De novo o jornalismo vem com Dirceu como bicho-papão e Palocci como o anjo do ajuste fiscal?
Definitivamente, a política brasileira vive o Dia da Marmota. Em pleno 2011, assistimos às mesmas fantasias e às mesmas construções de 2003. Tudo rigorosamente igual! Há oito anos, convidaram-nos a ser gratos a Lula porque ele não deu calote na dívida interna, porque manteve a Lei de Responsabilidade Fiscal (contra a qual o PT havia recorrido ao Supremo) e porque elevou o superávit primário. Em 2011, pedem-nos que nos ajoelhemos aos pés da Soberana Dilma Primeira, a Muda, porque ela decidiu cortar R$ 50 bilhões do Orçamento (não vai, mas vamos fazer de conta) e porque ela bate o pé por um salário mínimo de R$ 545. Em 2003, aqueles eram os índices de responsabilidade de Lula; em 2011, esses são os índices de responsabilidade de Dilma.
Tudo igual. Até o herói e o vilão servidos de bandeja em 2011 são os mesmos de 2003. O herói se chama Antonio Palocci, exímio pauteiro da imprensa, plantador emérito de notícia, amigo dos jornalistas, boa-praça, bonachão, cujo cicio é tomado como uma espécie de doce infantilidade, que cativa a atenção dos jornalistas. Já Dirceu, com sua proverbial arrogância, coma sua mania de sugerir que pode mais do que pode, com o mito que alimenta sobre si mesmo de que está sempre no controle, é um vilão fácil. Ele até posa (Emir Sader escreveria “pousa”) de óculos escuros, um ar, assim, meio à italiana… Palocci, em suma, fica bem de mocinho, e Dirceu, de bandido. A questão nada irrelevante é que eles estão de um lado só.
Com todo respeito, digo que já li uma reportagem que Catia Seabra publica hoje na Folha. Eu a li em 2003. Reproduzo um trecho. Volto em seguida:
“Crítica a ajuste fiscal faz Mantega cobrar explicação de Dirceu
O corte de R$ 50 bilhões no Orçamento explicitou as disputas internas do PT e dentro do governo de Dilma Rousseff. O anúncio fomentou uma fissura em plena comemoração dos 31 anos do PT. Incomodado com o bombardeio do próprio partido, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a questionar o ex-ministro José Dirceu sobre a veracidade de críticas atribuídas a ele. Na conversa, ocorrida durante a festa de aniversário, em Brasília, na quinta-feira, Dirceu negou que tenha reclamado do rigor do corte.
Segundo relato de Mantega a interlocutores, Dirceu disse que considerava adequados os critérios de redução de gastos promovidos pelo governo Dilma. Horas antes, na reunião do Diretório Nacional do PT, o ex-ministro incentivou, porém, o partido a acompanhar com cuidado os cortes. Segundo participantes, ele alertou para ameaça a programas sociais e obras. O risco seria o de sucumbir à tentação neoliberal. Ainda de acordo com petistas, Dirceu reiterou avaliação feita na véspera de que o aumento da taxa de juros não pode ser encarado como único remédio para combater a subida da inflação.
Anteontem, Dirceu disse que viajará pelo país para se dedicar à discussão de temas econômicos e políticos com os filiados do PT. Segundo petistas, não é Mantega quem está na mira de Dirceu. Mas o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci.
Palocci, apontado como o patrocinador do ajuste fiscal, representa uma ameaça a Dirceu dentro do partido. Sua sobrevivência como expoente político depende do enfraquecimento do chefe da Casa Civil. Ao atacar Palocci, Dirceu repete a queda de braço protagonizada pelos dois no início do governo Lula. Com uma grave diferença: fora do governo, Dirceu divide sua energia com a defesa no julgamento do mensalão. Segundo aliados, Palocci se reconhece como real destinatário das críticas, mas não pretende reagir.
