Janot esteriliza discurso de vítima de Lula (ANÁLISE DA FOLHA)

Publicado em 03/05/2016 22:15
por IGOR GIELOW

No momento de maior baixa política do PT no poder, às vésperas do previsível afastamento da presidente Dilma Rousseff, a Operação Lava Jato atingiu em cheio o último esteio político do partido há 13 anos ocupando o Palácio do Planalto: Luiz Inácio Lula da Silva.

Com dois golpes, a acusação direta de ser osustentáculo do petrolão e a denúncia por crime ao Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, abre espaço para o golpe de misericórdia contra o ex-presidente.

Lula já vem sendo investigado pela Lava Jato, mas o jogo agora é outro. Será muito difícil aqui os petistas acusarem algum tipo de ofensiva partidária ou personalista comandada pela figura do juiz Sergio Moro ou pela força-tarefa da apelidada República de Curitiba.

O golpe duplo ocorre quando Lula dava sinais de que seu gás para a defesa de Dilma havia acabado. A rouquidão que o afastou da defesa da pupila no palanque do 1º de maio soou, para muitos aliados em Brasília, como uma senha de que o petista iria cuidar de seu futuro.

Presidenciável que restou ao PT, agora ele corre o risco de virar réu no Supremo, algo inédito para uma figura de sua estatura política. E potencialmente fatal para suas pretensões.

Se Dilma tentou fazer de Lula ministro da Casa Civil para que não caísse na malha de Moro, agora Janot elimina qualquer vantagem hipotética do foro privilegiado –e só fala aqui de um dos inúmeros inquéritos do petrolão, o que apura a tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

Desde que foi levado para depor pela Polícia Federal sob as ordens de Moro, em março, Lula tem arregimentado apoios com o discurso da perseguição. Na segunda (2), a PGR colocou no rol dos pedidos de investigação da Lava Jato o presidente tucano, Aécio Neves, e boa parte da cúpula do PMDB que chegará ao poder com o afastamento de Dilma.

Agora vêm as acusações formais da Procuradoria, que obviamente terão de ser avaliada pelo Supremo se procedentes –e, caso sejam, ainda dará curso a longo processo legal, com amplo direito ao contraditório. Isso na Justiça. Politicamente, o discurso de vitimização de Lula vai sendo esterilizado.

Se o petista foi flagrado em telefonema de março chamando Janot de "ingrato" por investigar o governo que o indicou ao cargo, imagina-se o que está a dizer agora.

 

Janot denuncia Lula e o quer em outro inquérito; Zavascki, Gilmar, Toffoli, Celso e Carmen decidem se petista será réu (POR REINALDO AZEVEDO, VEJA)

O cerco vai se fechando contra Luiz Inácio Lula da Silva. Que coisa, né? No dia 16 de março, Dilma nomeava o Babalorixá de Banânia ministro da Casa Civil, e ele prometia desembarcar em Brasília e botar pra quebrar. Era O Fortão do Bairro Peixoto. Um mês e meio depois, a presidente está prestes a deixar o Palácio do Planalto — e ela sabe que é pra sempre —, e Lula está a um passo de se tornar, oficialmente, réu. O chefão petista começa a se complicar em duas frentes.

Primeira frente: a denúncia
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, resolveu incluir Lula na denúncia apresentada ao STF em dezembro contra do senador Delcídio do Amaral e André Esteves, no inquérito que apura a compra de silêncio de Nestor Cerveró, que estava, então, prestes a fazer um acordo de delação premiada.

Além de Lula, foram denunciados também José Carlos Bumlai e Maurício Bumlai, seu filho, ambos amigos do ex-presidente.

Com base no testemunho de Delcídio e, segundo Janot, em outros elementos, ficou claro que Lula é que coordenava a operação de compra do silêncio de Delcídio. Escreveu o procurador:
“Embora afastado formalmente do governo, o ex-presidente Lula mantém o controle das decisões mais relevantes, inclusive no que concerne as articulações espúrias para influenciar o andamento da Operação Lava Jato, a sua nomeação ao primeiro escalão, à articulação do PT com o PMDB, o que perpassa o próprio relacionamento mantido entre os membros deste partidos no concerta do funcionamento da organização criminosa ora investigada (…). Essa organização criminosa jamais  poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse”.

