NA FOLHA: Pegou muito mal, ainda pior (sobre as contas do Governo)

Publicado em 12/11/2014 05:57
Com as contas estouradas, governo federal vai ao Congresso para dizer que está tudo bem (por Vinicius Torres Freire)

COMO DESCREVER o que fez ontem o governo ao explicar como pretende lidar com o descalabro das suas contas? Dizer que juntou insulto à injúria é britânico demais. Talvez algo assim: jogou lenha na fogueira e passou a tocar harpa enquanto assiste ao incêndio que provocou e realimenta.

Como se sabe, o governo federal não vai poupar o que se propôs em 2014. "Poupança" aqui significa receita maior que despesa, desconsiderados os imensos gastos com os juros da dívida pública (isso se chama "superavit primário").

É possível que o governo gaste mais do que vai arrecadar, o pior desempenho desde o século passado. Assim, tem de aprovar no Congresso, correndinho, uma alteração na lei dos seus planos de receita e despesa (Lei de Diretrizes Orçamentárias). A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, foi ao Congresso explicar o que o governo pretende fazer a respeito.

Na prática, a ministra contou que o governo não terá meta alguma de poupança para este ano. Na prática, até aí nenhuma novidade. Todos os habitantes do universo paralelo de quem se ocupa de assuntos econômicos sabem que as contas de 2014 foram para o vinagre.

O problema é que a ministra não fez um mínimo ato de contrição, não apresentou planos realistas para o ano que vem e ainda disse alegremente que o Brasil está em situação "confortável".

Em suma, a ministra deu a entender que não está nem aí para a angústia crescente a respeito do destino da economia em 2015.

E daí? O governo tem deficit e dívidas crescentes. Na presente situação econômica, isso implica inflação e juros altos ou crescentes. Note-se que taxas de juros em alta engordam o Bolsa Rico, os 5,5% do PIB que o governo paga em juros por ano aos seus credores (dá uns 11 Bolsas Família, para ficar no clichê).

A ministra afirmou que, em "2014, quase todos os países do G20 terão deficit primário. O Brasil tem o fiscal mais sólido" (mas tem enorme deficit nominal, que leva em conta os juros).

Suponha-se, para simplificar, que a comparação tivesse cabimento. Quanto o governo do Brasil paga de juros para financiar seus deficit, sua dívida crescente? Os maiores do mundo, e crescendo. O governo do Brasil refinancia um quarto de sua dívida todos os anos, outra extravagância mundial. O crédito do governo do Brasil é, pois, ruim e está piorando. Precisa poupar mais que "quase todos os países do G20".

Por que o governo não fez nem mesmo a poupança já reduzida a que se propôs? Porque a economia não cresceu o previsto, diz a ministra. Ou seja, vira-se do avesso o princípio básico da administração financeira, a prudência. O governo atira primeiro e pergunta depois se vai haver dinheiro. Deu ontem indícios de que pretende agir do mesmo modo em 2015.

Para confirmar o que parece ser alheamento da realidade, o governo, na pessoa da ministra, voltou a estimar que o Brasil crescerá 3% no ano que vem, o que contribuiria para um superavit primário do governo de 2% a 2,5% do PIB, o que nem os adeptos mais estritos da frugalidade e críticos duros do governo acham que seja possível, concedendo que um superavit de 1,5% do PIB será um milagre, e isso se vier aumento de impostos para completar a receita.

Com contas no vermelho, governo tenta brecha para descumprir meta

Projeto prevê descontar do superavit todos os gastos com PAC e com desonerações tributárias

Como esses dispêndios superam a economia prevista para pagar juros, na prática a medida 'cancela' a meta fiscal

Diante do estouro das contas públicas, no vermelho no ano eleitoral, o governo Dilma preparou uma brecha para descumprir a meta de economia de gastos para pagamento de juros da dívida pública (o chamado superavit primário) neste ano, abrindo até a possibilidade de fechar 2014 com deficit primário.

Por meio de projeto de lei enviado nesta terça-feira (11) ao Congresso, a equipe de Dilma pede autorização para descontar do superavit do setor público todos os gastos com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e com as desonerações tributárias, antes limitados a no máximo R$ 67 bilhões.

A decisão foi tomada porque o governo federal, que até setembro registrava deficit de R$ 15,4 bilhões, não conseguiria cumprir o superavit de 2,15% do PIB em 2014 usando o artifício de descontar apenas R$ 67 bilhões da meta original aprovada no Congresso.

A medida é classificada por assessores como a última manobra para fechar as contas deste ano feita pela equipe econômica, em que foi criticada por fazer sucessivas "pedaladas fiscais" para postergar despesas e esconder a real situação do caixa do Tesouro.

DESCONTO AUTOMÁTICO

A alteração proposta transforma em automático o desconto dos pagamentos feitos com o PAC e as desonerações concedidas em 2014. Segundo a ministra Miriam Belchior (Planejamento), até outubro o governo realizou R$ 52,4 bilhões em pagamentos do PAC e deve fazer desonerações de R$ 78 bilhões, totalizando R$ 130,4 bilhões.