Na semana passada, a política econômica do governo foi alvo de reclamações do ex-presidente do PT e ex-ministro Ricardo Berzoini. Após ocupar dois ministérios no governo Lula, Berzoini briga agora pela presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Aqui.
Voltei
Chega dessa história! Os dois têm suas diferenças, mas eu não darei ao ministro da Casa Civil a facilidade que ele obteve em 2003 - aliás, eu não entrei nessa nem naquela época, é bom deixar claro. Como o “terrível Dirceu” estava “do outro lado do mesmo lado”, então Palocci aparecia como o elemento que garantia a seriedade fiscal do governo, contra as aventuras neodesenvolvimentistas - ou sei lá como queiram chamar.
“Ah, Reinaldo, mas você prefere Palocci ou Dirceu?” Eu prefiro compreendê-los dentro da lenda que cada um construiu para si mesmo no PT. Um deles é o enviado especial àquilo que os petistas chamam “conservadores”, “direita”, “neoliberais”; o outro se apresenta como guardião das tábuas da lei do projeto de poder. Curiosamente, ou nem tanto, o “da direita” é que goza da irrestrita confiança de Lula. Vai ver não é tão “direitista” assim e, à sua maneira, é até mais útil ao projeto do que Dirceu, com a sua mania de achar que pensa grande.
Sim, sim, eles têm divergências, mas que se transformam em convergências sempre que necessário. Espero que Palocci pare com isso e interrompa essa prática de “comentar” isso ou aquilo com “interlocutores” porque todos os leitores já sabem que os “interlocutores” são os próprios jornalistas. Isso não é “comentar”, mas “plantar”.
Palocci tem de atualizar o repertório, e o jornalismo também - além de dar uma aggiornada no vocabulário para se referir a essas fontes secretas, que são verdadeiros gatos escondidos com o rabo de fora. Penso o que penso de Dirceu. Vivo esculhambando-o politicamente aqui, mas esse negócio de Palocci repetir a história do “vinde a mim os brasileiros porque do outro lado está Dirceu” não cola mais.
Vá aí, Palocci, meta a tesoura onde tem de meter, eleve os juros, faça o necessário para compensar os dois últimos anos de governo Lula, quando se enfiou o pé na jaca a valer. Dirceu de bicho-papão não cola mais. Até porque a lambança foi fundamental para garantir o terceiro mandato ao PT - partido de Palocci e Dirceu, não custa lembrar.
Dilma, Lula e eu
Não deixa de ser curiosa certa abordagem segundo a qual eu estaria me negando a reconhecer méritos no governo Dilma. A observação vem seguida de uma lista de nomes - já há uma pequena penca - que eram muito críticos ao governo Lula e que se renderam ao suposto aporte de racionalidade, objetividade e método que a “presidenta” teria agregado ao poder, como se Ares, o deus da Guerra - ou, quem sabe, Dionísio, o da festança - tivesse sido substituído por Palas Athena.
Acho o expediente engraçado porque tentam me cercar “com” - e não “de” - pessoas que estariam mais ou menos no meu campo ideológico. A alguns pode ser uma novidade, mas costumo brigar muito com os meus amigos também, como eles sabem - e eles comigo! Posso, por delicadeza, anuir com uma comida, um café ou uma bebida ruins que me ofereçam - acho que a mentira decorosa é parte da civilização -, mas jamais, menos ainda para parecer delicado, concordarei com uma idéia ou tese que repudio. Nunca diga a sua parceira (ou parceiro) que ela eventualmente não está bem minutos antes de sair para a festa caso seja indagado a respeito. Mas seria uma suprema falta de delicadeza concordar com uma tolice que ela dissesse só para que não se sentisse feia ou não ficasse insegura… Cada coisa tem o seu domínio.
