Na FOLHA: Com Levy, o desmanche da economia de Dilma 1

Publicado em 28/11/2014 05:30 e atualizado em 28/11/2014 10:37
por VINICIUS TORRES FREIRE

VINICIUS TORRES FREIRE

O desmanche da economia de Dilma 1

Com cautela e em termos ainda genéricos, novos ministros lançam manifesto de mudança

O CLIMA NÃO ERA de fim dos tempos nem de fim de mundo, mas os novos ministros da economia anunciaram o fim de um mundo numa entrevista coletiva com jeito de tempos de crise.

Enfatizando com razão que não há crise nem sangria desatada, Joaquim Levy e Nelson Barbosa, no entanto, anunciaram a operação desmanche da política econômica vigente mais ou menos desde 2010 e, sem dúvida, da sua versão mais extremada, que se viu a partir de 2012.

Caso a presidente resolva revogar esse programa de mudanças, ainda genérico, mas de sentido claro, vai arrumar encrenca para si própria e abalar humores econômicos.

Houve cautela, manifesta até no fato de Levy, Barbosa e Tombini lerem suas apresentações, a fim de evitar deslizes e desafinações. Mas a mensagem foi inequívoca. Dizer que vai haver superavit fiscal a partir de 2015, miudinho, o possível, e saldo nunca inferior a 2% do PIB a partir de 2016 foi pouco e óbvio.

Levy, em especial, foi curto e, se não foi grosso, foi denso, com um recado em cada sentença.

A fim de evitar o crescimento da dívida pública, "o superavit primário do setor público deve alcançar 2% do PIB ao longo do tempo, desde que não haja ampliação do estoque de transferência do Tesouro para os bancos públicos".

Não resta muita dúvida. A mensagem principal é "vamos dar um jeito de evitar que o governo continue a se endividar a fim de emprestar dinheiro caro a taxas baratinhas para os bancos públicos" (que reempresta tais fundos para empresas, como o faz o BNDES, mas não apenas). A mensagem secundária é, caso persistam tais empréstimos, o superavit terá de ser maior.

Maior e preto no branco. Tanto Levy quanto Barbosa prometeram claramente que acabou a era das maquiagens das contas do governo.

De passagem, Levy pediu apoio do Congresso para reformas microeconômicas, coisa que praticamente caíra em desuso nos governos petistas desde 2006 ou 2007. Barbosa disse que vai se dedicar, entre outras tarefas, a limpar a burocracia que emperra os negócios do setor privado. Ambos afirmaram que vão dar um jeito de incentivar o investimento privado e o financiamento desses novos empreendimentos no mercado de capitais (de novo, menos BNDES).

Ou seja, promete-se um programa de reformas, mudanças institucionais que removam empecilhos para o crescimento de médio a longo prazo.

"Reformas" não é um termo de sentido unívoco e não implica necessariamente mudanças "liberais". Mas sempre redundam em conflitos, pois mexem em vespeiros de interesses entrincheirados.

Não vai haver pacote, ressaltaram e enfatizaram. "Não estamos aqui em nenhuma agonia, (a transição) é uma maneira boa de a gente lidar com os desafios do novo governo", disse Levy. Mas vai haver, promete-se, desmanche da política econômica de curto prazo de Dilma 1 (gastos do governo, juros, inflação, crédito). Note-se que política de curto prazo, de estabilização, é apenas uma parte e/ou um momento das políticas econômicas.

De qualquer modo, os novos ministros fizeram um "manifesto dos economistas pela mudança", que não será pequena, se levada a cabo.

 

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Lula, Dilma e a porta do inferno

Em 2002, Palocci mostrou a Lula as portas do inferno; algo parecido deve ter acontecido agora com Dilma

No final da campanha para as eleições presidenciais de 2002, reza a lenda, o futuro ministro Antonio Palocci pegou o candidato pelo braço e mostrou a ele as portas do inferno, ou melhor, os preços negociados nos mercados futuros da BM&F.

Segundo ele, com o dólar acima de R$ 4,00, as projeções de inflação superando 15% ao ano e as cotações das principais ações brasileiras no chão, o futuro governo petista morreria antes de começar a governar.

Lula entendeu o recado dos pregões da BM&F --a maior e mais líquida Bolsa de Futuros do mundo emergente--, mudou seu discurso e publicou a famosa Carta ao Povo Brasileiro.

Algo parecido deve ter ocorrido agora com a presidenta Dilma. Sem a confiança dos principais agentes econômicos, e com as nuvens no horizonte político carregadas pelo escândalo da Petrobras, a repetição do fracasso do primeiro mandato na economia seria mortal para seu governo. Talvez tenha sido a porta do inferno político --mais do que a BM&F-- que tenha obrigado Dilma Rousseff a romper com suas convicções econômicas.

Mas é importante qualificar as mudanças de agora para que não se criem expectativas falsas em relação a esses dois episódios marcantes da história recente da política no Brasil. Quando Lula mudou seu discurso e entregou a Meirelles e Palocci o comando da economia, o crescimento chinês começava a chegar à economia brasileira via o canal dos preços de nossos principais produtos de exportação.

Além dessa força expansionista externa, a economia brasileira tinha vários segmentos importantes com elevada capacidade ociosa, o que permitia um ganho rápido de produtividade caso houvesse uma expansão vigorosa da demanda.

