O medo dos adversários de Temer é que a intervenção revele o bom governo que ele faz

Publicado em 22/02/2018 02:55 e atualizado em 23/02/2018 03:00
por REINALDO AZEVEDO

Michel Temer fez o certo e interveio na área de segurança pública do Rio. Os mercadores morais de cadáveres, balas perdidas e execuções sumárias logo conjuraram suas forças, gritando a uma só voz: "Ele está pensando na reeleição!" É mesmo? O presidente está no gozo pleno de seus direitos políticos, e a Constituição lhe faculta o direito de concorrer. 

Se toda a ação do Planalto for vista por esse prisma, então é preciso paralisar a máquina do governo. Mais: o eventual efeito eleitoral de uma intervenção —que também pode ser negativo não altera as causas que a motivaram. O verdadeiro temor dos detratores ainda não veio à luz. E pretendo revelá-lo aqui, depois de algumas considerações.

O coro dos contrários juntou Jair Bolsonaro, Lula, os críticos profissionais do governo e, para a minha surpresa, uma verdadeira multidão de especialistas em intervenção federal. Nem sabia que eles existiam. Dado o ineditismo da coisa, qual é a fonte de informação dos palpiteiros? Essa gente cotejou as suas respectivas teses com que realidade fática? Não há nada. Só mesmo o ímpeto de maldizer e a picaretagem retórica.

Até a semana passada, dizia-se que a reforma da Previdência era a cartada do presidente para tentar se viabilizar eleitoralmente. Nunca entendi por qual caminho, dada a óbvia e injustificada impopularidade da proposta. 

Agora vociferam: Temer trocou a Previdência pela intervenção. Para uma mentira ao menos verossímil, forçoso seria que a reforma fosse questão de vontade. Era? Para inviabilizá-la, até Cármen Lúcia, presidente do STF, vestiu meias e chuteiras e entrou em campo, impedindo a nomeação de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho. Em nome da suposta probidade, a doutora deu uma bica na Constituição, inciso I, artigo 84, e a mandou pro mato.

O verdadeiro temor dos adversários de Temer atende pelo nome de "efeito espoleta". Dilma conheceu o dito-cujo pelo avesso. Em 31 de março de 2013, seu governo era considerado ótimo ou bom por 65% dos brasileiros (Datafolha). A economia havia crescido só 2,7% em 2011 (contra 7,5% no ano anterior), com inflação de 6,5%. Em 2012, esses índices foram de 0,9% e 5,84%, respectivamente; em 2013, de 2,3% e 5,91% --mas já com dois trimestres seguidos de PIB negativo.

O mal-estar era sentido, mas não percebido. Aí a extrema-esquerda, encarnada pelo Movimento Passe Livre, resolveu botar fogo no circo. Na primeira semana de junho, 57% ainda consideravam a gestão Dilma ótima ou boa. Na última, depois de alguns dias de protestos, o índice haveria despencado 27 pontos. O MPL perdeu o controle das ruas, que passaram a ser ocupadas por adversários do petismo. 

Dilma foi reeleita, batendo na trave. O resto é história. Não caiu por causa da Lava Jato. Foi derrubada pela recessão, pelo desemprego, pela inflação, pelos juros, pelo déficit. O crime de responsabilidade foi só a condição necessária, mas nunca suficiente, para o impeachment.

Temer está no poder há 21 meses. Não tenho memória de uma gestão tão eficaz em período tão curto. A inflação saiu da casa dos 10% para menos de 3%, mas 69%, segundo o Ibope, reprovam a atuação do governo na área. A Selic desceu a ladeira: de 14,25% para 6,75%, mas estupendos 82% repudiam a política no setor. Saímos de uma recessão de 3,6% para um crescimento de ao menos 3,5% neste ano, mas 70% consideram o governo ruim ou péssimo. Os que anteviram as múltiplas ruínas no governo vão ter de renovar seu estoque de cacoetes do pessimismo profissional ou despudorado —porque a serviço de causas...

Dilma sustentava sua popularidade num paiol de pólvora. O esquerdista Passe Livre foi a espoleta que mandou pelos ares o governo de esquerda. Sempre serei grato à turma.
Temer tirou o país do buraco, mas uma espécie de "doxa de opinião" --os motivos são conhecidos-- impede que se veja a vida como ela é.