Segunda frente: inquérito
Além da denúncia, há outra complicação. Entre os mais de 40 inquéritos da Lava-Jato, o maior apura crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção, praticado por aquilo que Janot chama “organização criminosa”, que atuava dentro da Petrobras.

Já há 39 investigados. Janot solicitou a Teori Zavascki que sejam incluídas na lista, atenção, o próprio Lula, Jaques Wagner (assessor especial de Dilma), Edinho Silva (ministro da Secom), Ricardo Berzoini (ministro da Secretaria de Governo), Paulo Okamoto (presidente do Instituto Lula) e mais 26 pessoas. Ao todo, o inquérito terá 69 investigados.

Constam da lista, o senador Jáder Barbalho (PMDB-PA) e os deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Eduardo da Fonte (PP-PE), Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), André Moura (PSC-SE), Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), Altineu Cortes (PMDB-RJ) e Manoel Júnior (PMDB-PB).

Também integram o grupo uma batelada de ex-alguma coisa: ex-deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN); os ex-ministros Erenice Guerra e Antonio Palocci (ambos ex-chefes da Casa Civil nos governos Lula e Dilma, respectivamente); o ex-ministro Silas Rondeau (que comandou Minas e Energia no governo Lula); e o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli.

Só para registro: todo o inquérito do mensalão chegou ao fim com 39 réus. Apenas um dos inquéritos da Lava Jato investiga 69 pessoas.

No caso desse inquérito gigante, Zavascki decide sozinho quem incluir e quem não incluir.  No caso da denúncia, e a Segunda Turma do Supremo que vai dizer se Lula vira réu ou não: além de Zavascki, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Celso de Mello e Carmen Lúcia.

 

As consequências econômicas de Dilma

Por ALEXANDRE SCHWARTSMANN

O governo Dilma é o pior da República, talvez o pior da história. Não é fácil receber um país crescendo decentemente, contas públicas razoavelmente em ordem (com tarefas a cumprir, registre-se), histórico de inflação ao redor da meta, contas externas controladas e, em meros quatro anos, demolir esse legado, construído ao longo de mais de uma década por vários governos.

Não é por outro motivo que sua administração, assim como seus cúmplices, tem imensa dificuldade para assumir a responsabilidade pelo desastre. Originalmente a desculpa era a crise externa, convenientemente deixando de lado que o crescimento mundial de 2011 a 2014 foi igual ao registrado nos quatro anos anteriores, enquanto a relação entre os preços das coisas que exportamos e as que importamos (os termos de troca) foi a melhor da história recente, algo como 24% superior à sua média de 38 anos.

A desculpa agora é a oposição, que não teria compactuado com "as propostas de ajuste das contas públicas", eufemismo para aumento de impostos, em particular a CPMF. Nas palavras da presidente, os opositores "são responsáveis pela economia brasileira estar passando por uma grande crise".

Nada é dito, claro, sobre o aumento dos gastos observado sob seu governo, muito menos sobre seu papel no extermínio (em 2005, ainda no governo Lula) da proposta de ajuste fiscal de longo prazo, formulada pela equipe de Antonio Palocci e fulminada por ela como se fosse uma "proposta rudimentar" sob o argumento de que "gasto corrente é vida".

Pelo que me lembro, também não foi a oposição quem baixou, na marra, as tarifas de energia, medida elogiada à época por ninguém menos que Delfim Netto, o mesmo que hoje reconhece o erro da política, apenas se esquecendo de dizer que estava entre os que a aplaudiram.

Desconheço também qualquer papel da oposição na decisão de aumentar o volume de crédito do BNDES em R$ 212 bilhões (a preços de hoje) entre 2010 e 2014, valor integralmente financiado por créditos do Tesouro Nacional, que se endividou no mesmo montante para beneficiar um punhado de setores e empresas selecionadas por critérios muito pouco transparentes.

Da mesma forma, a oposição não parece ter sido ouvida quando o governo decidiu segurar artificialmente os preços dos combustíveis, levando não apenas a Petrobras a uma situação delicada do ponto de vista de seu endividamento (limitando assim sua capacidade de investimento) como também, de quebra, desarticulando o setor sucroalcooleiro.

