Três lições do conflito sírio para a agricultura Brasileira, por Daniel Meyer

Publicado em 21/03/2016 07:47
Daniel Meyer é engenheiro agrônomo

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de 250 mil pessoas já morreram na guerra civil síria desde o seu início em 2011. O conflito é frequentemente descrito como uma guerra sectária, envolvendo diferentes grupos étnicos que têm o apoio de diferentes países e interesse globais. No entanto, poucos conhecem que as causas subjacentes da guerra foi desencadeada anos antes, por uma série de fatores socioeconômicos e ambientais interrelacionados com a agricultura. Entre 2001 e 2010, o governo sírio aplicou um plano econômico rigoroso para modernizar o país, reposicionando recursos para o setor de serviços. Durante este período, meio milhão de pessoas do setor agrícola perderam seus empregos. Precisamente, a primeira cidade onde os protestos irromperam na Síria, na cidade de Dara’a, uma cidade predominantemente agrícola para cultivo de grãos (especialmente trigo e cevada), representa um bom exemplo do constrangimento. Ao mesmo tempo, a Síria enfrentou uma das piores secas em 40 anos, entre 2006 e 2010. A precipitação, em média, caiu mais de 60% numa região já bastante afetada por décadas de uso insustentável da água para irrigação. Milhares de agricultores, particularmente no nordeste da Síria, sofreram perdas em suas lavouras. A ONU estima que até 65 mil famílias rurais tiveram que migrar, apenas em 2009, para cidades como Damasco e Aleppo, catalisando ainda mais a pobreza, o desemprego, o radicalismo islâmico e outros problemas sociais.

A primeira lição que podemos aprender com a Síria é que devemos valorizar o papel da agricultura no desenvolvimento de um país. Ocupando mais de 30% do território nacional, a agricultura é uma das principais atividades da economia brasileira, respondendo por cerca de 20 a 25% do PIB. Enquanto a população urbana cresce, cada vez mais vamos depender de sistemas de produção eficientes e sustentáveis para o fornecimento de alimentos. Em 2030, porém, estima-se que apenas 10% da população brasileira vai viver e trabalhar no meio rural. No entanto, se o setor agrícola começa a desvanecer-se, ou cair sob estresses demográficos, ambientais ou climáticos, como na Síria, é certo que feedbacks negativos serão distribuídas para outros setores, com consequências imprevisíveis.

A segunda lição é que sistemas agrícolas ​​precisam ser produtivos, mas também responsáveis no uso dos recursos naturais. Em particular, devem ser apoiados por um quadro jurídico-institucional robusto. Mas como na Síria, a agricultura brasileira é um dos principais utilizadores de terra e água (com seis milhões de hectares irrigados). Igualmente, sua expansão será associada com o equilíbrio entre o crescimento econômico, impactos ambientais (desmatamento, consumo de água, perda de biodiversidade, gases com efeito estufa, salinização) e sociais (concentração de terra, emprego, renda). Má compreensão e gestão desses aspectos, e suas interdependências, ou ineficiência na execução da lei ou dos planos de mitigação das mudanças climáticas, podem não só reduzir a confiança do mercado, mas desencadear crises nas regiões mais vulneráveis.

A última lição nos diz que a transformação setorial da agricultura requer cooperação e difusão do conhecimento. Em um estudo recente, a Francesca de Châtel, da Universidade de Radboud, aponta as formas autoritárias do governo sírio de conduzir a crise hídrica e rural antes da guerra, a falta de colaboração e transparência, combinada com leis ambientais ambiciosas, mas nunca aplicadas, e corrupção, como fatores que induziram o colapso. Opostamente à Síria, iniciativas público-privadas e pesquisa têm sido significativas na aplicação das dinâmicas de produção e a inovação na agricultura brasileira. Entretanto, o próximo passo seria avançar rumo a sistemas agroalimentares mais resilientes, plataformas colaborativas e sistemas de certificação confiáveis, que ajudam gerar conhecimento, qualidade e transparência dentro da cadeia de suprimentos, apoiando todo o setor na transição para um agricultura mais sustentável no Brasil.

Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Tags:
Por:
Daniel Meyer
Fonte:
Alfapress

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

4 comentários

  • jmontanher Nova Londrina - PR

    A maior mediocridade no Brasil é o governo nomear incompetentes para estar à frete do Agronegócio Brasileiro... e esse tal querer aparecer e causar transtornos..., é só deixar os produtor trabalhar e cada um fazer a sua parte... tudo estaria indo bem.

