Angola e China - Parceria Agrícola, por Eduardo Lima Porto

Publicado em 13/07/2018 15:54
Eduardo Lima Porto é diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica

Há anos que acompanho o movimento dos chineses em Angola, em especial, no setor agrícola.

Em 2013, publiquei um artigo aqui no Noticias Agrícolas denominado “Angola - Um Futuro Player Agrícola”, depois de haver participado de um evento na Província de Malange ao norte do País. A repercussão desse trabalho foi muito grande e resultou na solicitação de centenas de pedidos de informação, entrevistas e algumas palestras.

As condições edafoclimáticas de Angola impressionam e são muito semelhantes às do Centro-Oeste do Brasil.

Passados cinco anos da publicação do artigo, tive a oportunidade de retornar a Angola várias outras vezes. Infelizmente, o País esteve envolto a uma pesada crise cambial derivada da sua dependência extrema das receitas de exportação de petróleo, o que em razão dos preços baixos dos últimos anos, prejudicou muito o funcionamento da economia e o avanço de projetos estruturais que estavam em curso na área agrícola.

Coincidindo com a renovação no mandato presidencial ocorrida em 2017, que veio a substituir democraticamente o Governo de José Eduardo dos Santos que permaneceu mais de 40 anos no poder, aconteceu uma recuperação rápida nos preços do petróleo, permitindo o retorno paulatino das divisas a um nível que deverá possibilitar o retorno à normalidade de antes da crise de 2014.

Essa semana, o Ministro da Agricultura de Angola, Eng. Agr. Marcos Alexandre Nhunga, anunciou oficialmente numa solenidade onde participaram várias autoridades e empresários chineses, que o País concederá incentivos fiscais de longo prazo e cederá vastas extensões de terras agricultáveis a investidores estrangeiros.

Faz muito sentido que Angola tome uma iniciativa dessa natureza, pois o País se encontra totalmente dependente das importações de alimentos básicos, tendo sido no passado um exportador relevante de Milho, Algodão, Café e outras commodities (período anterior a Guerra Civil que durou quase 30 anos).

Hoje o cenário é bem diferente e as motivações para uma retomada vigorosa da agricultura são também impulsionadas por fatores externos, como a estratégia chinesa de diversificação das fontes de fornecimento amparada no programa governamental chamado “One Belt, One Road” (Uma Rota, Um Cinturão), que abrange dezenas de países num circuito que incorpora investimentos de vários bilhões de dólares e a criação de uma vasta Zona de Livre Comércio. Nessa esteira, a “Guerra Comercial” promovida por Donald Trump está acelerando muito os planos dos chineses no continente africano.

As prioridades definidas pelo Ministro Marcos Nhunga são claras enquanto aos cultivos que deverão ser fomentados na relação de parceria iniciada com a China:

Milho;
Soja;
Arroz;
Feijão

É fácil de se entender a razão disso. O quadro abaixo indica o volume de importação de alguns itens de consumo alimentício:

Segundo o último levantamento da FAO em 2014, Angola possui 59 milhões de hectares agricultáveis de um total de 124,6 milhões de hectares. A área de reserva florestal está estimada em 57,98 milhões de hectares.

Tomando como base o firme propósito do Governo de substituir as importações através do incentivo aos investimentos privados e a concessão de terras por um prazo de 25 anos, com garantia de renovação por igual período, é possível afirmar que a independência alimentar poderá ser alcançada rapidamente com uma pequena fração da área disponível, considerando a tecnologia utilizada atualmente no Cerrado Brasileiro.

Mas os planos do Ministro Nhunga são mais ambiciosos. Ele pretende que o País atinja a autosuficiência e produza excedentes para exportação.

Condições logísticas para isso não faltam e comparativamente são bem melhores do que às nossas no Centro-Oeste do Brasil.

Com o final do conflito bélico em 2002, Angola implementou um forte programa de reconstrução das infraestruturas com financiamento de diversos países, entre os quais o Brasil, Portugal e China.

O País conta com uma malha rodoviária relativamente nova que une os dois centros comerciais mais importantes, Luanda (capital) e Benguela com as diversas Províncias.

O Governo Angolano contratou os serviços da maior construtora chinesa, especializada em ferrovias (China Railway International Group), para reformar uma extensão de quase 1.500km que une o Porto de Lobito (Província de Benguela) ao interior da Zambia. Essa estrutura já se encontra em funcionamento e com capacidade operacional para algo em torno de 30 milhões de toneladas/ano. O Porto de Lobito possui calado natural que suporta tranquilamente a movimentação de navios do tipo PANAMAX que carregam mais de 60.000 toneladas.

As regiões aptas à produção agrícola se encontram no Planalto de Angola, a uma distância que varia de 300km a 1.200km em relação ao Porto de Lobito.

A viabilidade desse projeto em termos de escala depende muito de que se estabeleça, de forma coordenada, uma base sólida de fornecimento de insumos, máquinas e implementos, estruturas de armazenagem e capacitação da mão de obra local. Esses aspectos são as maiores fragilidades de Angola nesse momento.

Do ponto de vista da segurança jurídica para o investimento, o Governo está oferecendo garantias efetivas que visam proteger a recuperação do capital e a repatriação de dividendos.

Adicionalmente, recomenda-se a contratação do seguro emitido pela MIGA (organismo multilateral ligado ao Banco Mundial) que fomenta investimentos em países em desenvolvimento, oferecendo garantias de indenização contra distúrbios de ordem política, conflitos armados e outros eventos.

Temos sustentado há anos que a Africa, e em particular Angola, se tornarão players muito fortes no tabuleiro mundial da produção de alimentos.

O cenário atual demonstra cabalmente que essa perspectiva não está muito distante.

Isso nos traz a necessidade de contemplar um panorama onde os preços poderão se situar abaixo dos níveis que nos acostumamos nos últimos anos, o que afetaria por aqui decisões de alocação de capital de lenta recuperação, como a abertura de novas áreas ou mesmo a compra de fazendas em regiões distantes dos Portos.

Da mesma forma, essa conjuntura poderá impactar a viabilidade econômica do nosso modelo agroeconômico, forçando a agregação de valor nas proximidades das áreas de plantio como forma de manter a sustentabilidade.

O horizonte de médio prazo nos propõe uma reflexão inevitável sobre os caminhos a seguir no negócio agrícola.

De um lado, se apresenta a opção real de internacionalização da atividade como forma de melhorar o padrão de remuneração do modelo baseado na produção intensiva voltada para exportação de grãos “in-natura”. Do outro, tornar-se-á impositiva a aceleração dos investimentos em transformação industrial no interior do Brasil, situação que já deveria estar sendo muito discutida pelos Produtores que não pretendem sair de onde se encontram.

Qual será o seu posicionamento estratégico nos próximos 10 anos?

 

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Fonte: LucrodoAgro

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