Se o mecanismo já estivesse em vigor, esse desconto de R$ 130,4 bilhões (até outubro) superaria inclusive a meta de economia de R$ 116 bilhões (equivalente a 2,15% do PIB) aprovada na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014.

Na prática, analistas de mercado dizem que o Planalto, com a nova regra, tem condições de fazer um abatimento superior a 3,1% do PIB no final do ano, cobrindo tanto a meta de superavit do governo federal como de Estados e municípios.

Teria condições até de cobrir eventual deficit primário --situação em que o governo não economiza o suficiente para pagar juros, sendo obrigado a elevar sua dívida.

Em audiência no Congresso, Belchior afirmou: "O compromisso do governo é fazer superavit neste ano. O maior possível. O que está na LDO não é possível".

Dentro do próprio governo, porém, a avaliação é que há risco de fechar o ano com deficit e que essa última manobra do governo na área fiscal visa evitar o descumprimento oficial da meta de superavit primário, que na prática não será obedecida.

No texto em que encaminhou o projeto de ajuste da LDO, o governo atribuiu a medida à desaceleração da economia brasileira e mundial, que afetou "as receitas necessárias aos investimentos e políticas públicas".

Segundo técnicos do Congresso, se descumprir a meta fiscal, a equipe econômica poderá responder por infração administrativa e caberia discussão sobre crime de responsabilidade fiscal.

Marta sai e provoca Dilma ao cobrar mudança na economia

Petista, que voltará ao Senado, comandava o Ministério da Cultura desde 2012

Despedida abrupta fez Casa Civil acionar demais ministros para pedir que colocassem seus cargos à disposição

A ministra Marta Suplicy (Cultura) deixou o governo nesta terça (11) entregando uma carta de demissão em que faz críticas à presidente Dilma Rousseff ao desejar que ela "seja iluminada" na escolha de uma nova equipe econômica "independente", que resgate a confiança e a credibilidade do governo.

Na avaliação de assessores presidenciais, Marta foi "desleal" ao entregar o cargo num momento em que a presidente está em viagem ao exterior e apontar um ponto frágil do governo com o intuito de se cacifar para seu projeto de disputar a Prefeitura de São Paulo nas eleições de 2016.

Segundo a Folha apurou, a ministra já havia apresentado seu pedido de demissão na semana passada, mas o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, pediu para segurar a exoneração.

Ele queria que todos os ministros entregassem seus cargos juntos, num gesto para deixar Dilma à vontade para remontar sua equipe. Com a saída abrupta de Marta, a Casa Civil acionou os demais integrantes do primeiro escalão nesta terça, pedindo que antecipassem o movimento. Dois haviam colocado o cargo à disposição até a noite.

O teor da carta de despedida de Marta reflete críticas que o ex-presidente Lula costuma fazer a Dilma no comando da política econômica.

Ele defende a escolha de um ministro da Fazenda com total respaldo do mercado e não esconde sua preferência por Henrique Meirelles, que comandou o Banco Central durante o seu governo.

No texto, Marta faz um balanço de sua gestão e diz: "Todos nós, brasileiros, desejamos, neste momento, que a senhora seja iluminada ao escolher sua nova equipe de trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, que resgate a confiança e credibilidade ao seu governo".

A ministra já tinha avisado Lula sobre seus planos de saída do governo e o ex-presidente apoiou a ideia para fortalecer o PT no Senado --ela tem mandato até 2019.

No entanto, sobre os projetos dela para as eleições municipais de 2016, Lula tem dito a aliados que não cogita lançar outro candidato que não Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo.

Pessoas próximas a Marta dizem que ela pode então deixar o PT a médio prazo para concorrer à sucessão na capital paulista por outra legenda.

Marta tomou posse na Cultura em setembro de 2012, no lugar de Ana de Hollanda. Já foi prefeita de São Paulo (2001 a 2004), deputada federal (1995 a 1998) e ministra do Turismo (2007 a 2008).

Sua substituta imediata na pasta é a secretária executiva Ana Cristina Wanzeler. Ainda não há nome para ser efetivado ao cargo de ministro.

Marta acumulou atritos com a presidente durante as eleições deste ano. Ela foi porta-voz do "Volta, Lula", movimento frustrado que tentou fazer o ex-presidente candidato ao Planalto no lugar de Dilma.

Durante carreata na zona sul de São Paulo, a então ministra se irritou ao saber que seu suplente no Senado, o vereador Antônio Carlos Rodrigues (PR-SP), era quem ocuparia seu lugar no caminhão reservado à presidente Dilma. Para Marta, estava reservada uma vaga em outro veículo.

A então ministra subiu no carro de Dilma mesmo assim. Antes, bateu boca com o presidente do PT, Rui Falcão.

