Morreu meu amigo Tinoco, por Armando Matielli
Publicado em 14/05/2012 12:19
Foi uma das passagens mais gratificantes que convivi nos meus 60 anos de idade. No início dos anos noventa, fui homenageado pelos amigos de Cornélio Procópio no grandioso Paraná. A homenagem ocorreu no restaurante do principal hotel daquela cidade e, após a homenagem que foi recitada por um poeta de Cornélio, o qual esqueci o nome, recebi um convite para visitar uma determinada mesa onde estava postado o casal Tinoco e sua esposa. Sinceramente, naquela noite fiquei muito mais emocionado em conhecer o Tinoco do que a própria homenagem. O Tinoco da dupla Tonico e Tinoco trazia em minha formação uma marca cultural adquirida na infância de menino pobre, criado no sítio São Benedito, no bairro o Rio Claro, na querida São João da Boa Vista –SP, minha terra natal no final dos anos 50 e no decorrer dos anos 60 na roça não tinha força, mas mesmo assim meu grande pai comprou um rádio Semp a pilha, que só era ligado nos programas preferidos rodeados de cadeiras empalhadas com meus tios e alguns dos nossos camaradas lá do sítio e lá ouvíamos o programa “Na beira da tuia” e os programas sertanejos do Edgar de Souza, além da missa aos domingos, e a Ave Maria às seis da tarde pois, pois meu pai que não se manifestava , mas dava a entender um tanto ateu, talvez em respeito a minha nona e a minha mãe que eram católicas fervorosas. Inclusive, até hoje, minha mãe reside lá em nosso sítio e continua cuidando da capela construída pelo meu nono em 1898. Eram os únicos programas que ouvíamos além dos comícios do Ademar de Barros na época da política. Fora isso, o rádio era desligado para não gastar a pilha.
A partir daquele dia em Cornélio Procópio, que na mesa do restaurante, depois de uns copos de cerveja, fiz alguns duetos com o Tinoco, apesar dele mesmo me recomendar que deveria continuar nas minha atividades profissionais, pois se tivesse que viver como cantor morreria de fome. Sem dúvida. Mas, a amizade do Tinoco passou a ser muitíssimo gratificante e até profissional, pois na semana vindoura já estava o Tinoco nas palestras da Bayer que fazíamos aos agricultores e a presença dele era uma atração prazerosa para nossa equipe e muito mais para os clientes. Isso ocorreu por anos e anos seguidos. Nas palestras, nas convenções, nos congressos, inclusive de café lá estava o Tinoco e entre o lado profissional e pessoal enraizamos uma amizade cordial e até fraternal. Ficamos amigos e, naquela época eu até exagerava nos copos de cerveja e ele ficava bravo comigo, pois ele era praticamente abstêmio. Com isso, convivemos em muitas viagens e eu tinha uma atividade muita intensa e não sobrava muito tempo para acompanhar os eventos pelo país afora e sinceramente eu “mascava” de tristeza em não poder acompanhar os eventos da Bayer onde estava o Tinoco. Muitas vezes eu o acompanhei e, nos eventos mais próximos como no sul de Minas, interior de São Paulo, ele não viajava com a comitiva de músicos e outros no ônibus e fazia questão absoluta de viajar comigo no carro e nessas idas e vindas ouvi muitas passagens interessantíssimas do Tinoco, muitas das quais tragicômicas que me desopilava o fígado. O mais difícil nas viagens era as paradas nos postos de gasolina, se o Tinoco resolvia descer do carro virava um evento e um pedia para tirar autógrafo, outros fotos, outros iam chamar os pais ou avós e assim por diante. Na época, eu vivia lotado de serviço todos agendados e o Tinoco não tinha o mínimo de pressa atendia a todos com a maior satisfação até parecia que era o primeiro autógrafo ou foto de tanta satisfação que ele fazia essa parte protocolar e assim era nos eventos. Depois das apresentações profissionais, o Tinoco cantava e a partir dai eram horas de autógrafos e desfile de velhos e mesmo jovens procurando o Tinoco e ele na maior paciência perguntava “como é seu nome meu fio?”. Quando eram nomes incomuns ele dizia “sobreletra aí” e assim ia.
