No EL PAÍS: PT terá que aprender a conviver com a nova oposição

Publicado em 06/11/2014 10:38 e atualizado em 13/11/2014 11:14
"A rua não tem dono nem ideologia. Todos têm direito de ocupá-la democraticamente", por Juan Arias, articulista da versão brasileira do jornal espanhol EL PAÍS (Leia outros textos de JUAN ARIAS).

O Partido dos Trabalhadores (PT) que acaba de ganhar as eleições com sua candidata Dilma Rousseff deverá aprender desta vez a conviver com a oposição, algo que não estava acostumado. O Brasil viveu sem ela nos últimos 12 anos de Governo petista. O carisma de Lula e suas conquistas econômicas e sociais, principalmente em seu primeiro mandato, tinham emudecido a oposição.

Se a ausência de um partido opositor – como existe em todas as democracias maduras dos países desenvolvidos – trouxe vantagens aos três mandatos do PT, é possível que a história descubra que também pode ter tido seu lado negativo.

Nem as melhores democracias sobrevivem imunes à corrupção e às tentações autoritárias sem uma oposição democrática, real, concreta, capaz de exigir que o Governo exerça a função concedida pelos eleitores. Nem mais, nem menos.

Como em uma família cujos filhos acabariam perdendo a identidade sem uma ação vigilante dos pais, também os governos podem se esquecer de sua função se não possuem o ferrão de uma oposição que os faça lembrar do que prometeram ao se eleger e os estimule ao cumprimento. E que os façam prestar contas.

O Partido dos Trabalhadores foi mestre na arte da oposição antes que o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva o levasse ao poder. Sabiam como ninguém ocupar as ruas e exigir. Fizeram oposição até ao texto da Constituição. Ninguém melhor do que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que sabe por experiência o que foi ter o PT como oposição, que gritava nas ruas e praças “Fora FHC!”. Aquela que, embora às vezes dura ao extremo, serviu de antídoto aos governos e até derrubou um deles do pedestal.

Ao chegar ao poder, o PT, que tinha até então vocação de dissidente e não de Governo federal, teve sorte não apenas de poder governar sem oposição, mas também de contar com um líder com grande força de atração nacional e internacional.

Nem sequer no momento crucial do escândalo de corrupção do mensalão, que foi o único momento dramático para Lula, a oposição quis endurecer e nunca pediu sua saída do Governo.

Agora, pela primeira vez, o PT pode começar a experimentar na própria carne o que significa uma oposição de verdade, que o novo líder Aécio Neves, forte com seus mais de 50 milhões de votos, afirmou que fará “sem adjetivos”, mas também com “total espírito democrático”.

Será uma experiência nova para o segundo mandato de Dilma Rousseff. Até ontem, a rua, com suas manifestações e protestos, às vezes democráticos e às vezes nem tanto, era exclusiva do PT e dos movimentos sociais. O protesto tinha sempre o DNA da esquerda.

Após as últimas eleições, pela primeira vez depois das manifestações de junho de 2013, as ruas começaram a ser tomadas não apenas pelos trabalhadores mas também pela classe média (filha às vezes daqueles trabalhadores de outrora), que possuem valores para reivindicar e queixas a apresentar.

As manifestações de junho foram abortadas pela infiltração do movimento dos violentos Black blocs, que fizeram com que a classe média voltasse a se recolher em suas casas.

Hoje essa classe média começa a querer defender seu direito de ser oposição e gritá-lo em público. E, imediatamente, novos infiltrados que a oposição oficial do PSDB de Aécio já repudiou tentam, conscientemente ou não, novamente abortar esse desejo legítimo da “não esquerda” de se manifestar. É justo negar-lhe esse direito?

Em todas as manifestações, no mundo inteiro, existem abusos e exageros; reúnem os verdadeiros amantes dos valores democráticos e os que se aproveitam da ocasião para barrar o direito sacrossanto de manifestação e de protesto. O direito de governar de quem ganha as eleições é tão sagrado quanto o daqueles de exercer sua função de oposição. São as duas pernas com as quais a democracia caminha. Sem uma delas andará sempre manca.

