Venezuela: multidão nas ruas de Caracas desafia governo chavista neste domingo

Publicado em 03/03/2014 05:32

Venezuela: estudantes e opositores desafiam governo nas ruas

Multidão realizou marcha pacífica neste domingo em Caracas e arredores, confirmando que as manifestações continuarão durante o Carnaval. Outra manifestação já foi marcada para esta segunda-feira

Manifestantes contra o governo de Maduro fazem marcha pacífica neste domingo na região metropolitana de Caracas
Foto: Reuters
  • por David Gonzálezdo terra.com.br -- Direto de Caracas
 

 

Apitos, cornetas e uma multidão de pessoas tomaram as ruas e estações de trem e metro de Caracas e região metropolitana neste domingo. À primeira vista, parece uma festa de Carnaval, mas o que ocorre nas ruas são movimentos de estudantes e opositores ao governo de Nicolás Maduro, que formam um contraponto ao movimento turístico nos dias de Carnaval. 

Juan Requesens, presidente da Federação dos Centros Universitários da Universidade Central da Venezuela, a instituição mais importante do ensino superior do país, já havia dito, dias antes, que os estudantes iriam “criar um colapso na cidade” dias antes. As pessoas que atenderam ao chamado da oposição usaram pedaços de pano branco e deixaram claro que, este ano, muitos desistirão de viajar ou curtir o feriado. “O carnaval é aqui e agora”, berrava uma mulher entre a multidão, em meio a gritos e aplausos de todos que a rodeavam.

Os organizadores da marcha carregavam diferentes cartazes no protesto. Parte da multidão seguiu para a praça Alfredo Sadel de Las Mercedes. Eles protestavam contra a censura que afirmam estar sendo aplicada aos meios de comunicação do país. Outra parte do protesto seguiu para a praça Castellana, questionando a injustiça sobre apreensões de estudantes e dirigentes políticos da oposição.

 

 

Uma terceira parte da multidão foi para a praça Miranda de Los Dos Caminos, pedindo por segurança no país que, desde o ano passado, teve mais de 20 mil vítimas de homicídios. A quarta parte da multidão seguiu para a cidade de Banesco. Lá, reclamaram da falta de recursos básicos para a população venezuelana, como leite e papel higiênico. Pediram também o fim das longas filas que enfrentam todos os dias no comércio. 

Uma mulher segurava um cartaz onde estava desenhado um grande revólver, em um fundo roxo, com uma mensagem que se dirigia ao governo de Nicolás Maduro: “A arte da paz não está em uma arma. Desarme o coletivo já, se queres paz”. As palavras fazem alusão às críticas contra o grupo de civis armados e partidários do governo associados a alguns dos 18 homicídios ocorridos na Venezuela desde 12 de fevereiro, quando tiveram início as manifestações. Mais de mil manifestantes foram feitos prisioneiros, mas a maioria agora está livre. Apesar disso, nos tribunais do país há 27 investigações abertas pela Procuradoria Geral sobre violações dos direitos humanos.

As manifestações deste domingo tiveram ponto inicial nos municípios de Baruta, Chacao e Sucre, na área metropolitana de Caracas. Todas foram comandadas por líderes da oposição. Os manifestantes se encontraram na praça Brión de Chacaíto, onde Jorge Rodrígues, político chavista, disse que “não toleraria manifestações”. As ruas pareciam “transbordar” de tanta gente.

Foi feito um minuto de silêncio pelos falecidos nas manifestações do país. Estudantes gritavam  “Querem falar conosco? Coloquem em sua agenda: a liberdade dos estudantes não é negociável”, em resposta à Conferência Nacional de Paz, realizada pelo governo na semana passada.

“O governo tem de garantir o direito à vida”, defenderam nos protestos. Outra manifestação foi marcada para esta segunda-feira, com concentração na praça Alfredo Sadel.