O desemprego de mais de 12% da população economicamente ativa --PEA-- garantia um mercado de trabalho favorável às empresas, com muito pouca pressão por maiores salários. O volume de crédito na economia era muito baixo, principalmente no segmento de financiamento aos bens de consumo.

Nossa infraestrutura econômica --portos e estradas, principalmente-- não tinha sinais de congestionamento. E, finalmente, a valorização do real ante ao dólar, em razão do rápido ajuste de expectativas, provocou um choque de deflação via os produtos precificados em dólares, fazendo com que a inflação convergisse, sem grandes esforços do Banco Central, na direção do chamado centro da meta.

A conjuntura econômica no segundo mandato da presidenta Dilma será completamente diferente da encontrada por Lula em 2003. O mercado de trabalho está ainda muito pressionado, com a taxa de desemprego na mínima histórica, e a China de hoje nada tem de semelhante com a existente nos anos Lula.

O consumidor brasileiro está endividado, com pouco espaço para alavancar sua renda pessoal.

Finalmente, a inflação estará acima dos 7% ainda na primeira metade de 2015 depois dos ajustes que serão feitos em preços controlados importantes.

Os primeiros dois anos do segundo mandato de Dilma serão de ajustes importantes --recessivos, como gostam de carimbar os economistas do PT jogados agora na oposição ao governo-- e que na melhor das hipóteses manterão a economia crescendo algo perto de 1% ao ano.

A única força de expansão que estará atuando será um ajuste positivo na expectativa de consumidores e empresas, pois estavam todos esperando uma catástrofe que agora não virá. Mas esse ajuste não virá de imediato, pois muitos vão trabalhar com a hipótese de vida curta para o ministro das mãos de tesouras.

Por essas razões a mudança inesperada da política econômica --de forma diversa da ocorrida com Lula em 2003-- encontrará desafios mais difíceis e exigirá da equipe econômica muito bom senso para não exagerar na dose de ortodoxia. De qualquer forma, temos que receber as decisões tomadas pela presidenta com palmas e esperar que ela tenha sucesso na sua empreitada.

Talvez fosse mais fácil, para um analista como eu, jogar no time de que tudo vai dar errado e continuar a apostar no caos. Mas não me parece a atitude correta neste momento, até porque a probabilidade de sucesso é bem maior do que o mercado financeiro vem precificando.

 

Levy promete aperto nas contas e fim de repasses a bancos públicos

Confirmado ontem como futuro ministro da Fazenda, economista só assumirá após transição

Economia de gastos --o chamado superavit primário-- será de 1,2% do PIB em 2015 e 2% nos dois anos seguintes

DE BRASÍLIA

A nova equipe econômica, oficializada nesta quinta-feira (27), deixou claro sua linha geral de trabalho: ajuste gradual e crível das contas, fim das transferências de recursos do Tesouro para bancos públicos, transparência e reequilíbrio da economia como condição para manutenção das políticas sociais.

O plano geral foi enunciado em entrevista por Joaquim Levy, anunciado como futuro ministro da Fazenda --como antecipado na sexta passada (21) por Vera Magalhães, editora do "Painel"--, Nelson Barbosa, futuro ministro do Planejamento, e Alexandre Tombini, mantido no comando do Banco Central.

Só Tombini está no cargo --haverá um período de transição para montar o ajuste das contas públicas e tentar passar no Congresso a lei que dispensa o governo de cumprir a meta fiscal deste ano.

Assumindo o papel de líder do grupo, Levy anunciou que a economia de gastos para pagamento da dívida pública, o chamado superavit primário, será de 1,2% do PIB em 2015 e de no mínimo de 2% nos dois anos seguintes.

"Alcançar essas metas é fundamental para o aumento da confiança na economia brasileira e criará a base para a retomada do crescimento econômico e a consolidação dos avanços sociais."

A nova meta fiscal para o próximo ano é menor do que a definida pela equipe do atual ministro Guido Mantega, que era de 2% a 2,5%, considerada neste momento impossível de ser atingida.

A redução faz parte da estratégia da nova equipe de só trabalhar com metas que serão cumpridas e garantir transparência das contas públicas, buscando retomar a credibilidade do governo.

"Esse compromisso [de transparência] é fator indispensável", afirmou Levy.

A falta de confiança do empresariado e dos consumidores na política econômica do governo é apontada como um dos principais motivos para o baixo crescimento da economia brasileira, que deve ficar perto de zero em 2014.

Mirando outra crítica do mercado financeiro, Levy destacou que o "objetivo imediato do governo" é definir uma meta fiscal para os próximos três anos visando reduzir a dívida bruta do setor público, em alta nos últimos anos, e não mais a dívida líquida, como se faz agora.

Para isso, o novo ministro da Fazenda indicou o fim de repasses de recursos do Tesouro para os bancos públicos, iniciados no governo Lula e estendidos por Dilma para tentar impulsionar investimentos --sem sucesso.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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1 comentário

  • Telmo Heinen Formosa - GO

    Que utilidade tem o ridículo cálculo de um "Superavit Primário" calculado ou estimado de 1,2% em 2015 e 2,0% em 2016 sobre o PIB? Só pode ser que é para fazer demagogia. Para o povo em geral seria muito mais útil e inteligivel que o Governo estabelecesse um percentual de economia que pretende fazer sobre a arrecadação de impostos. E o pior é que ninguém contesta, quase ninguém fica indignado com esta lábia que eles ficam aplicando em nós...

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