Dilma teve uma queda de popularidade de 27 pontos em três semanas. Reviravoltas acontecem em política, em especial quando aprovação ou reprovação, por motivos os mais diversos, são artificiais. O fato é que os adversários do presidente temem que a intervenção no Rio possa ser o mecanismo a despertar parte considerável dos brasileiros para a nudez crua da verdade —que, no caso, é favorável a Temer.
Isso explica a gritaria.

Com 60% de rejeição, Temer acredita que pode se reeleger (RAQUEL LANDIN)

Tudo indica que o presidente Michel Temer ouviu o canto da sereia. A música embalada pelas vozes doces do Planalto é realmente tentadora. Se os partidos de centro procuram um candidato “reformista”, que defenda as realizações do atual governo, porque não poderia ser o próprio Temer?

Afinal, não foi ele que debelou a inflação e colocou a economia em rota de crescimento? Depois de umas das recessões mais profundas da história, as previsões apontam para um crescimento do PIB de 3% este ano.

Além das benesses de se manter no poder, um novo mandato evitaria também que ele finalmente fosse investigado pelas revelações feitas por Joesley Batista em sua delação. Sem a proteção do foro privilegiado, sua situação pode ficar bem complicada.

Para tentar viabilizar a candidatura, Temer agiu como o animal político que é: abandonou uma agenda impopular –a reforma da Previdênciapara abraçar uma causa popular –a segurança pública.

Ao fazer uma intervenção no Rio de Janeiro, o presidente tenta descolar sua imagem dos políticos e atrelá-la aos militares. Seus marqueteiros fizeram o cálculo certo: 40% dos brasileiros confiam muito nas Forças Armadas, enquanto apenas 3% dizem acreditar no Congresso.

O problema é que a vaidade nunca é boa conselheira. A despeito do desempenho da economia, Temer paga um preço por sua falta de carisma e pela associação direta de sua imagem com a corrupção —vide o presidente “vampirão” do Carnaval.

De acordo com pesquisa Datafolha, apenas 6% da população considera o seu governo ótimo ou bom. Por outro lado, o percentual de ruim ou péssimo chega a 70%, e 60% dos brasileiros dizem que não votariam nele de jeito nenhum.

“Candidatos com mais de 30% de rejeição dificilmente se elegem. Podem até passar para o segundo turno, mas não ganham a eleição”, disse a esta colunista Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha.

Ele ressalta que é provável que a intervenção no Rio e a retomada da economia ajudem a melhorar a avaliação do governo Temer, mas dificilmente o presidente vai voltar aos 14% de ótimo e bom registrados logo após o impeachment, porcentual que já era muito baixo.

Quando assumiu a presidência no lugar de Dilma Rousseff, Temer queria ser um líder reformista, que faria as reformas impopulares que o país precisa. Mas diante da imensidão do desafio, o político tomou o lugar do estadista e ele parece ter desistido de entrar para a história.

Imprensa profissional espalhou “fake news de verdade” sobre fala de Jungmann; a falsa notícia também pode estar nos fatos

Os jornalistas precisam ficar atentos às várias formas que podem tomar as “fake news”. A mais perigosa delas é a notícia falsa composta só de verdades. Como isso é possível? Vamos ver. Basta que uma informação seja mal e porcamente contextualizada, e se corre o risco de inverter uma situação, transformando, por exemplo, uma ação positiva do Poder Público numa notícia depreciativa, negativa e, como é caso de que vou tratar, alarmista.

Praticamente todos os sites noticiosos, TVs e rádios fizeram alarde de uma fala do ministro da Defesa, Raul Jungmann, segundo quem “é plausível” que criminosos deixem o Rio, migrando para outros Estados. O que é de uma obviedade estupefaciente ganhou títulos garrafais, como a dizer nas entrelinhas: “Vão tentar diminuir a violência do Rio espalhando a desordem para outras unidades da federação”.

