Em 18 de agosto, durante o debate entre os candidatos à Presidência promovido pela Folha e pelo UOL, Dilma Rousseff irritou-se com as críticas de José Serra ao bisonho desempenho do Ministério da Educação na condução do Exame Nacional do Ensino Médio. E resumiu a indignação numa frase:
“Acho um absurdo um candidato à Presidência vir aqui dizer que o Enem está desmoralizado”.
Em 15 de outubro, Dia do Professor, Dilma voltou ao tema em Belo Horizonte. A irritação com Serra não amainara, informam três trechos do falatório:
“Serra não gosta do Enem porque é o caminho acertado por todas as universidades federais e é pré-condição para o ProUni. Houve um crime contra o Enem. Ele quer acabar com o Enem para que a gente não tenha o ProUni”.
“O partido do vice do candidato do PSDB chegou a entrar na justiça contra o Enem, o que poderia comprometer 700 mil estudantes no Brasil. Dizer que o Enem tem uso eleitoreiro é desconsiderar o papel que ele teve nestes anos todos”.
“Estão absolutamente incorretas as afirmações do candidato Serra contra o Enem, que tem sido o caminho pelo qual nós selecionamos as pessoas que vão fazer o ProUni”.
Em 17 de outubro, no debate na RedeTV!, a candidata do PT elogiou o ministro Fernando Haddad e fustigou novamente o inimigo:
“Quando se fala em vazamento é necessário que se perceba que o crime está sendo investigado. O Enem tem sido essencial como uma forma de controle da qualidade do ensino e é pré-condição para o ProUni. Atacar o Enem é uma forma indireta de atacar o ProUni”.
Em 3 de novembro, Dilma Rousseff revelou as duas prioridades do futuro governo: saúde e segurança pública. E a educação? “Está muito bem encaminhada”, resumiu a presidente eleita. Além de transformar o Enem num caso exemplar de sucesso, o ministro botara ordem na casa inteira. “Eu acho que o Haddad deve continuar”, decidiu Lula na mesma quarta-feira. E o administrador admirável foi dormir com o emprego garantido.
Começou a perdê-lo no dia seguinte, com a divulgação do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. No ranking da educação, o Brasil ocupa um modestíssimo 102° lugar. Ao longo da quinta-feira, Haddad tentou atribuir a performance lastimável à mudança dos critérios usados pelos organizadores do levantamento. E decerto acreditou que recuperaria os pontos perdidos no fim de semana, com as duas etapas do Enem.
Deu tudo errado. Troca de cabeçalho, erros de digitação, informações equivocadas, vazamentos, questões com números duplicados ─ houve um pouco de tudo na comédia de péssimo gosto que reduziu o Enem a outro caso de polícia. Mais de 3 milhões de inscritos ainda não sabem se as provas serão anuladas ou não. O que se sabe é que nem Lula conseguirá manter o ministro no cargo em 2011.
Dilma Rousseff não deu um pio sobre o assombroso espetáculo da incompetência. Ainda bem que a campanha eleitoral acabou em outubro. Se não tivesse terminado, estaria proibida de acusar José Serra de querer destruir o Enem. Fernando Haddad já conseguiu.
Amigos, que patuscada, essa história do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), não?
Sobrou até para o Laurentino Gomes, ex-editor executivo de VEJA, excelente jornalista e escritor, autor dos best-sellers 1808 e 1822.
Os organizadores do Enem erraram por dois anos a celebrada abertura dos portos brasileiros “às nações amigas”, ordenada pelo rei D. João VI, logo no início do estabelecimento da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, fugindo da invasão napoleônica à Península Ibérica. Em vez de 1808, a suposta resposta correta à pergunta foi 1810.
por Ricardo Setti
Há cinco anos e meio no cargo, bem avaliado até por gente da oposição, para o ministro da Educação, Fernando Haddad, não podia vir em pior momento o vexame do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Ele é um dos ministros do presidente Lula mais cotados para permanecer no cargo no governo da presidente eleita, Dilma Rousseff.
Independentemente de Lula indicar ou não seu nome — o presidente prometeu não fazer isso, mas na prática não resiste e comenta desejos e preferências com amigos comuns –, Haddad tinha, e provavelmente ainda tem, a simpatia de Dilma.
por Ricardo Setti