Que me importa se alguns “amigos” meus - ou pessoas do meu suposto campo ideológico - estão se surpreendendo positivamente com Dilma e reconhecendo as suas qualidades? Bem, Tio Rei tem claro que, antes mesmo de ela tomar posse, identificou a sua estratégia do silêncio. E o fiz num programa de televisão. Passei a escrever muito a respeito. Pouco depois, uma reportagem da Folha informou que João Santana, o marqueteiro, a quer ocupando, na imaginação dos brasileiros, o lugar de uma rainha… Bem, rainha propriamente, com alguma licença, tivemos duas: Dona Maria, a Louca, e Carlota Joaquina. Por que não Dilma, a Muda?
Num texto publicado ontem, escrevi que meu papel não é ficar endossando mitos, e sim identificar mitologias. Se essa está em curso, devo analisá-la, descrevê-la, caracterizá-la, em vez de ficar ornando com brocados novos a personagem que Santana me oferece: “Dilma é inteligente; Dilma é sensível; Dilma gosta de cinema; Dilma aprecia as artes… Mas também é muito severa e não tolera conversa mole”. Se e quando essas eventuais diferenças em relação ao antecessor fizerem… diferença, reconhecerei aqui. Por enquanto, oferecem-me uma personagem virtual, forjada no laboratório das teorias de comunicação, para que eu possa contrastá-la com Lula.
E tenho rejeitado esse expediente, que, cá pra nós, é particularmente desonesto até dentro da desonestidade intelectual mais geral do petismo. Essa Dilma cultivada - e, lamento, os índices desse cultivo não se mostraram durante a campanha, quando ela falou; surgem agora, quando se cala! - só existe como uma espécie de outra face do Lula rústico, como se, ao contrário da invenção do doutor Victor Frankenstein, esta criatura tivesse melhorado o criador. Ora, respeitem Januário!!!
Não há novidade nenhuma nessa narrativa para quem é um tantinho vivido ou leu alguns livrinhos. A tentativa até que é bem vulgar, e só cai no truque quem quer ou quem a tanto se vê obrigado. Lula sempre esticou demais a corda da crítica à imprensa, especialmente depois que Franklin Martins foi nomeado ministro da Supressão da Verdade. O homem do MR-8 tinha uma agenda pessoal que se casou à perfeição com o perfil do ex-presidente: vaidoso, arrogante, um tanto paranóico. Esse clima de permanente confronto exigia dos veículos alguma resposta, ainda que modesta - quase sempre se limitaram a expor as diatribes presidenciais como a deixar claro que não as temiam.
Com o seu silêncio, Dilma representa uma espécie de “descanso na loucura” - para citar Guimarães Rosa (que ela já chamou de “poeta”) -, de distensão, convidando-nos a um certo armistício, já que o clima de eterna vigilância não deixava de ser cansativo. Ocorre que eu não estava, não estou e não estarei em guerra com ninguém - vá lá, com os que tentam assaltar a democracia, sim. Prefiro obviamente Dilma a seu antecessor quando ela se diz contra apedrejamentos. Lula, a exemplo de alguns antropólogos do complexo PUCUSP, acha que cada povo tem o seu costume.
Ocorre, queridos, que ela não me faz favor nenhum nem à humanidade em ser contra apedrejamentos porque isso me parece, com efeito, o razoável. Não serei grato pela cota de civilização a que tenho direito de graça. Quem meteu o Brasil na lama das tiranias foi Lula, foi o PT. Se Dilma agora tenta minimizar o estrago, até porque o país está sendo efetivamente prejudicado por aquelas escolhas insanas, acho que ela cumpre, como presidente, um dever funcional; como indivíduo, cede ao imperativo da decência. De toda sorte, devemos antes esperar alguma votação importante na ONU. Acho as disposições subjetivas importantes para a literatura - eventualmente para o cinema de Jabor; no que concerne à política, são os exemplos que movem o mundo, as ações, não as palavras. Quando e se Dilma e Antonio Patriota tirarem a política externa da rota da estupidez, então direi: “Vocês nos deviam isso!”