A rua não tem dono nem ideologia. Todos têm direito de ocupá-la democraticamente para reivindicar o que conscientemente consideram seus direitos e suas justas reivindicações.

Aprender a viver com os instrumentos da democracia não é sempre fácil mas, sem isso, até o melhor dos governos pode cair na tentação de transgredir.

Pela primeira vez em uma década, a miséria no Brasil para de cair

Alto Alegre do Pindaré (Maranhão), onde seis de cada dez pessoas vive na pobreza. / ALEX ALMEIDA

Pela primeira vez em dez anos o número de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou, passando de 10,08 milhões em 2012, para 10,45 milhões no ano passado. Os dados, que se chocam com o discurso de redução da miséria vendido pelo PT ao longo de toda a campanha eleitoral, foram disponibilizados no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no dia 30 de outubro praticamente na surdina, uma vez que o Instituto não realizou nenhuma divulgação das informações.

Desde 2003, essa é a primeira vez que a quantidade de miseráveis deixa de cair. O Ipea considera em condição miserável as pessoas que não têm renda suficiente para uma cesta básica de alimentos, que varia de preço de acordo com a região pesquisada. De 67,24 reais em Belém do Pará, a 124,96 reais em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, segundo o cálculo do instituto.

Para o presidente do instituto Data Popular, Renato Meirelles, além da questão econômica, os dados impõem um novo desafio ao Governo: encontrar os excluídos do Bolsa Família. “Existe uma questão econômica, que gera um impacto na miséria, mas o conjunto de políticas públicas precisa chegar onde não está chegando”, diz. Para ele, é fundamental que os programas sociais consigam atingir uma maior capilaridade. “O sistema de proteção social do Brasil é um dos melhores do mundo e poderia fazer com que não existissem nem essas 10 milhões de pessoas na miséria. Portanto, esse indivíduo [que está abaixo da miséria] tem que ser assistido pelos programas”.

Se não houver a ampliação dessa rede de assistência, corre-se o risco de que no ano que vem esse quadro de crescimento se repita, explica Meirelles. “Que os governantes aprendam com o resultado das urnas: é necessário radicalizar no desenvolvimento da economia e nos programas de distribuição de renda, que, de fato, fizeram o país avançar nas últimas décadas”, afirma.

Ainda que o número de miseráveis tenha registrado um leve aumento, a população pobre, que tem duas vezes a renda familiar dos considerados miseráveis, segue diminuindo. Passou de 30,3 milhões em 2012 para 26,6 milhões no ano passado. Há dez anos, esse número era mais que o dobro: 60,1 milhões.

Os números foram destacados nesta quarta-feira pelo jornal Folha de S. Paulo. Isso depois de o Ipea se ver envolvido num episódio complicado durante a campanha eleitoral. Em meados de outubro, Herton Araújo, titular da diretoria de Estudos e Políticas Sociais a instituição, pediu demissão por não concordar com a decisão da cúpula do Instituto de impedir a publicação desse estudo que mostrou a evolução do número de miseráveis no país. A exposição desses números poderia ser uma importante munição para a oposição, que perdeu por uma margem muito pequena de votos. Procurada, a assessoria de imprensa do Instituto afirmou, por meio de nota, que não havia “ninguém disponível para falar sobre o assunto” e que “nenhuma atualização da base [de dados] é acompanhada de divulgação à imprensa”.

