Na FOLHA: Brexit pode ser positivo para o agronegócio do Brasil (por MAURO ZAFALON)

Publicado em 28/06/2016 09:32

A separação do Reino Unido da União Europeia poderá ajudar o agronegócio brasileiro. Com pouca produção nesse setor, os ingleses são mais liberais nas importações de alimentos do que os demais países do bloco.

O Brasil até precisa de um fato novo para ganhar espaço no mercado do Reino Unido, uma vez que vem perdendo presença nas exportações.

Em 2015, a exportação total brasileira para o Reino Unido somou US$ 2,9 bilhões, 25% menos do que em 2014.

As vendas do agronegócio, incluindo produtos processados, também diminuíram, mas em ritmo menor.

O Brasil exportou o correspondente a US$ 975 milhões no ano passado, 8% abaixo do US$ 1,06 bilhão de 2014.

Os principais itens da balança comercial brasileira com o Reino Unido são carnes, soja, café e frutas. A carne representa 40% das exportações, com a soja e derivados ficando com 15%.

Há espaços para o país elevar as exportações, segundo José Vicente Ferraz, da Informa Economics FNP.

Os países do Reino Unido são menos protecionistas do que os demais europeus. Eles são sempre mais críticos em relação ao protecionismo do bloco e, "por esse lado, algum benefício virá para o Brasil".

A condição de não membro da União Europeia vai fazer o Reino Unido pagar taxas maiores nas importações, o que pode tornar o produto brasileiro mais competitivo.

Letícia Julião, pesquisadora na área de frutas do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), diz que a separação do Reino Unido tem mais pontos positivos do que negativos.

Saindo do bloco, o Reino Unido deverá criar regras fitossanitárias próprias, provavelmente menos restritivas.

Além disso, essa separação deve criar uma janela de mercado para o Brasil na área de frutas no Reino Unido.

Em determinado período do ano, o abastecimento de frutas no bloco é feito pelos próprios países europeus. O Brasil pode ganhar essa janela no Reino Unido.

O Brasil não terá, também, a concorrência e as barreiras de importações que os britânicos tinham de seguir devido a países produtores de frutas, como a Espanha.

O custo de importação também poderá ser menor, uma vez que os produtos irão diretamente para a Inglaterra, sem passar pelo porto de Roterdã, na Holanda.

CARNE E AÇÚCAR SE DESTACAM NA EXPORTAÇÃO

A carne brasileira volta a ter bom desempenho no mercado externo. A exportação da de frango "in natura" deverá atingir 387 mil toneladas, ante 354 mil em maio.

As vendas externas deste mês superam até as de igual mês do ano passado.

As estimativas são com base nos dados já apurados pela Secex (Secretaria do Comércio Exterior) para as quatro primeiras semanas.

As carnes suínas e bovinas mantêm o mesmo ritmo do mês passado. Apesar de uma demanda menor da China, as exportações de carne bovina deverão atingir 97 mil toneladas neste mês, 4% menos do que em maio.

As vendas de carne suína mantêm o mesmo patamar de 55 mil toneladas de maio.

Com relação aos grãos, as exportações de milho estão estagnadas. Já as de soja, ainda aquecidas, devem somar 8,31 milhões de toneladas. Há um ano, foram 9,2 milhões.

Outro setor de destaque é o de açúcar, cujas vendas externas para o produto bruto sobem para 2,3 milhões de toneladas, superando em 34% as de maio e em 51% as de igual período de 2015, segundo os dados da Secex.

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Saldo positivo
O setor sucroenergético contratou mais do que demitiu em maio. O saldo foi de 9.669 postos de trabalho, ante 892 em igual período de 2015, aponta a Unica, com base em dados do Caged.

Cenário melhor
Na safra 2016/17, iniciada em abril, a indústria da cana criou 26 mil vagas de trabalho, ante 4.000 no mesmo período de 2015.
Demanda aquecida? A exportação de suco de laranja tem ritmo forte. As vendas externas de junho deverão superar em 15% as do mês passado.

Em alta
Há uma queda nos estoques do produto, o que tem puxado os preços na Bolsa de commodities de Nova York. Nesta segunda-feira (27), o primeiro contato foi negociado a US$ 1,66 por libra-peso, 38% mais do que há um ano.

Contratos
A qualidade da safrinha de milho está comprometida. O clima adverso impediu o crescimento dos grãos. Com isso, muitos produtores não poderão entregar o cereal negociado antecipadamente.

Preço
O cenário vai se refletir no preço do milho nos próximos meses, com impacto nas cadeias produtivas de aves e suínas, destaca Leonardo Sologuren, da consultoria Horizon.

Inadimplência atinge mais Norte e Nordeste (MERCADO ABAERTO, por MARIA CRISTINA FRIAS)

A inadimplência não cresce de maneira uniforme no Brasil, aponta uma pesquisa da Serasa Experian.

O Norte e o Nordeste têm altas maiores do índice. Na comparação entre março deste ano com o mesmo mês de 2015, os Estados do Acre, Bahia e Ceará lideram as porcentagens de aumentos.

Os menores incrementos aconteceram no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná -ainda assim, houve altas em todo o país.

Apesar de ter atingido o Brasil inteiro, a inadimplência é impelida por motivos específicos em diferentes regiões do país, diz Luiz Rabi, economista da Serasa.

"No Centro-Oeste, Sudeste e Sul, a renda não caiu tanto, mas o desemprego subiu e foi a principal razão para a falta de pagamentos."

Já nos Estados do Nordeste e do Norte, é a queda da renda real que explica o aumento da inadimplência, afirma o economista.

Nas regiões com menos deterioração, no entanto, o valor médio da falta de pagamentos é mais alto.

