Em VEJA: Novo Ministro da Fazenda defende transparência das contas públicas

Publicado em 27/11/2014 16:41 e atualizado em 28/11/2014 06:29
Em 1º discurso, Joaquim Levy fala tudo que o mercado quer ouvir

Em 1º discurso, Joaquim Levy fala tudo que o mercado quer ouvir

Ministro recém-nomeado acena para previsibilidade e transparência das contas públicas, além de cravar a meta de superávit

Marcela Mattos, de Brasília, e Luís Lima, de São Paulo
Novos Ministros são anunciados como equipe econômica do governo brasileiro, durante conferência da imprensa nesta quinta-feira (27), no Palácio do Planalto, em Brasília

Novos Ministros são anunciados como equipe econômica do governo brasileiro, durante conferência da imprensa nesta quinta-feira (27), no Palácio do Planalto, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)

Em discurso após sua nomeação oficial ao comando do ministério da Fazenda, Joaquim Levy parecia estar lendo o conteúdo do que seria uma atualização da "carta ao povo brasileiro". A jornalistas, ele falou tudo o que o mercado gostaria de ouvir e afastou temores sobre uma possível continuidade da atual política econômica, repetindo o que fez o ex-presidente Lula, em 2002, às vésperas das eleições, num intento de conter a saída de investidores do país. Levy acenou com uma mudança drástica na condução da política fiscal, afirmando que haverá mais transparência e previsibilidade — exatamente as duas palavras que ficaram longe do léxico do primeiro governo Dilma. O novo ministro chegou até mesmo a traçar a meta de superávit primário para o ano que vem, em 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). O número é factível, segundo ele, se os ajustes necessários forem levados adiante. Tal meta corresponde à economia que o governo deve fazer para pagar os juros da dívida.

A política fiscal foi o primeiro e principal ponto abordado pelo ministro, já que é o maior alvo de críticas da atual gestão petista. "O objetivo imediato do governo, da Fazenda, é estabelecer uma meta de superávit primário para os três próximos anos que seja compatível com a estabilização e o declínio da dívida bruta em relação ao porcentual do PIB, considerando o nível de reservas estável", disse. Em seguida, o futuro ministro cravou a perspectiva de superávit para 2015 e afirmou os objetivos para 2016 e 2017, de 2% do PIB. "Alcançar essas metas é fundamental para um aumento da confiança e criará bases para a retomada do crescimento da economia e da evolução dos avanços sociais", disse Levy, ressaltando que essa confiança é a "mola" para impulsionar o crescimento do país. 

Segundo o novo ministro, a Fazenda refirma o compromisso com a "transparência das ações", que inclui a divulgação de dados, especialmente das contas fiscais. "Temos a convicção de que a redução de incertezas sobre os objetivos do setor público sempre é um ingrediente importante para a tomada de risco por parte de empresas, trabalhadores e famílias, especialmente nas decisões de aumento de investimento, capital físico e humano", explicou. 

Questionado sobre a velocidade com que o ajuste fiscal será implementado a partir do ano que vem, o futuro ministro não quis se comprometer com prazos. "Não temos pressa para fazer um pacote relâmpago", disse. "Algumas coisas que vêm sendo discutidas, como diminuir despesas, isso pode ter seu curso, mas não temos nenhuma medida imediata para anunciar. Essa não é uma reunião de surpresas. É apenas uma apresentação", afirmou.

Levy afirmou que, primeiro, será preciso conhecer o desfecho da mudança do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que será votada na próxima semana, para avaliar os caminhos para a excecução dos ajustes. Ele reconhece que será preciso avaliar as atuais condições econômicas, levando em conta as consquências das medidas que já foram tomadas pelo governo. E que só assim será possível perseguir as metas propostas.

O ministro se esquivou quando questionado sobre o nível de autonomia que a presidente Dilma lhe dará. Afirmou que "o objetivo é claro e os meios, conhecidos", e que "há um grau suficiente de entendimento de equipe" para implementar as medidas necessárias. Sobre a possibildiade de assumir a presidência do conselho de administração da Petrobras, assim como seu antecessor, Guido Mantega, Levy disse que seria preicipitado se manifestar sobre o tema.