Pedem-me ainda que reconheça a coragem de Dilma ao fazer um corte severo no Orçamento, na contramão do que seria o hábito e as aspirações do petismo etc. Eu realmente não acho que corte de gastos seja, por si mesmo, uma valor moral ou uma categoria de pensamento, embora, com Musil, eu também aprecie “idéias magras e severas”. Isso dá conta de um certo acanalhamento, apequenamento mesmo, do debate político. Corta-se, lá vou eu com o “poeta” Guimarães de novo, por precisão, não por boniteza. É possível que algum parlamentar pilantra deixe de ganhar uns trocos, mas certamente a população será prejudicada. Não vejo mérito nisso. Eu não sou favorável à responsabilidade fiscal porque acho que se deva gastar pouco; eu defendo a prática porque acredito que é preciso gastar bem e segundo aquilo que se tem, considerando alguns termos essenciais da equação, como custeio e investimento. O corte de agora é apenas a conseqüência da irresponsabilidade de antes, da qual Dilma foi a grande beneficiária.
“Então não deveria ter cortado?” Ora, claro que sim! Mas, de novo, não me peçam para exaltar as virtudes saneadoras de Dilma quando ela foi a principal auxiliar daquele que botou o bode na sala. Não cantarei a poesia da Dilma Mãos de Tesoura quando a candidata Dilma disse em termos muito duros (ver post de ontem), com aquela assertividade meio bronca que tão bem a caracterizava, que falar em ajuste fiscal numa economia que crescia 7% ao ano era uma bobagem.
Outros me pedem que reconheça que Dilma desacelerou, e talvez aposente, as estrambóticas idéias de “controle social da mídia”. Com efeito, ela até pode estar se perguntando hoje: “Mas controlar por quê? Esses meninos e essas meninas me parecem tão dóceis! Já colei umas três ou quatro propostas do candidato tucano, e eles tiveram a gentileza de não dizer nada!” Ninguém me pegará num gesto de genuflexão diante da autoridade porque ela decidiu, santo Deus!, cumprir o Artigo 5º da Constituição, que tanto custou aos brasileiros. E não me pegará igualmente de joelhos porque a autoridade deixou de cumprir a lei. Se não for Dilma a primeira a se subordinar à Constituição e aos códigos legais, então quem?
Mas vocês já me verão, aí sim, a ser muito duro com Guido Mantega porque ele maquiou as contas do superávit primário; com a própria Dilma, que foi ao Congresso e capou da Saúde 500 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), promessa solene feita durante a campanha - e os fez sob o silêncio cúmplice daqueles que deveriam lhe cobrar o cumprimento das promessas. Vocês me verão a censurar a presidente porque, no governo anterior, entregaram-se só 20% das casas prometidas e nem debaixo de porrete se entregarão, até o fim de 2014, os 2,8 milhões que faltam.
Ora, quem disse que não reconheço a obra de Dilma? Para quem sabe ler, este é um texto de reconhecimento, não é mesmo? Só que não é escrito pelo espírito de um servo que descobre a generosidade de seu senhor.
Quando você terminar de ler este post, Dilma terá deixado de entregar 1,5 casa
Dilma prometeu criar, até 2014, entre outras coisas, 5 mil creches (1.695 só neste ano) e mil UPAs, que depois deixou por 500. Na quarta-feira, fiz um post (aqui) evidenciando em que ritmo o governo federal precisaria trabalhar para cumprir as promessas. Como nada saiu do chão ainda, de quarta para cá, o passivo do “promessômetro” da presidente já cresceu . Em quatro dias, ela já deixou de entregar 7.916 casas e 18,56 creches.
Leva quanto tempo para ler este post? Vamos dar uma folga: 1 minuto. Pois bem, como a Rainha tem de erguer 2,8 milhões de casas até 2014, isso representava, na quarta-feira, a média de 1979 casas por dia. Como o dia tem 24 horas, e cada hora, 60 minutos, temos 82,45 casas por hora e 1,37 por minuto,
É isto! Assim que você terminar de ler este post, Dilma terá deixado de entregar quase uma casa e meia!