Vamos lá. De saída o ensejo da fala foi dado pelo próprio governo, que reuniu os secretários de Segurança Pública dos três Estados que fazem fronteira com o Rio — São Paulo, Minas e Espírito Santo — justamente para definir uma atuação especial de suas respectivas forças de segurança em face da nova realidade.

Muito bem! Indagado sobre a possibilidade de haver uma migração da criminalidade do Rio, sob intervenção, para Estados vizinhos, Jungmann disse o óbvio: trata-se de algo “plausível”. O sentido primeiro da palavra, que guarda nexo com a etimologia, já se perdeu: “plausível”, originalmente, quer dizer “digno de aplauso”, que merece ser saudado.

O tempo se encarregou de fazer com que a palavra desse um salto. Dado que o que é “digno de aplauso” passa a ser também “aceitável”, o sentido passou por um deslocamento, e o plausível se tornou o “razoável”, que é o adjetivo do verbo “razoar”, isto é, quando se faz uso da razão para estabelecer relações entre coisas e fatos, para entender, deduzir ou julgar algo. O sinônimo mais próximo é “raciocinar”.

Qualquer um que raciocine um tanto ficará atento à possibilidade de que criminosos, percebendo estreitado seu espaço de atuação, migrem para outro. Trata-se, em suma, de algo “plausível”. E era essa plausibilidade que estava na raiz, na causa, no motivo da reunião dos três secretários de Segurança com o ministro da Justiça.

Pergunto a vocês e a meus colegas jornalistas: o ministro da Defesa poderia ter dado uma resposta distinta daquela que deu? Seria aceitável que dissesse: “Ora, de modo nenhum! Isso jamais acontecerá! Não contamos com essa possibilidade!” Ora, só o faria se fosse maluco. Até porque seria preciso combinar antes com os marginais, certo? Assim, ele deu a única resposta possível, a única resposta razoável, a única resposta adequada à razão, a única resposta prudente: trata-se de algo “plausível” e, por isso mesmo, o governo reuniu os secretários de segurança; para que se tomem as medidas preventivas.

Cada vez mais tem faltado edição ao jornalismo. Cada vez mais, a praga da ligeirice militante das redes sociais contamina as redações e a imprensa profissional. Só há um sentido decente para o evento desta quinta, com variação apenas nas palavras: “Governo reúne secretários de três Estados para tentar evitar migração do crime”. PORQUE ESSA FOI A NOTÍCIA!

Aí alguém dirá: “Ah, o ministro que seja mais cuidadoso ao dar uma resposta…” Bem, é preciso, então, que nós, os jornalistas, decidamos se estamos interessados na notícia como FATO ou se estamos interessados em tornar fato o que julgamos ser um deslize — que, no caso, nem deslize é.

Incômodo
Se querem saber, isso é o que mais me incomoda nesta profissão, que é também a minha. Há uma espécie de paixão pelo viés negativo da realidade sob o pretexto de se fazer jornalismo crítico ou mesmo imparcial. As duas qualidades são absolutamente desejáveis na profissão, desde que elas não se tornem maneirismos, cacoetes, desvios de finalidade, um vício. E todos estão sujeitos a distorções nessa natureza.

Em post na madrugada desta quinta, chamei a atenção para uma óbvia distorção de uma fala de Lula em Belo Horizonte. Sim, ele falou o que considero bobagem às pencas, mas, quando afirma que não pode “respeitar a decisão da Justiça” que o condenou, está, evidentemente, deixando claro que não tem apreço pela sentença, que não a considera justa, correta, apreciável, digna de louvor, de méritos, de merecimento. Ora, alguém esperava que dissesse o contrário?

Ocorre que o verbo “respeitar”, especialmente quando a Justiça está em debate, também tem outro sentido: subordinar-se a, obedecer, cumprir o estabelecido. E, por óbvio, não foi essa a fala do petista. Até porque, em passado recente, o mesmo Lula disse não “respeitar” a decisão que o condenou e, no dia seguinte, entregou seu passaporte à Polícia Federal porque essa havia sido a decisão — bem pouco respeitável, diga-se — de um juiz.