A lista poderia se estender ainda mais, tendo como fator comum a ausência de deliberação da oposição em decisões que, ao final das contas, caíam todas na esfera governamental. Não deve restar dúvida de que há um único responsável pelo desastre econômico em que o país se encontra: o governo federal, sob comando da presidente Dilma Rousseff.

E que não se exima o PT, que apoiou entusiasticamente a política econômica (assim como os keynesianos de quermesse que hoje fingem não ter nada a ver com assunto), mas se opõe ferozmente às tentativas de corrigir a Previdência ou atacar vinculações orçamentárias.

A oposição não é grande coisa, mas há apenas um culpado pela crise: o atual governo, presidente à frente e PT no apoio. O resto é apenas covardia e (mais) mentira para a campanha de 2018.

 

A Petrobras não quer socorro

Por VINICIUS TORRES FREIRE

A conta da dívida pública deixada pelo governo Dilma Rousseff vai ser maior do que aparece nas estatísticas já horríveis, estimam economistas de peso e a cúpula de alguns dos maiores bancos do país.

Quem prevê desastre adicional crê que será preciso cobrir rombos na Petrobras, na Caixa e nos Estados, para ficar em exemplos maiores.

A direção da Petrobras tem negado publicamente e com ênfase que pretenda recorrer ao Tesouro a fim de reduzir seu endividamento dramático. A conversa na empresa não mudou. Mesmo com a eventual mudança do governo, não há intenção alguma de pedir dinheiro com o objetivo de acelerar o refazimento da petroleira. Ao contrário.

A conversa na Petrobras é fazer com que a empresa viva com os próprios meios, corte custos, venda patrimônio e enfrente vencimentos de parcelas de dívidas que serão crescentes até 2019. Acredita-se por lá que o endividamento relativo da empresa (dívida em relação à receita) pare de crescer neste ano.

Por enquanto, a empresa não trabalha com mudança de planos. Não houve conversa formal alguma com o governo de transição virtual de Michel Temer.

Mas, tanto no comitê temerista como na petroleira, se diz que "houve um recado" de que, por enquanto, não há previsão de mexer na cúpula da Petrobras. O trabalho de reestruturação estaria sendo bem avaliado, dizem temeristas, e "não convém intervir, sem mais" em "algo complexo".

Por que a Petrobras não quereria dinheiro do governo? Porque tal presente faria a petroleira relaxar na disciplina da restruturação que, diz-se por lá, pretende transformá-la em uma empresa capaz de caminhar com as próprias pernas no mercado.

No entanto, o rumor da capitalização perdura. Em miúdos simples, capitalização significa aumentar o tamanho da empresa. Vendem-se mais ações, o governo compra um tanto (injeta dinheiro); acionistas privados podem comprar outro.

Em tempos não muito anormais, acionistas detestam esse tipo de coisa, pois têm de colocar mais capital na empresa caso queiram evitar que se reduza sua fatia nas ações. Devem gostar menos ainda depois de escaldados pelos anos Dilma, pois a empresa foi governada à matroca até 2014, sujeita a intervenções loucamente arbitrárias e ruinosas, e enfim, não tem distribuído lucros.

O economista Armínio Fraga, por exemplo, acredita que é difícil evitar um recapitalização da empresa. Foi o que disse em entrevista no programa "Roda Viva", da TV Cultura, na segunda-feira (2).

A dívida da Petrobras cresceu brutalmente nos anos Dilma. Em 2010, a dívida líquida da empresa equivalia a uma vez o Ebitda (grosso modo, dinheiro que entra, receita antes do abatimento de juros, impostos, depreciação e amortização), um indicador convencional de endividamento. Ao final de 2015, a dívida líquida chegou a R$ 392 bilhões. A relação dívida líquida/Ebitda saltara para mais de 5 vezes. Noutra medida convencional aceita pela praça, essa relação fica suspeita de grande demais quando passa de 3.

O plano é fazer com que a Petrobras reduza a sua dívida até esse limite de suspeição lá por volta de 2019 ou 2020. Mas a empresa pretende "deixar claro" que a tendência será de queda do endividamento, a partir deste ano.