Vou aplaudir Dilma por ela não fazer o que realmente não deve fazer?
No post que escrevi na madrugada (ver abaixo), trato da onda de elogios a Dilma Rousseff e das cobranças que me fazem. Exibem-me textos de pessoas que estariam no meu campo ideológico e que já cederam. Eu seria um dos poucos a resistir. E o que Dilma fez de gigantesco? Tomou algumas medidas de bom senso.
Nesse particular, a presidente repete a trajetória do apedeuta no primeiro mandato. Também ele não quis saber de “loucuras” e foi muito aplaudido por isso. O partido que tinha recorrido ao STF contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, se tornou seu ferrenho defensor. A legenda que flertava com o calote da dívida interna se mostrava uma fiel seguidora das regras. E muitos agradeciam por isso.
Não vou aplaudir Dilma só porque ela não faz o que ela realmente não deve fazer! Pelo mesmo motivo, não aplaudi Lula.
Corte no Orçamento, por enquanto, é só para enganar o Arnaldo Jabor
O ex-governador de são Paulo, José Serra, chamou ontem de “espuma” o corte de R$ 50 bilhões no Orçamento determinado pelo governo federal. Fez isso só porque é de oposição? Vamos ver: ele é, de fato, da oposição, mas o fato é que, por enquanto, o corte é espuma. Não ficou claro como e onde ele seria feito.
Eu os remeto, mais uma vez, ao blog do economista Mansueto Almeida. Ele evidencia com riqueza de dados e detalhes por que o tal corte, por ora, é mera peça publicitária. Na minha linguagem: é só para enganar o Arnaldo Jabor. Assim é por uma questão de fato, não de gosto.
A Dilma heroína no Estadão e os números errados sobre o salário mínimo nos governos FHC e Lula
No Estadão deste domingo, leio uma reportagem de Daniel Bramatti cujo título é este: “Por contas públicas, Dilma arrisca sua popularidade com impasse do mínimo”.
Que mulher corajosa! Fiquei entre chorar de emoção e cantar o Hino Nacional. Não é qualquer um que arrisca a popularidade por contas públicas, não é mesmo? Especialmente se chegou ao poder, entre outros motivos, porque o governo de que ela fazia parte não teve nenhum cuidado com as… contas públicas!
Há um problema de informação na reportagem. Consta lá:
No acumulado dos oito anos de FHC, o mínimo teve aumento real - acima da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) - de cerca de 30%. Na gestão de Lula, o avanço foi maior, próximo a 58%, segundo o Ipeadata, banco de dados mantido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os números estão errados. Não duvido que tenham saído do Ipea, onde há muita gente boa, mas onde está também aquele rapaz que usa golas maoístas. Segundo o Dieese, que deve saber o que diz porque presta serviço aos sindicatos, o aumento real do salário mínimo na era Lula foi de 53,67% - e não 58%; no governo FHC, foi de 44,71%, não de 30%.
Os números não estão apenas errados. Estão MUITO errado. Já basta o PT para fazer lambança, Na campanha eleitoral, a agora heroína do mínimo afirmou que o aumento real no governo Lula havia sido de 74%. Era mentira, claro!
Nojentos, horríveis, asquerosos, odiosos, sórdidos, malcriados, repelentes, vis, desagradáveis, indecentes, torpes, trapaceiros, vigaristas… Ou seja: PETRALHAS!
O que esta imagem faz aqui?
No alto, vocês vêem a capa de uma revista (é assim que a gente chama? Não entendo nada desse assunto!) do Batman, publicada no Brasil pela Editora Panini. O bandidão dessa história, de Grant Morrison (roteiro) e Cameron Stewart (desenhos), é o “Rei Perolado”. Pois bem, num dado momento, uma das personagens se refere ao facinoroso como “petralha”. No original, em inglês, emprega-se “nasty”. A felicíssima tradução é de Caio Lopes. Quando uma pessoa é “nasty”, ela pode ser nojenta, horrível, asquerosa, odiosa, sórdida, malcriada, repelente, vil, desagradável, indecente, torpe e coisas desse paradigma… Em suma, é uma “petralha”. Caio marcou um golaço! Uma tradução busca na outra língua não o sinônimo frio, mas o termo que tem, além do significado semelhante, a mesma carga cultural. Não conheço a história, mas suponho que o “Rei Perolado” também deva ser trapaceiro, vigarista, essas coisas. Ou seja: UM PETRALHA!!!