Deixo aqui um convite à reflexão dos leitores e dos meus colegas. A cada vez que se vai escrever um texto ou falar no rádio ou na TV, em veículos da imprensa comprometida com os fatos, é preciso que o jornalista diga a si mesmo: “Não estou no terreno do vale-tudo das redes sociais, onde a potência de uma mensagem se mede pelo número de ‘likes’ ou curtidas, de sorte que, se eu der destaque o deslize, real ou forjado, atingirei um maior número de pessoas”.

Volto a Jungmann: ele, com efeito, afirmou o que disseram que afirmou. Da forma como se noticiou a coisa, estamos diante de uma “fake news” — a mais perigosa e nefasta delas: afinal, não se pode dizer que seja uma mentira factual, mas se trata, indubitavelmente, de uma mentira conceitual e moral. 

Uma economia aberta não combina com autoritarismo e descaso social (PEDRO LUIZ PASSOS)

A longa crise econômica que só agora estamos superando destruiu riquezas, empregos e parte de nossa autoestima, mas deixou certo consenso sobre as raízes dos grandes problemas nacionais.

Hoje parece certo que, independentemente da coloração ideológica dos próximos governos e dos discursos de conveniência de alguns candidatos, a prioridade é reconstruir o Estado brasileiro.

Esse Estado reformado terá que assumir feições enxutas, pautado pela eficiência, e se dedicar mais à definição de políticas estratégicas e menos a atividades que podem, perfeitamente, estar sob a responsabilidade de empresas privadas e organizações da sociedade.

Sua atuação deverá zelar pela regulamentação adequada e pelo aprimoramento das instituições para assegurar a livre concorrência e a igualdade de oportunidades para todos. O grande desafio, para tanto, requer a modernização do Estado e a abertura célere da economia.

Essa é a grande transformação que se faz necessária. Ela trará benefícios ansiados pela sociedade. Mas exigirá uma profunda revisão da relação entre os entes públicos e os interesses difusos da sociedade, a iniciativa privada e os grupos de pressão, especialmente das corporações de funcionários, que desfrutam de largo poder no interior do Estado.

Num país marcado pelo atraso em larga escala e pelo protecionismo de setores empresariais, essa agenda permitirá o avanço do desenvolvimento econômico, a redução da desigualdade e o progresso social. O leitor identificará aí alguns dos pilares do liberalismo econômico.

Nada estranho em tal conclusão, uma vez que o modelo intervencionista e dirigista do período recente mostrou sua incapacidade em promover políticas públicas eficazes em campos que atendam o interesse geral da sociedade, e não apenas de poucos grupos particulares.

Temos observado, no entanto, um bloqueio dessa formulação moderna e progressista no debate político. Os avanços da agenda econômica liberal têm sido associados, de modo politiqueiro, ao desinteresse pelas demandas sociais e à regressão ao conservadorismo dos costumes.

Tal confusão, sem nenhum lastro na realidade, é propagada muitas vezes de forma deliberada e oportunista pelos que apelam a discursos populistas, de um extremo a outro do arco ideológico, para iludir o cidadão.

Uma sociedade com relações sociais livres de preconceitos e discriminações é um dos valores mais caros à verdadeira filosofia liberal, correspondendo a traços fundamentais de nossa cultura, que tem na miscigenação e na diversidade sua força mais bela.

Atitudes autoritárias, que mal disfarçam o ranço do preconceito de todos os matizes, não ensejam o desenvolvimento que almejamos, ao contrário do que prega quem insiste em apresentar soluções fáceis e monolíticas para problemas complexos e multifacetados.

A visão reacionária ameaça importantes avanços já conquistados, como a consciência ecológica formada com imenso esforço. Além de premissa para a qualidade de vida, o respeito ao ambiente é fator intrínseco à inovação e ao crescimento econômico, como demonstram o desenvolvimento de novas formas de energia e do carro elétrico.

Não há contradição entre a dinâmica de uma economia aberta, moderna, progressista e inclusiva e uma sociedade pautada pela tolerância, liberdade de expressão, respeito à diversidade e evolução dos costumes. As duas visões são intercomunicantes e se tonificam mutuamente. Colocá-las em campos opostos é uma confusão que não pode prosperar.

 

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Fonte: Blog Reinaldo Azevedo/FOLHA

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