Manifestantes são dispersados em Altamira, no leste de Caracas

A polícia da Venezuela dispersou neste domingo com bombas de gás lacrimogêneo os manifestantes que estavam reunidos na Praça de Altamira e seus arredores, no leste de Caracas, após um protesto antigovernamental na região, que terminou sem incidentes violentos. Ramón Muchacho, prefeito de Chacao, palco dos enfrentamentos com a polícia, informou que os serviços de emergência de sua Prefeitura atenderam 17 pessoas no início da noite, duas delas feridas com balas de chumbo.

-- "Não restaram manifestantes na Praça de Altamira. As vias permanecem fechadas, muito gás ainda no ambiente" e "17 casos: dois feridos por balas de chumbo, oito por contusões/lacerações, sete com dificuldades respiratórias por inalação de gás", escreveu no Twitter o prefeito, que faz parte da oposição ao governo. 

Vários protestos no país, que começaram no dia 12 de fevereiro, terminaram com incidentes de violência e deixaram, até o momento, 18 mortos e centenas de feridos. Após a grande manifestação de hoje convocada por estudantes e com o apoio da oposição, um grupo de radicais entrou em confronto com a Guarda Nacional Bolivariana (GNB, Polícia Militar) na Praça de Altamira. Os agentes reprimiram os manifestantes, que jogavam pedras contra os policiais, com bombas de gás e disparos de balas de chumbo. 

Na última sexta-feira, a GNB prendeu 42 pessoas nesse mesmo local, entre elas a fotojornalista italiana Francesca Commissari, que hoje foram libertadas.

A italiana e outro cidadão de nacionalidade portuguesa receberam uma ordem de libertação de um juiz de Caracas que os processou junto com outros 39 venezuelanos, que foram detidos na última sexta-feira por causa dos protestos.

Nos últimos dias, foram várias as denúncias por parte de organizações de jornalistas sobre as dificuldades para o exercício de seu trabalho e sobre as prisões de profissionais da informação durante a cobertura dos protestos.

NA VEJA: 

Artigo de ANDRES VELASCO:

Os 100 dias de solidão da Venezuela

Ex-ministro chileno Andrés Velasco critica a omissão dos países latino-americanos em relação aos conflitos na Venezuela e destaca a fragilidade das instituições democráticas na região

Andrés Velasco

Venezuela: estudantes em protesto não recebem apoio regional (Juan Barreto/AFP)

Quando a violência irrompeu na Ucrânia e os manifestantes começaram a morrer nas mãos de agentes do governo, a União Europeia ameaçou sanções contra funcionários ucranianos responsáveis pela "violência e força excessiva.” O presidente Viktor Yanukovich fugiu de Kiev deixando para trás um zoológico particular com porcos e cabras exóticos – e também os ministros de relações exteriores da Alemanha, França e Polônia, que estavam na cidade, tentando construir um acordo para o fim da violência.

Mas quando violência deflagrou - quase que simultaneamente – na Venezuela e os manifestantes começaram a morrer nas mãos de agentes do governo, a Organização dos Estados americanos (OEA) levantou a voz para anunciar que, pasmem, não levantaria a voz. Competia à Venezuela resolver a situação, afirmou a OEA. Ministros das relações exteriores de outros países latino-americanos estão longe de Caracas – certamente sem denunciar a repressão e exigir o fim da violência. Enquanto isso, a contagem de corpos continua a subir.

O contraste realça o que todo mundo já sabe: as instituições regionais da América Latina são frágeis – ainda mais que na Europa. Mas também revela outra coisa: uma lógica moralmente corrupta que faz com que governos e líderes permaneçam em silêncio diante da agressão, repressão e até mesmo da morte — porque falar qualquer coisa a respeito seria equivalente a um ato de "intervenção" em assuntos internos de outro país.

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Não foi sempre assim. Não faz muito tempo, na América Latina, a vida e a liberdade eram consideradas direitos universais, a serem defendidas apesar das fronteiras nacionais.

Meu pai foi um advogado chileno e ativista dos direitos humanos. Ele e a nossa família foram expulsos do país pelo general Augusto Pinochet. A minha adolescência e início da idade adulta foram vividas no exílio, compartilhando esperanças e medos com outros expatriados do Chile, Argentina, Brasil e Uruguai. Nenhum de nós — e ninguém da esquerda latino-americana – duvidou por um momento que a defesa dos direitos humanos era responsabilidade de todos, e que a comunidade internacional deveria punir os governos que torturaram e mataram o seu próprio povo.

