O Sapateiro, o torneiro mecânico e os derivativos
A modista da aldeia que passava parou para observar o quadro e comentou sobre o vestido, sobre eventuais retoques que ela faria na roupa colocando um detalhe aqui outro acolá. Em seguida, veio o cabeleireiro, que observava que o cabelo deveria ficar um pouco mais assim ou assado. Por último veio o sapateiro que ficou estupefato com a beleza da pintura, mas comentou que colocaria uma fivela no sapato e aí sim, a pintura ficaria perfeita. Apeles, que anotava tudo atentamente, s aiu de seu esconderijo, embrulhou o quadro e o levou para casa para fazer os retoques sugeridos pelos anônimos transeuntes. No dia seguinte, voltou a expor o quadro.
A modista e o cabeleireiro ao verem a pintura retocada ficaram maravilhados e observaram que ela estava perfeita. Quando o sapateiro chegou, ao olhar o quadro comentou: "Os sapatos ficaram ótimos, mas o vestido....." Ao ouvir o comentário, Apeles saiu do esconderijo enfurecido e interrompendo o sapateiro, gritou: "Não vás além dos sapatos", que originou a máxima latina "Ne sutor ultra crepidam judicaret" (Não deve o sapateiro julgar além da sandália), que nos alerta sobre a necessidade da consciência que devemos ter sobre os nossos limites. Em outras palavras, que ninguém deve colocar o nariz naquilo que não conhece ou lhe diz respeito.
Agora, uma vez mais inflado pela infinita necessidade de holofotes, teve o despautério de chamar de trambiqueiros aqueles empresários e executivos que usaram o mercado de derivativos para se proteger contra variações negativas de preços ou moedas, que podiam afetar o resultado das empresas. Trambiqueiro, segundo o Houaiss, é o sujeito que dá trambiques (negócio ilegal, fraudulento), golpista, vigarista. Portanto, sua Excelência Excelentíssima diz com todas as letras que os empresários "deste país" que utilizam os mercados futuros e de opções, que o ex-torneiro mecânico não sabe que também são derivativos, são vigaristas e golpistas. Certamente não deve ser essa a opinião que ele tem, por exemplo, dos deputados e senadores que os apóia, que com tantos "bons exemplos" de retidão, bom uso do dinheiro público e honestidade têm presenteado o Brasil.
O que Lula desconhece é que muitos produtores operam com opções (um derivativo) fornecidas por bancos oficiais para se proteger contra variações de preços que podem comprometer a rentabilidade de sua safra de soja, café, etc. Serão esses produtores trambiqueiros? Muitas instituições financeiras fornecem empréstimos de longo prazo usando os derivativos como colateral para evitar que a eventual baixa rentabilidade do produto agrícola usa do como colateral coloque em xeque a saúde da empresa financiada. São todos esses trambiqueiros?
O que dizer dos importadores e exportadores que precisam travar a margem de suas operações agrícolas e usam o mercado futuro de câmbio para se proteger contra um espasmo do dólar? A imensa maioria das empresas que operam nos mercados de derivativos não o faz com o intuito de trambicagem, como sugere o ex-torneiro mecânico, exímio conhecedor de finanças, matemática financeira, um homem letrado e experiente na vida corporativa, mas com o objetivo de garantir rentabilidade ao acionista, de manter a empresa competitiva apesar de suportar a maior carga tributária do planeta.
Não sou jurista, mas até onde vai minha memória não me lembro de ter lido na Constituição Federal promulgada em 1988 que são atribuições do Presidente da República achincalhar cidadãos contribuintes que pagam seus impostos, ou dar palpite nas estratégias comerciais das empresas brasileiras ou estrangeira s aqui estabelecidas.
É lamentável que o presidente não conte com assessores que o orientem a não cometer tamanho equívoco contra a imensa maioria de empresários sérios que buscam abrandar os riscos inerentes de suas atividades utilizando, para esse fim, o moderno e eficiente mercado financeiro brasileiro e todos os instrumentos nele disponíveis para a mitigação de seus riscos. O presidente deveria falar apenas do que conhece.
Publicado em 13/07/2009