Vocês acreditam que os petralhas resolveram reagir? “Como ousam usar uma palavra criada pelo Reinaldo Azevedo?” Há blogs protestando contra o que seria a “ideologização” da tradução! De fato, o neologismo é meu: trata-se, originalmente, da fusão de “petista” com “metralha”, dos Irmãos Metralha, os ladrões. Generoso, já disse até na TV que nem todo petista é petralha, mas todo petralha é petista. O que isso quer dizer: nem todo petista rouba, mas sempre que alguém roubar e tentar dizer que é para o bem do Brasil, não duvide: é um petista! Os ladrões dos outros partidos têm ao menos a honestidade dos bandidos: pegos em flagrante, jamais dizem que fazem safadeza em nome da causa. Adiante!
O vocábulo fugiu ao meu controle e foi virando sinônimo de gente que não presta. Não é a primeira vez que isso acontece na língua.
Esses caras são tão dedicados na sua patrulha que um Zé Mané aí se orgulha de ter, acreditem!, entrado em contato com a editora para reclamar. Márcio Borges, diretor de marketing e da área comercial da editora, deu uma resposta excelente, que merece nosso aplauso:
“A Panini considera o termo ‘petralha’ uma gíria que vem se popularizando no Brasil e, independente da origem do termo, não é mais utilizado no linguajar popular apenas com conotação política, mas como sinônimo para ‘asqueroso’, ‘nojento’ etc. A empresa ressalta que não tem qualquer intenção de utilizar seus produtos editoriais de entretenimento para fins políticos.”
Parabéns, Borges! Não se deixe patrulhar por desocupados. O inconformado missivista não gostou da resposta da editora e observou que o termo ainda não está dicionarizado. Pois é! Junta a ignorância ao autoritarismo. Está, sim!
“Petralha” e variantes - “petralhada” - já figura no “Grande Dicionário Sacconi” da língua portuguesa, conforme se pode ver abaixo. A definição é deliciosa. Leiam:
Espantoso
O que há de espantoso na corrente contra o emprego da palavra na tradução de uma revista do Batman? Os que protestam alegam que o termo incentiva a “intolerância”. Outros dizem que se trata de um abuso da “liberdade de expressão”!!! Como eles são muito tolerantes, então defendem a censura, entenderam?
De resto, ainda que “petralha” não tivesse caído na boca do povo com esse sentido mais amplo, ainda que continuasse a ser apenas o que era na origem - “petista + metralha” -, pergunto: o que há de errado em combater petista ladrão?
Bem, queridos, não sei se a revista ainda está nas bancas, mas vou comprar a minha, hehe. E os convido a torrar alguns tostões fazendo o mesmo, até como ato de desagravo ao achado lingüístico do tradutor e à editora, que teve de agüentar a patrulha boçal.
Não adianta! Vão ter de conviver com este fato: “petralha”, agora, faz parte da língua. E só foi parar no dicionário porque, afinal, existem os petralhas. A patrulha a um gibi e a uma editora prova que existem e que têm de ser combatidos.
Freqüentemente, também eu alargo o sentido da minha criação e emprego “petralha” como sinônimo de “fascista”. Faz ou não faz sentido?
Antes e agora
Na semana em que o Banco Central subiu os juros, Lula comentou sem pedir reserva diante de cinco interlocutores: “Quando era ministra, a Dilma me pedia para resistir e não deixar o BC aumentar os juros. Agora que é presidente, me pede para apoiá-la quando os juros sobem”.