Ninguém quer deixar um cartão de Bolsa Família de herança para os filhos, por CARLA JIMENEZ

1,7 milhão de famílias já deixaram o programa de transferência de renda, e muitos dos que recebem fazem cursos profissionalizantes para abrir mão do benefício

 

Crianças em Alto Alegre do Pindaré (MA). / ALEX ALMEIDA

Poucas coisas se tornaram unanimidade no Brasil nos últimos anos, como o Bolsa Família. Todos os candidatos têm propostas de mantê-lo, com variações no modelo de gestão. Criado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi no Governo Lula que ele ganhou força, com a expansão para todo o país. Num primeiro momento, despertou amor e ódio, pois se era implementado com a legítima função de tirar o Brasil das vergonhosas estatísticas de pobreza, o benefício era apontado como um instrumento eleitoral, que acomodava as famílias de baixa renda para que não trabalhassem.

Mas, quem acompanha o assunto, garante que ninguém quer deixar um cartão de Bolsa Família como herança para seus filhos. Hoje, 1,7 milhão de famílias já deixaram voluntariamente de receber o benefício, declarando que não precisam mais dele. Há, ainda, mais 1 milhão de famílias que pararam de ir atrás, embora não tenham informado o motivo.


"Muita gente acredita que os pobres são pobres porque não trabalham. Mas metade dos que estão no Bolsa Família não trabalham porque têm menos de 14 anos. E entre os adultos, 75% trabalham. Há pessoas que estão empregadas e complementam renda com o BF, mas isso não quer dizer que essas pessoas são preguiçosas", diz Campello. A experiência deu certo, e é reconhecida mundo afora, como mostrou o relatório da ONU sobre fome, divulgado na semana passada, apontando o Brasil como referência no combate a essa mazela. "Agora que o Bolsa Família deu certo, ninguém tem coragem de tirar", afirma a ministra.Durante o Governo Dilma, o programa ganhou algumas inovações importantes, como a oferta de cursos técnicos para quem recebe o benefício. Um milhão de bolsas para qualificar interessados foram disponibilizadas através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e a Emprego (Pronatec). "Foi uma surpresa o retorno. Tínhamos o plano de garantir um milhão de vagas até dezembro deste ano, mas já temos 1,36 milhão de pessoas de baixa renda cursando os programas do Pronatec", relata a ministra de Desenvolvimento Social, Tereza Campello. Hoje, o Governo coleciona os relatos de quem encontrou uma profissão e deixou o cartão, como Raquel dos Santos, mãe de três filhos, que se tornou auxiliar de cozinha num dos cursos ofertados pelo projeto do Governo.

Houve, ainda, outras mudanças sob o comando de Rousseff. Uma foi a introdução do complemento de renda para aqueles beneficiários que continuavam na extrema pobreza (vivendo com 1,25 dólar ao dia), e que melhoraram um pouco a sua condição de vida (com renda diária de 2,50 dólares), embora continuem no que conceitualmente se conhece por pobreza.

A outra foi a criação do sistema de Busca Ativa, as missões do Governo que começaram a ir atrás das famílias extremamente pobrespor rincões do país. Pessoas estas invisíveis, que muitas vezes não tinham nem documentos, e nem sabiam que poderiam ganhar um benefício social. "O Estado passou a ser pró-ativo, e assim mais de 1,2 milhão de famílias foram localizadas nestes anos de administração Dilma", relata. A outra inovação importante foi a oferta dos cursos de qualificação profissional. "Construímos uma estratégia, organizada, de inclusão e inserção econômica", diz Campello. Foi assim que 22 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza nos anos de Rousseff, segundo a ministra do Desenvolvimento Social.

Para Renato Meirelles, presidente do Data Popular, agência especializada em informações econômicas da população de baixa renda, essa oferta dos cursos é fundamental para a evolução do projeto de BF no Brasil. "É algo fundamental para dar dignidade aos pais que recebem o benefício", diz ele. "Pois se enganam aqueles que acham que o BF acomoda. Tudo o que esse sujeito quer é um emprego com carteira assinada", afirma. Na visão de especialistas, este seria o caminho natural para dar continuidade ao combate à pobreza no Brasil, até o ponto em que um dia o benefício fosse extinto porque ninguém mais vai precisar dele.

 

Fonte: http://brasil.elpais.com/

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