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No Chile de Pinochet ou na Argentina do General Jorge Rafael Videla, qualquer pessoa que se queixasse de violência patrocinada pelo governo era pintada como um membro de uma conspiração comunista internacional. Hoje, qualquer pessoa que se queixe sobre violência na Venezuela é um fascista e um lacaio do império norte-americano, de acordo com o presidente Nicolás Maduro. Tudo mudou, no entanto, tudo permanece igual.

Sim, a situação na Venezuela deve ser resolvida pelos venezuelanos. O problema é que alguns venezuelanos, hoje, não podem marchar pacificamente nas ruas sem correr risco de morrer. Outros não podem falar livremente com seus compatriotas porque todas as redes de televisão que poderiam divulgar suas palavras têm sido reprimidas e tiradas do ar. Além disso, muitos venezuelanos não têm certeza de que seus direitos serão respeitados. Os mandatos expiraram para o procurador-geral, os membros da comissão nacional eleitoral e a suprema corte, mas nenhum sucessor foi nomeado porque Maduro não está disposto a negociar com a oposição e não possui os dois terços de maioria no congresso para nomear seus próprios escolhidos.

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Não há nada mais importante para o povo venezuelano que decidir seu próprio destino, mas os meios democráticos para isso lhe estão sendo negados. Com efeito, um dos principais líderes da oposição, Leopoldo López, foi preso sob a acusação ridícula de "incitamento ao crime.”.

Seria absurdo dizer que os manifestantes ucranianos estejam felizes em enfrentar a tropa de choque sem qualquer solidariedade externa ou de apoio. E é tão absurdo dizer o mesmo aos manifestantes venezuelanos. Nestas circunstâncias, o princípio da autodeterminação dos povos, tão amado pelos ministérios das relações exteriores de toda parte, torna-se um slogan vazio.

Talvez a mais triste de todas as reações estrangeiras veio da Federação de estudantes da Universidade do Chile, que conduziu protestos estudantis exigindo melhor educação no Chile. Suas palavras sobre a Venezuela estavam carregadas de linguagem stalinista da década de1950, condenando o país vizinho por "defender a velha ordem" e "desviar do caminho que o povo havia escolhido".

O problema com este argumento (se é que se pode chamar assim) é que "as pessoas" não falam com uma só voz, nem suas declarações caem do céu, perfeitamente formadas. Para descobrir o que as pessoas realmente querem e responder adequadamente a elas, as democracias têm de ter procedimentos, garantias constitucionais e direitos individuais. Quando essas condições são espezinhadas, como foram na Venezuela, as pessoas não podem falar livremente, nem ao menos escolher seu próprio caminho.

É igualmente ingênuo argumentar que as ações de Maduro devem ser legitimadas porque ele chegou ao poder por meio de uma eleição. Um líder democraticamente eleito mantém legitimidade apenas na medida em que ele ou ela se comporta democraticamente.

Como o professor Hector Schamis, da Universidade de Georgetown, recentemente recordou, António de Oliveira Salazar, em Portugal, Alfredo Stroessner, no Paraguai, e Suharto, na Indonésia, alcançaram o poder por meio de eleições. No entanto, nenhum livro de história lhes confere base democrática. Yanukovich também ganhou uma eleição, mas ele será lembrado principalmente pelo derramamento de sangue que desencadeou, a falência que agora enfrenta a economia da Ucrânia, e, claro, seu zoológico particular repleto de Ferraris.

Venezuelanos, como os ucranianos, devem saber que não estão sós. Sua luta pelos direitos democráticos é a luta de todos. O povo na América Latina sabe disso, mesmo que seus líderes não estejam sempre dispostos a dizê-lo abertamente.

Andrés Velasco é ex-ministro das finanças do Chile e professor da Universidade de Columbia

© Project Syndicate, 2014

Fonte: terra.com.br

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