Planejamento — O pronunciamento de Nelson Barbosa, novo ministro do Planejamento, foi mais breve e, de certa forma, laudatório ao atual governo. O economista dedicou boa parte de seu discurso para fazer afagos à presidente Dilma Rousseff e à antecessora Miriam Belchior. E não poupou agradecimentos pela indicação à pasta. “Muito obrigado, presidente. Esteja certa de que dedicarei toda a minha energia e meu esforço para honrar sua confiança e contribuir para o desenvolvimento do nosso país”, disse Barbosa. O ex-secretário-executivo da Fazenda também disse ser uma “grande honra” suceder Miriam Belchior, “amiga de longa data que com sua liderança conduziu o Ministério de forma exitosa nesse período do governo”.

Barbosa prometeu trabalhar em conjunto com os demais membros da equipe econômica para fazer um controle rigoroso da inflação e manter a estabilidade fiscal e a geração de empregos no país. Para ele, o desafio mais imediato é a adequação da proposta orçamentária do próximo ano ao novo cenário macroeconômico e ao objetivo de elevação do superávit primário citado por Levy.

O novo ministro informou ainda que vai assumir a coordenação dos Programas de Investimento do Governo Federal e que vai buscar desenvolver e ampliar nos próximos anos as parcerias público-privadas e as fontes alternativas de financiamento público e privado de longo prazo. “Gostaria de destacar que trabalharei especialmente em iniciativas para aumentar a taxa de investimento e a produtividade da nossa economia, de modo a possibilitar o crescimento mais rápido da renda per capita com estabilidade monetária”, disse.

 

Joaquim Levy: prazo de validade (por Geraldo Samor)

A nação petista acorda hoje para encarar o seu D-Day econômico: os ‘inimigos’ chegaram ao palácio e agora estão no Poder.Joaquim Levy

A invasão da Normandia estagnada e deficitária começou com as ideias anfíbias de iluminismo fiscal e hoje avança praia acima liderada pelos generais da ortodoxia (uns com mais estrelas do que outros): o Comandante Levy, do Exército da Cidade de Deus, o General Barbosa, a consciência crítica do Antigo Regime e, na retaguarda, o Almirante Tombini, conhecido por manobrar o leme monetário ao sabor dos ventos.

Metáforas militares à parte, o debate que cerca a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda — o cargo que Dilma Rousseff acumula com a Presidência — é sobre a sinceridade de propósito de Dilma de abandonar aquela cadeira, bem como seu grau de convencimento a respeito do que precisa ser feito.

Trata-se de um debate com inúmeras questões, e é provável que o sistema Cantareira seque por completo antes que o mercado tenha todas as respostas que busca.

A primeira pergunta na cabeça dos investidores é se a Presidente entende a fragilidade da economia, o contexto internacional e o que está em jogo. Dado que a candidata Dilma passou a campanha negando as vulnerabilidades brasileiras e atribuindo o crescimento zero à “grave crise internacional”, é uma dúvida legítima.

Ainda assim, há motivos para crer que a ficha já caiu. De acordo com uma fonte com acesso ao Palácio, Dilma foi convencida de que duas crises gêmeas se avizinham: a política, com as ramificações da Lava Jato chegando mais dia menos dia ao Congresso, e a econômica, também uma questão de tempo dada a fragilidade das contas fiscais e a proximidade da alta de juros nos EUA. A Presidente sabe que será impossível sobreviver à primeira se não tiver a segunda sob controle.

Também parece lógico que Levy, um técnico sério, discreto e respeitado, só aceitou o convite porque viu condições de trabalhar com Dilma. Essas ‘condições’ são sinônimo de um arrocho clássico? Devagar com o andor que a Levyana é de barro. Provavelmente, Levy assumirá anunciando medidas com um horizonte de três anos – um ajuste com credibilidade, mas feito de maneira gradual. Esse é o denominador comum mais provável entre o Chicago boy e a presidente que acredita em política industrial.