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O conjunto da obra (por MARCELO COELHO)

Foi kafkiano. Dois especialistas contrários ao impeachment (Ricardo Lódi, da UERJ, e Geraldo Prado, da UFRJ) abriram com exposições extremamente técnicas a sessão de ontem da Comissão Especial do Senado encarregada de examinar o afastamento de Dilma Rousseff.

Para Prado, no processo do impeachment não há como empregar termos como "crime", "responsabilidade", "dolo" ou "culpa" no sentido com que geralmente os entendemos.

Dilma assinou decretos permitindo gastos sem autorização do Legislativo: é o que diz o pedido do impeachment. Mas não é bem assim, argumentou Prado. Um decreto autorizando gastos é um ato complexo de governo, dentro de uma estrutura burocrática. Sua assinatura não pode ser considerada uma "ação" no sentido do direito penal; tratou-se apenas de "ação neutra".

Ele deu o exemplo. Um dos decretos autorizava gastos para melhorar o sistema de armazenamento de dados na Justiça Eleitoral. O pedido vinha do Judiciário, portanto, com a chancela do presidente do Conselho Nacional de Justiça. Outro gasto se referia a reformas no fórum da cidade de Pedro Leopoldo (MG). O pedido era acompanhado de 18 laudos técnicos.

Seria absurdo imaginar que a presidente da República tinha algum "propósito criminoso" ao assinar documentos desse tipo, argumentou Prado. E não haveria como dizer que tais gastos afetavam a realização da meta de superavit fiscal.

"Mágica jurídica", reclamaria Álvaro Dias (PV-PR), diante dos argumentos de Lódi e Prado. Eles repetiam, sem dúvida, pontos já lembrados pela defesa de Dilma em outras ocasiões. Mas estabeleciam com mais detalhe, entretanto, a dimensão realmente diminuta dos atos presidenciais que justificariam o pedido de impeachment.

"É como aplicar quimioterapia para tratar de um resfriado", disse o ex-presidente da OAB, Marcelo Lavenère, também convidado para a sessão.

Contrário ao impeachment de Dilma, foi ele quem encaminhou o pedido de afastamento de Fernando Collor em 1992. Sua exposição, bastante genérica, traçou um paralelo entre as duas situações históricas.

Ninguém defendia Collor nas ruas naquela época, disse Lavenère. Hoje o que se pretende é destruir um "projeto" em prol dos mais pobres –e o impeachment de Dilma, sugeriu, tem apoio financeiro dos Estados Unidos. Mais tarde, Lavenère defenderia o aumento da dívida pública e as pedaladas como um gasto "pelo bem do povo".

O descompasso entre esse tipo de apelo e os argumentos legais sobre responsabilidade fiscal era desnorteante.

Tome-se o caso dos atrasos do governo no pagamento do Plano Safra ao Banco do Brasil. Seria isso o equivalente a uma operação de crédito, coisa vedada em lei? Nunca, disseram os especialistas.

Primeiro, pagar não era responsabilidade de Dilma Rousseff; segundo, não havia prazo legal para o pagamento; terceiro: um mau pagador não é criminoso, não roubou ninguém; quarto, o que o governo devia para o Banco do Brasil não era sequer o dinheiro de um empréstimo, mas sim a quantia necessária para compensar o BB, que empresta dinheiro a agricultores com juros mais baixos do que o mercado.

Quem não teve medo de números foi o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO): com gráficos coloridos, mostrou de que modo o governo Dilma suspendeu gastos nos primeiros meses de 2015, e como no terceiro trimestre depois estourou todas as previsões. Daí surge, argumentou, uma situação em que agora se corta todo tipo de gasto social, com milhões de desempregados e inflação desmedida.

Era, de volta, o tema do "conjunto da obra", pelo qual Dilma Rousseff vai também sendo julgada.

Decretos não autorizados e pedaladas continuam, entretanto, a complicar o debate, com poucas pessoas (mesmo entre os senadores) capazes de ter opinião clara e embasada sobre isso.

 

A farra petista no Fies (ELIO GASPARI)

O comissário Aloizio Mercadante anunciou que o Ministério da Educação estuda a elevação de 2,5 para 3,5 salários mínimos (de R$ 2.200 para R$ 3.080) do teto de renda familiar para o acesso de jovens ao financiamento público de seus cursos universitários. É uma proposta desonesta, baseada em argumentos falsos, destinada a beneficiar empresários afortunados.

