Desequilíbrio de US$ 85 bilhões (3,5% do PIB) e "vamos aumentar o gasto público!"

Publicado em 12/11/2014 15:30
por Alexandre Schwartsman, artigo publicado na Folha de S. Paulo

Às vezes, na verdade quase sempre -o "quase" apenas para acomodar alguma exceção desconhecida-, tenho a impressão de que nossos "keynesianos de quermesse" habitam uma dimensão à parte (a Dimensão Z), na qual os fatos se acomodam às crenças, permitindo que o voluntarismo mais primitivo se estabeleça como ideologia hegemônica.

Veja-se, por exemplo, o manifesto publicado por luminares da quermesse nacional, defendendo a manutenção da atual política econômica. Não bastasse reivindicar para si o monopólio do desenvolvimento com inclusão social -como se todos os demais economistas favorecessem a decadência econômica com piora da distribuição de renda-, os signatários do documento levam às raias do extremismo a distância entre o mundo como ele é e a realidade como reflexão distorcida de uma mentalidade peculiar.

A declaração é um repúdio às políticas de austeridade, não apenas no que se refere à política monetária mas principalmente no que diz respeito à política fiscal. O mau desempenho econômico dos países desenvolvidos é apontado como resultado da redução da despesa pública, enquanto se sugere que a elevação dos gastos governamentais no Brasil nos faria retomar o crescimento.

Trata-se de impressionante incapacidade de distinguir os problemas brasileiros daqueles enfrentados por alguns países desenvolvidos, notadamente na periferia europeia.

Lá o desemprego é alto e a inflação se encontra muito abaixo da meta. Na Espanha, por exemplo, o primeiro segue acima de 20%, e a segunda (medida ao longo de 12 meses) tem ficado em terreno negativo, situação semelhante à enfrentada por Portugal e Itália, onde o desemprego, embora menor, permanece na casa de dois dígitos, enquanto a inflação se mantém abaixo de zero. Na verdade, como sabe qualquer um que tenha se dignado a olhar os números, o maior risco hoje enfrentado na zona do euro é a ameaça de deflação.

Deveria ser óbvio, mas, como aparentemente não se trata do caso, noto que o problema no Brasil é diametralmente oposto. A inflação se encontra não apenas (bem) acima da meta, 4,5%, é bom lembrar, como nos últimos meses tem atingido além do limite máximo de tolerância. É formidável que, mesmo à luz disso, os luminares insistam na afirmação furada de que "a inflação (...) manteve-se dentro (sic) da meta no governo Dilma Rousseff".

Não bastasse isso, nosso desequilíbrio externo se encontra na casa de US$ 85 bilhões (3,5% do PIB) nos 12 meses terminados em setembro, indicando que a demanda interna supera nossa produção, em contraste com superavit nas contas externas observados na periferia europeia.

É, portanto, notável, embora nada surpreendente, que a conclusão da quermesse seja sempre a mesma ("vamos aumentar o gasto público!") independentemente da natureza do problema.

Diga-se, aliás, que essa posição diminui em muito a credibilidade da promessa de "iniciativas contracionistas (...) para quando a economia voltar a crescer", mas, justiça seja feita, essas vozes também se calaram quando o país crescia forte e o governo seguia com o pé no acelerador fiscal. Sua coerência em sempre pedir mais despesa é legendária.

A verdade é que essa visão, embora se coloque como "alternativa", predominou nos últimos quatro anos. O arranjo de política econômica, caracterizado por gastos crescentes, redução "na marra" das taxas de juros, intervenção no mercado de câmbio e ativismo injustificável no domínio econômico, foi, sem tirar nem pôr, exatamente aquilo por que clamaram anos a fio os autodenominados "desenvolvimentistas".

Os resultados estão aí: crescimento pífio, inflação acima da meta (não "dentro" dela), desequilíbrios externos, estagnação da produtividade e, agora sabemos, também retrocesso no campo das conquistas sociais.

Engana-se, porém, quem acreditar que o fracasso retumbante poderia lhes ensinar alguma coisa; o manifesto da semana passada é prova disso. 

Agora é Dilma quem está quebrando o País, diz FHC

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou duramente a presidente da República, Dilma Rousseff, ao comentar o envio de projeto de lei ao Congresso Nacional, pelo governo petista, para tentar driblar a meta de superávit fiscal. "A Dilma falou que eu quebrei o País três vezes, não sei quando. Agora é ela quem está quebrando (o País)", disse FHC, após proferir palestra em um evento de tecnologia, em São Paulo, nesta quarta-feira, 12.

Além de rebater uma das maiores críticas de Dilma nesta campanha presidencial, FHC ironizou a iniciativa do governo, dizendo que nem mesmo o Rei Pelé conseguiria driblar a meta fiscal. "É um drible que não dá certo, vai mostrar a incompetência de bem gerir a economia do Brasil, é um gol contra, não tem sentido."

Fernando Henrique disse que a situação do País é difícil e o governo da presidente Dilma não tem como cumprir o superávit fiscal. "E devem reconhecer", sugeriu. "Vejo risco para a economia, pior a emenda do que o soneto." Indagado sobre as críticas que seu partido vem fazendo à presidente reeleita, de que ela tem cometido estelionatos eleitorais após a vitória, ele retrucou: "São tantos estelionatos eleitorais."

Após proferir palestra no evento da empresa Symantec, de segurança em tecnologia, FHC almoçou com a direção da companhia e, depois, concedeu uma rápida entrevista. O envio do projeto do governo Dilma ao Congresso foi bastante criticado pela oposição. O governo argumenta que ele não é um cheque em branco. Na prática, ele dará grande flexibilidade para o governo administrar a meta de superávit primário das contas do setor público, eliminando na prática a meta fiscal, uma das conquistas da gestão de FHC.

O governo decidiu enviar o projeto antes do anúncio das medidas fiscais para o ano que vem porque pretende, com isso, garantir o cumprimento da meta, mesmo sem fazer o esforço fiscal prometido para 2014.

O projeto acaba com o limite fixo de R$ 67 bilhões para o abatimento das desonerações tributárias e dos investimentos do PAC. Portanto, o executivo federal ganhará liberdade, caso o projeto seja aprovado, para abater da meta todo o volume do PAC e das desonerações que for feito até o final do ano. (Estadão)

Fonte: Folha de S. Paulo + Estadão

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