O Tinoco morava em São Paulo e às vezes resolvia me visitar sem agendar. E aparecia lá na Bayer e aquilo virava um tumulto desde os porteiros e com o colegas e amigos de trabalho.todos queriam falar com o Tinoco. Eu estava sempre “até as tampas” de afazeres, mas atendia o amigo para falarmos dos próximos eventos entre outros. Outros ocasiões ele me ligava para almoçar com alguém importante e, as vezes dava uma escapada e comparecia. Nessas oportunidades conheci muita gente renomada como políticos e até ex-presidente da república. O Tinoco era muitíssimo relacionado. Num desses almoços conheci o comandante Rolim, proprietário e fundador da Tam, que também era uma história viva de vida, carismático e alegre. Depois disso, encontrei mais vezes com o comandante, sempre com o Tinoco. Eu não tinha jeito de não atendê-lo, primeiro porque eu sou um grande fã e segundo que eu o respeitava por ser mais velho. O Tinoco não tinha pressa e nem protocolo. Ia do jeito que dava. Sabia viver.
Entre muitas passagens que ele me contou, em uma delas me contou do medo que ele tinha de voar com os aviões teco-teco nos anos sessenta pelo norte e noroeste do Paraná, pois os cafeicultores tiravam as madeiras de lei e metiam fogo na mata para plantar café na coivara. Depois do fogo sobrava inúmeros troncos de árvores que pareciam um paliteiro e, o Tinoco tinha medo que o avião poderia cair em cima e se espetar num daqueles troncos pois, quase não havia clareiras. Ele contava também as passagens das viagens intermunicipais pelo Paraná em estradas de terra naqueles latossolo roxo que fazia um verdadeiro canudo de poeiras e era um perigo eminente numa trombada com outro carro ou caminhão.
Uma passagem tragicômica foi quando o Tonico e o Tinoco faziam shows em circos pelo Brasil a dentro, e metade da renda da bilheteria ficava com a dupla e a outra metade com o dono do circo. Eles acharam que estavam fazendo um péssimo negócio e aí resolveram comprar um circo completo e assim fariam os shows e receberiam 100% da arrecadação da bilheteria. Mas, infelizmente, não eram bons administradores pois, não tinham muito tempo e o negócio virou uma tragédia e chegou a um ponto que não estava nem dando para manter o circo, administrar a logística, pagar os artistas, comprar comida para os animais/bichos, como um absurdo de carne para os leões e assim o negócio estava de ponta cabeça. Até que um dia, que o circo estava numa cidade do interior de São Paulo e os leões famintos escaparam e desandaram a comer cachorro, bezerros nas vizinhanças, e colocando a população em risco. Para pegar os leões de volta foi uma loucura e o Tinoco contando aquilo com seu jeito simples e dramático era uma verdadeira peça teatral. Finalizando eles deram o circo, com os leões, elefantes, palhaços, trapezistas e tudo mais e, ainda por cima três shows gratuitos para o novo dono.
Outra passagem foi quando o presidente Figueiredo os chamou em Brasília para fazer um jingle “plante que o João garante” e, receberam “uma nota” pois a propaganda era nacional e tocava em todas as rádios pelo Brasil. Ao final, os agricultores ouviram o apelo do presidente endossado por Tonico e Tinoco e plantaram o máximo que puderam de arroz, milho, algodão entre outros. O clima correu muito bem e o Brasil colheu uma super safra, mas os preços caíram a níveis ridículos e governo não tinha armazéns suficientes para receber a safra. Virou uma tragédia e com isso quando eles saíam para fazer os shows eram só vaias e de ídolos passaram a ser os vilões e assim demoraram dois a três anos para retomar a normalidade, e “a nota preta” que receberam na campanha virou pó. Assim foram tantas e tantas passagens interessantes e marcantes.
O tinoco foi o compositor e gravou uma música em homenagem aos agrônomos por minha solicitação. Mais, uma vez muito obrigado meu amigo.
Ele dizia: “Matielli você é um caipira que deu certo como eu, que fala até alemão e virou executivo”. Eu adorava quando o Tinoco falava isso.
Nossa amizade perdurou por volta dos últimos 20 anos e sempre estávamos falando e há poucos dias ele me procurou para resolvermos um problema e, esse problema, não tão importante, não deu tempo de resolver pois, o Tinoco morreu.
O Tinoco era um homem fantástico. Simples, carismático, inteligente, articulado e acima de tudo de uma pureza infantil. Na minha opinião, ele já tinha o visto de entrada e o passaporte carimbado para o céu. O Tinoco deixou um legado inigualável. Meu amigo, descanse em paz.
Fonte:
Armando Matielli