    0
  • Carlos Massayuki Sekine Ubiratã - PR

    Essa questão de interferência do governo no setor produtivo é típica de regimes totalitários ou de inclinação totalitária que tem a ilusão de que podem controlar tudo. Conheço um que tentou controlar o setor petrolífero e o energético, com consequências que nem preciso comentar. O que vai impedi-los de tentar controlar a agricultura se continuarem no poder? E se os males dessa ingerência coincidirem com problemas climáticos. Não podemos correr esse risco. A estratégia de Moro tem sido acertada. Temos que ter em mente que não basta simplesmente impedir Dilma ou prender Lula. Antes, temos que desconstruir o mito Lula e junto com ele o PT. Dilma já está neutralizada e não representa perigo, mas prender Lula prematuramente pode ajudá-lo a encenar o seu papel predileto: o de vítima. Moro deve ter um caminhão de provas e evidências que comprometem mais ainda o molusco apedeuta, mas é preciso ter paciência. É preciso minar pouco a pouco a imagem de Lula e mostrar à sociedade, principalmente às pessoas mais simples, a quadrilha em que se transformou o PT. O caso nem é de simples corrupção, é crime organizado mesmo, no melhor estilo "cosa nostra" e tem que ser tratado como tal. É necessário, além de matar a cobra no ninho, eliminar o ovo da serpente.

    Fora Dilma!!! Fora PT!!!

    1
    • Carlos Massayuki Sekine Ubiratã - PR

      Ops! Comentário na notícia errada. É o sono.

      0
    • Carlos Massayuki Sekine Ubiratã - PR

      Tem alguém aí emendando um comentário no outro.

      0
    • Vilson Ambrozi Chapadinha - MA

      Concordo. Mas é isso que o Dr Moro esta fazendo.

      0
  • Joacir A. Stedile Passo Fundo - RS

    Sobre as "Três lições do conflito sírio para a agricultura Brasileira, artigo de Daniel Meyer", comento: Primeira Lição: de acordo; Segunda Lição: A terra utilizada na agricultura fica melhor e mais fértil com o decorrer do tempo e das tecnologias aplicadas. Quem não aplica, quebra! As leis ambientais são justamente um dos fatores que mais travam o progresso da nossa agricultura. Muita burocracia, muitos entraves, muitas taxas e muita dor de cabeça, levam muitas vezes o produtor a desistir! A água usada nunca é "consumida"! Ela nunca desaparece. A quantidade total de água existente no planeta é sempre a mesma. É usada pela planta e devolvida para a natureza! Perda de biodiversidade, gases de efeito estufa e salinização são retórica apenas! Sobre a Terceira lição: é pura conversa fiada! Se o nosso governo nos desse segurança jurídica e não nos atrapalhasse, já seríamos professores nessa aula.

    1
  • João Alves da Fonseca Paracatu - MG

    Daniel Meyer, seus pontos de vista são interessantes e esclarecedores..., duvido que a maioria sabia que a Síria tinha agricultura, ainda mais irrigada..., entretanto o senhor esqueceu de mencionar o maior problema da agricultura brasileira que é a legislação trabalhista, inaplicável, incoerente e injusta, pois privilegia os malandros que fazem dela fonte de renda (sendo que os advogados são os primeiros da fila, inventam uma série de irregularidades que você, mesmo provando o contrário, paga por elas), além disto desestimula o investimento em atividades com uso intensivo de mão de obra, estimula a mecanização e mesmo o pequeno e médio produtor estão loucos pra sair do campo... Em tempo, na minha opinião pagamento de serviços prestados deveria, em qualquer atividade, ser feito exclusivamente por produtividade... Saudações mineiras, uai!!!

    0
    • Breno Barbosa Villas Boas Palmas - TO

      Acrescentaria apenas duas obs aos bons comentários acima: 1) tão ou mais nocisa que a legislação trabalhista temos a legislação ambiental: além de ser a mais restritiva à atividade agrícola do mundo entre os grandes produtores de alimento, tampouco garante a preservação. Basta ver a ocorrência de incêndios nos parques...Outra coisa com relação ao artigo: o maior problema seria o feedback positivo, qdo o efeito é, efetivamente (e positivamente), retroalimentado.

      0
    • carlo meloni sao paulo - SP

      Realmente a legislaçao trabalhista e' muito parcial-----Por precauçao cada agricultor precisa investigar antes se o sujeito que procura trabalho nao criou

      encrencas trabalhistas antes---PRECISA PEDIR REFERENCIAS DO TRABALHO ANTERIOR COMO SE FAZ COM EMPREGADAS DOMESTICAS---Se todos fizessem isso as dores de cabeças seriam bem menores.

      0
    • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

      SENHORES... Onde não existe renda (dinheiro) tudo fica caro. Imagine... só imagine, que você é um Neymar e ganha uns R$ 5 milhões por mês. Você acharia caro um relógio de R$ 200 mil ? Veja que tudo é relativo... ao dinheiro que você tem no bolso. Então se você não tem o dinheiro e, nem a expectativa de colocá-lo no bolso, seu funcionário custa muito, o herbicida fica caro, o adubo, o inseticida, o fungicida, a peça do trator, da plantadeira, do pulverizador, da colhedeira e, por fim o óleo diesel. Aí da mulher se pedir que tem que trocar os móveis da sala ou da cozinha. Além dessas "considerações relativas", há muitas outras que estão elencadas na lembrança de cada produtor rural.

      0