Finalmente, para Dilma, não faria sentido pagar o preço político da nomeação de Levy se não fosse para obter os dividendos econômicos (de médio e longo prazo) do ajuste a ser feito por ele. Ajuste que, juram os economistas, deve ser menos doloroso dada a credibilidade pessoal do próprio.

Não bastassem as dúvidas sobre as convicções de Dilma, setores do mercado não estavam preparados para o realismo fiscal repentino da Presidente. A confirmação de Levy já ajudou a Bolsa e fortaleceu o Real, mas veio num momento em que boa parte dos gestores estão comprados no kit catástrofe: abraçados no dólar e com muito caixa na mão. (Pelo menos dessa ironia os petistas poderão rir.)

A situação é a daquele provérbio americano: “Cuidado com o que você deseja: você pode acabar conseguindo.”

É verdade que o grande ‘rali Levy’ por enquanto se manifestou mais nos juros do que na Bolsa. Desde que o Planalto vazou o nome de Levy na sexta passada — dois dias depois de avisarmos aqui — as taxas dos juros futuros (janeiro 2017 e 2021) fecharam brutalmente. No mesmo período, a Bovespa subiu só 3,7% em reais — os investidores internacionais estão ainda mais felizes: em dólar, ela já sobe 6,4%.

A última e mais importante pergunta: qual é o prazo de validade deste “neopalocci” na cadeira que Guido Mantega manteve quente durante oito anos de viagras setoriais, criatividade fiscal eembromation opiniático?

Levy fica um ano e pede o boné por não aguentar a chefe?

“A Dilma foi no médico e ele mandou ela tomar um comprimido e fazer repouso. Ela já concordou em tomar o comprimido, mas depois de duas horas na cama ela vai resolver levantar, dar uma arejada,” diz um investidor cético em relação à capacidade da Presidente de manter a disciplina. “Nessas duas horas, todo mundo vai estar acreditando que tá tudo no caminho certo…”

Diz uma fonte que conhece Levy: “O Joaquim é um cara que estudou e vai aplicar aquilo que ele estudou, o que tem que ser feito. É simples assim.. Não adianta vir dizer, ‘Aí não, Joaquim, se você fizer isso vai dar problema…’ Não! Ele não quer saber.”

Um outro investidor diz que as juras de amor à ortodoxia vão durar um ano — no calendário. “Ela só precisa de um ano para atravessar essa iminência de crise.. Depois…”

Dilma RousseffO investidor da metáfora do comprimido e do repouso vaticina: “Ou ele vai brigar com ela ou ele vai ceder a ela.”

O que dá a cruza entre uma microgerenciadora que não ‘compra’ o funcionamento dos mercados com um homem tímido, lacônico e treinado para saber que não existe almoço grátis?

O Brasil está prestes a descobrir.

Mas apesar do ceticismo dominante e de todos os questionamentos legítimos, há, aqui, um fato indisputável: a Presidente cujo voluntarismo nos legou uma economia em ‘estagflação’ a) deu uma banana para a candidata Dilma; b) ousou nomear o “inomeável”; c) surpreendeu mesmo os observadores mais otimistas, e parece, finalmente, estar pronta para anunciar medidas. Não se trata de dar a ela o benefício da dúvida, mas dos fatos.

Se Levy fizer anúncios razoáveis e transmitir a credibilidade que se espera, os mercados vão responder. Os investidores internacionais serão os primeiros a comprar a nova narrativa. Mais removidos do calor do debate político doméstico, eles tendem a reagir com mais rapidez às manchetes que sinalizam o ajuste. O fluxo dos gringos ‘faz o preço’ no mercado, e, com o tempo, acaba forçando a mão dos investidores locais, por enquanto convencidos de que nada disso é real — e que, se é, não terá vida longa.

Por Geraldo Samor

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Fonte:
veja.com

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