas em vaselina. Uma maquiagem especial reproduz o tom de pele original e simula a coloração que só seria preservada caso o sangue seguisse circulando. Embora fi que aparentemente perfeito (“A própria mãe de Evita desmaiara numa das visitas ao corpo da filha ao ter a impressão de ouvi-la respirar”, escreve Martínez), o tecido de um corpo embalsamado é mais frágil, mais duro e mais ressecado do que o normal.

Para impedir a desidratação ou a corrosão provocada por bactérias, o corpo, instalado numa caixa de chumbo ou acrílico minuciosamente vedada, precisa ser mantido num local com temperatura e umidade controladas. Sequestrado em 1955 por militares, o corpo de Evita media 1,65 metro. Depois de quase duas décadas zanzando longe do país natal, a desidratação foi inevitável. Quando retornou à Argentina, cabia numa caixa de bonecas.

Tags: embalsamamentoEvitaexumaçãoHugo ChávezJangoJoão Goulart,

(por Augusto Nunes)

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Fonte: Blog Augusto Nunes (veja.com.br)

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