A proposta é desonesta porque se a elevação do teto fosse necessária, o comissário deveria ter começado os estudos em janeiro de 2012, quando assumiu o Ministério da Educação pela primeira vez. Se o doutor quer estudar, tudo bem. Se resolver tomar a medida no ocaso de um governo, trata-se de puro fim de feira.

O tema carrega argumentos falsos porque, segundo o governo, há "vagas remanescentes" nas faculdades privadas. Nas palavras de Mercadante, "houve uma frustração, uma oferta muito superior à demanda". Na conta das empresas que operam nesse mercado, seriam 140 mil a tais "vagas remanescentes". Assim como um vendedor de berinjelas fecha a feira sem vender todos os seus legumes, os donos de faculdades privadas ofereceram vagas em suas escolas e não tiveram compradores ao preço que pediam. São apenas vagas ociosas em seus empreendimentos e o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), não têm nada a ver com isso.

Dizer que há "vagas remanescentes" no Fies é o mesmo que dizer que há BMWs remanescentes numa concessionária. O Fies não gera vagas, gera financiamentos e em 2014 eles chegaram a R$ 14 bilhões. Nessa época de vacas burras, um aluno tirava zero em redação e conseguia o empréstimo. Esse foi um dos poucos erros admitidos por Dilma Rousseff, depois de tê-lo corrigido.

A maior parte das faculdades privadas pertence a grupos empresariais abonados, muitos deles com ações na Bolsa de Valores. No ano passado o Anhanguera-Kroton recebeu do Fies R$ 947 milhões, desbancando todas as outras empresas do setor privado. Arrecadou mais que todas as empreiteiras juntas.

O dinheiro do Fies não encolheu. O que o governo fez, com toda razão, foi condicionar o acesso aos financiamentos, obrigando as faculdades e os estudantes a mostrar desempenho. À época, o doutor Gabriel Mario Rodrigues, atual presidente do conselho do grupo Kroton, combateu a ideia, chamando-a de "uma cagada".

A exigência do desempenho limitou o acesso à bolsa da Viúva, fechando a torneira com a qual as faculdades se empanturravam de bolsistas, livrando-se da inadimplência do setor. As escolas estimularam a migração de seus alunos para o Fies. Achou-se uma faculdade em São Caetano do Sul que tinha 1.272 alunos, mas só quatro pagavam suas mensalidades.

O que poderia ser um problema gerou uma solução e surgiu um mercado de financiamentos privados. Cobra juros mais altos e quer fiador confiável, uma condição que o filtro do Fies despreza. Em apenas um ano ele quintuplicou e concedeu 180 mil créditos.

Em tese, o teto da renda familiar de R$ 3.080 pode ser razoável, mas adotá-lo em fim de governo com argumentos falsos para tirar da cena as pessoas jurídicas imediatamente beneficiadas é um truque de má qualidade. Se Mercadante disser aos empresários interessados que só poderá decidir no segundo semestre, eles não poderão se zangar. 

 

A imprensa estrangeira está denunciando um golpe no Brasil? (POR CARLOS GÓES, na FOLHA)

Você deve ter ouvido alguém dizer que a imprensa estrangeira teria afirmado que há um golpe de Estado em curso no Brasil. Esse fato ratificaria o argumento governista de que há uma conspiração da mídia e das elites para derrubar o governo - e que a imprensa internacional, um observador externo neutro, rapidamente percebeu isso. A emergência dessa narrativa decorreu da combinação de dois fatores: a confusão entre colunas de opinião e editoriais; e a atual segmentação das mídias em nichos políticos.

De fato, algumas colunas de opinião a favor do governo Dilma foram publicadas na imprensa internacional. Celso Rocha de Barros, por exemplo,escreveu para o "New York Times" dizendo que o processo de impeachment seria um modo de afundar a Lava-Jato.

Com ainda mais impacto, o premiado jornalista americano Glenn Greenwald e David Miranda, ativista político e militante do PSOL, utilizaram do reconhecimento internacional que detêm para fazer avançar a tese do golpe em jornais e na TV. Ao mesmo tempo, diversos órgãos publicaram colunas de opinião argumentando que o processo não é um golpe - tanto na Europaquanto nos Estados Unidos.