Marta é a segunda a fazer críticas a Dilma nesta semana. Em entrevista à BBC, Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) afirmou que o diálogo da presidente com a sociedade foi falho no primeiro mandato.

ATRITOS NO PLANALTO

As rusgas entre Marta Suplicy e Dilma Rousseff: 

1 - "VOLTA, LULA"
Em meados deste ano, a então ministra da Cultura aderiu ao movimento, chegando até mesmo a promover um jantar de lançamento da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto. O gesto irritou Dilma

2 - FORA DO CLUBE
No primeiro turno, Dilma escalou Juca Ferreira, ex-ministro e secretário municipal de Cultura em São Paulo, para fazer a interlocução de sua campanha com artistas e elaborar propostas para o setor. Marta soube da notícia por terceiros

3 - CORO DOS DESCONTENTES
No Rio, em ato político com intelectuais e artistas para apoiar Dilma, Marta passou por uma situação constrangedora: a plateia, ao ouvir Lula mencionar o próximo titular do Ministério da Cultura, gritou o nome de Juca

4 - BRIGA POR ESPAÇO
Em setembro, durante uma carreata na zona sul de São Paulo, Marta se irritou ao saber que seu suplente no Senado, e não ela, ocuparia o caminhão reservado à presidente Dilma. Marta discutiu com o presidente do PT, Rui Falcão, e subiu no carro mesmo assim.

ANÁLISE DE ELIO GASPARI: 

Um teste para a doutora

Se Dilma quisesse mesmo fazer o 'dever de casa', veta-ria a reindexação das dívidas de Estados e municípios

Pelo andar da carruagem, a doutora Dilma sancionará o projeto aprovado há poucas semanas pelo Senado alterando a maneira de calcular as dívidas de Estados e municípios com a Viúva. É coisa de R$ 500 bilhões que deveriam ser devolvidos à União nos próximos 25 anos. O que o Congresso aprovou é uma farra. Sancioná-la significará substituir a Lei da Responsabilidade Fiscal, uma herança bendita do tucanato, pela prática maldita da irresponsabilidade fiscal.

No século passado Estados e municípios quebrados transferiram suas dívidas para a bolsa da Viúva e aceitaram um indexador para quitá-las. Agora, querem mudá-lo, para pagar menos. Com a nova metodologia, a União perderá R$ 59 bilhões de receita, R$ 1 bilhão em 2015. Isso num cenário em que, pela primeira vez desde que o Brasil voltou a ter moeda, o governo federal fechou um mês com deficit de R$ 15,7 bilhões. Mais: para melhorar sua contabilidade, o ex-ministro da Fazenda no exercício interino do cargo anuncia cortes nos programas de auxílio-desemprego, abono salarial e auxílio-doença.

Se a questão central fosse dar folga aos governadores e prefeitos, a solução já seria condenável, mas não se trata apenas disso. O Congresso já havia elevado o teto de endividamento permitido aos Estados e municípios. Era de 120% da receita líquida e passou a ser de 200%. Ou seja, quem deve e não quer cumprir o contratado está autorizado a dever mais.

A farra foi aprovada porque beneficia todos os devedores, mas há um elefante na sala. É a prefeitura petista de São Paulo, que herdou dívidas de R$ 62 bilhões de seus antecessores. Com a nova conta, passará a dever R$ 36 bilhões. A gracinha fará com que a União refresque as contas do mais poderoso município do país, abrindo mão de uma receita que é de todos. Com a novidade, São Paulo poderá tomar emprestados até R$ 4 bilhões.

Arrecadando menos, a União terá que equilibrar suas contas. Poderá cortar gastos ou buscar outras fontes de receita, precisamente o contrário daquilo que a doutora Dilma prometia durante a campanha.

A irresponsabilidade fiscal tem um componente político. Refrescando-se os devedores fatura-se imediatamente a simpatia de governadores e prefeitos, mandando-se o grosso da conta para as administrações federais vindouras. Esse foi um dos ingredientes da receita que levou o Brasil à "década perdida".

A "contabilidade criativa" produz dois tipos de vítimas. As primeiras são os Estados e municípios onde governadores e prefeitos evitaram dívidas ou quitaram honradamente seus compromissos. Fizeram papel de bobos. Depois virão os contribuintes. Eles pagarão à Viúva mais taxas e impostos, ou receberão menos serviços públicos. Em geral, acontecem as duas coisas. O comissário Fernando Haddad, que batalhou pelo ciclismo fiscal, está na Justiça lutando por um aumento do IPTU.

O comissário Miguel Rosseto acha que a aprovação do projeto pelo Senado foi uma "sinalização importante". Outros sinais também sugerem que a doutora Dilma sancionará a farra. Fará isso para satisfazer sua base pluripartidária e para irrigar a administração petista de São Paulo. Fala em fazer o "dever de casa", mas sempre poderá dizer que chegou atrasada ao dia da prova.

Fonte: Folha de S. Paulo

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