O objetivo da imprensa em trazer colunistas que pensam de forma distinta é dar uma visão mais ampla para o leitor. Já a opinião dos órgãos de imprensa em si não se encontra nesses espaços de debate - e sim em seus editoriais. Estes, por sua parte, não confirmam a narrativa de que a imprensa estrangeira estaria denunciando um golpe em curso no país.

Em seu editorial, o jornal francês "Le Monde"afirmou peremptoriamente que a situação brasileira "não é um golpe" e que falar de golpe constitucional é uma contradição em termos.

Já o "Washington Post" argumentou que, apesar de eles preferirem novas eleições ao impeachment, o processo é constitucional e "definitivamente não é um golpe".

A tradicional revista "The Economist" disse que golpe é "a tomada do poder pelo uso inconstitucional da violência" e que esse "não é o caso do Brasil".

O "The Guardian e o "New York Times demonstraram preocupações de que o impeachment possa ameaçar o prosseguimento da Lava Jato, mas destacaram que vários aliados de Dilma são acusados de corrupção e não questionaram a legalidade do processo de impedimento.

Mesmo o "El País", que escreveu um editorial contrário ao impeachment, não afirmou que o processo é um golpe.

Se a tese do golpe não prosperou nos editoriais internacionais, como essa falsa percepção se disseminou? Ocorre que, na era das redes sociais, a informação circulada tende a ter o que cientistas sociais chamam de "viés de confirmação". Ou seja: você e eu tendemos a reproduzir aquilo que confirma nossa visão, e a ignorar aquilo que a confronta.

Você já deve ter percebido isso intuitivamente, ao observar a explosão de blogues e outros veículos que, longe de tentarem trazer uma visão plural, servem para confirmar o que já pensa a direita ou a esquerda.

Em termos mais científicos, pesquisadores da Universidade da Indiana, ao estudarem estatisticamente a interação política no Twitter,confirmaram a existência dessa dissonância informativa.

O maior problema dessa segmentação é que as pessoas passam a ter não somente visões de mundo distintas - o que é saudável e necessário em uma sociedade democrática -, mas de fatos distintos.

Cada um de nós tem o direito a nossa própria opinião. Mas nós não temos direito a nossos próprios fatos.

E, independentemente de sua opinião sobre o impeachment da presidente, o fato é que os principais veículos da imprensa internacional não disseram que o processo em curso é um golpe.

CARLOS GÓES é mestre em economia internacional pela Universidade Johns Hopkins (EUA) e pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular

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Fonte:
Folha de S. Paulo + VEJA

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2 comentários

  • dejair minotti jaboticabal - SP

    Tudo será como dantes no quartel de Abranches..., neste país os pobres e os ricos vivem bem, a classe média (120 mil a 150 mil/ano de rendimento) só sifó.

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  • Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC

    O inquérito do mensalão com 39 réus levou sete anos para ser julgado..., esse, com 69, vai levar uns vinte.

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    • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

      Sr. Rodrigo os tempos são outros, acredito que a população irá cobrar o seu direito constituinte, escrito no Art. 1, § 1 da Carta Magna: TODO O PODER EMANA DO POVO, QUE O EXERCE POR MEIO DE REPRESENTANTES ELEITOS OU DIRETAMENTE, NOS TERMOS DESSA CONSTITUIÇÃO.

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    • Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC

      Saem os chefes e ficam os subordinados, Janot é comunista de carteirinha, o STF está cheio de petistas, o funcionalismo público, as universidades, igrejas, escolas, os empresários estatais, etc... O Imea fez um estudo em que conclui que 30% da desigualdade social no Brasil é devida ao funcionalismo público, seus altos salários e privilégios, e digo, o restante devido à elite empresarial estatizada, mas os esquerdistas não querem nem ouvir falar nisso. Mesmo aqui quando se fala em privilégios inaceitáveis por parte de setores da agropecuária a reação é imediata, não há uma única liderança querendo saber sobre o dinheiro ilegal do plano safra 2015, e por que isso? Ora, é só pensar onde foi parar a maioria desse dinheiro e temos a resposta, aliás pela boca da Janaina Pascoal, foi parar no bolso do rei da soja, e está todo mundo quieto por que?

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