No Centro-Oeste, as dívidas não honradas são de R$ 5.540, em média. No Nordeste, esse número é de R$ 3.066, o menor do Brasil.

O problema bate recordes no país. "São 60 milhões de brasileiros [inadimplentes], é 40% da população adulta do país, nunca tivemos um nível que afetasse tanta gente. Não sei quanto pior o número pode ficar."

Em 2012, quando começou essa aferição, eram 50,2 milhões de pessoas na situação.

BC piora previsão de inflação para este ano com alta dos preços dos alimentos

Ilan Goldfajn, indicado à presidência do Banco Central é sabatinado no Senado
Relatório Trimestral de Inflação desta terça é o primeiro divulgado pelo Banco Central sob a presidência de Ilan Goldfajn(Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O Banco Central piorou seu cenário de inflação para 2016, diante de maior pressão de alimentos, mas melhorou sua perspectiva para 2017. As projeções estão no Relatório Trimestral de Inflação, divulgado nesta terça-feira.

No documento, o BC revela sua previsão de que o IPCA subirá 6,9% em 2016, acima da previsão anterior, de 6,6%. Com esse cenário, o Banco Central reafirmou que ainda não há condições de redução da taxa básica de juros.

Para o próximo ano, a previsão é de IPCA de 4,7%, quase no centro da meta perseguida pelo governo, de 4,5%. A previsão apresentada três meses atrás era de 4,9%. O BC também acredita em IPCA de 4,2% no segundo trimestre de 2018.

O documento, o primeiro sob a gestão do atual presidente do BC, Ilan Goldfajn, reafirmou o compromisso do Comitê de Política Monetária (Copom) com a inflação no centro da meta em 2017 e que buscará deixá-la dentro da margem de tolerância ainda neste ano.

PIB - A projeção para o desempenho da economia melhorou levemente no relatório desta terça em comparação com o de três meses atrás. Agora, o Banco Central prevê queda de 3,3% para o Produto Interno Bruto (PIB), em vez dos 3,5% anteriores.

Para a produção agropecuária, a expectativa é de recuo de 1,1% - em março, a estimativa era de expansão de 0,2%. Segundo o BC, essa reversão ocorreu devido a revisões para baixo nas projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para as safras de soja, cana-de-açúcar e milho, que deverão diminuir 0,4%, 2,6% e 14,1%, respectivamente, em 2016.

A projeção para a retração da indústria passou de 5,8%, em março, para 4,6%. "A melhora reflete o desempenho acima do esperado para o setor no primeiro trimestre e a evolução de indicadores coincidentes no segundo trimestre", afirma o relatório.

A estimativa para o recuo do setor de comércio e serviços em 2016 foi mantida em 2,4%. O BC projeta ainda recuo de 4% para o consumo das famílias e 0,8% de queda no consumo do governo. A Formação Bruta de Capital Fixo (taxa de investimento da economia) deve recuar 11,6%.

(Com Reuters e Agência Brasil)

 

Na VEJA, Com a crise, economia informal volta a crescer 

Economia informal
Economia informal representa 16,2% do PIB brasileiro(Fernando Cavalcanti/VEJA)

A crise econômica fez a participação da economia informal no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro voltar a crescer em 2015, depois de onze anos de quedas consecutivas. No ano passado, a informalidade correspondeu a 16,2% de toda a riqueza nacional, segundo o Índice de Economia Subterrânea (IES), apurado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO). Em número absolutos, 956,8 bilhões de reais de riqueza foram gerados na informalidade no ano passado.

Em 2003, quando o indicador começou a ser apurado, a economia informal respondia por 21% do PIB. De lá para cá, o IES caiu ano a ano e atingiu 16,1% em 2014. No ano passado, por causa da crise, houve uma reversão da queda: a informalidade avançou levemente, 0,1 ponto porcentual, na comparação com 2014.

"O vigor da crise atingiu toda a economia, inclusive a economia subterrânea, que registrou crescimento", afirma Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Ibre/FGV e responsável pelo indicador.

O economista diz que esperava uma alta maior do índice, que, segundo ele, foi atenuada por uma certa resistência no mercado de trabalho. O IES é calculado a partir de dois grupos de indicadores. Um deles é a demanda da população por dinheiro vivo, que normalmente cresce quando a informalidade aumenta, já que essa é uma forma de burlar o fisco. O outro grupo é o indicador do trabalho informal. De acordo com a FGV, a economia informal inclui a produção de bens e serviços não declarada ao governo para sonegar impostos e contribuições.

Barbosa Filho explica que a demanda por dinheiro vivo cresceu de 2014 para 2015, mas a informalidade do trabalho ficou praticamente estabilizada. "Como demorou para o mercado de trabalho piorar, o aumento da participação da economia informal no PIB foi de apenas 0,1 ponto porcentual", afirma o economista.

Para este ano, ele espera uma avanço maior da parcela da economia informal no PIB brasileiro. De toda forma, passada a crise, Barbosa Filho acredita que a fatia da informalidade no PIB deve voltar a cair, porque, na sua avaliação, as instituições para reduzir as tentativas de sonegação têm se fortalecido.

Simples - O presidente executivo do ETCO, Evandro Guimarães, faz uma análise diferente. Ele observa, por exemplo, que desde 2012 o indicador de economia informal gira em torno de 16% do PIB, o que, acredita ele, sinaliza uma certa estabilização.

"O ritmo de queda da economia subterrânea, que vinha sistematicamente apontando redução significativa, parou de cair como ocorria anteriormente", afirma. Entre 2003 e 2012, a redução da fatia da economia informal no PIB foi de cinco pontos porcentuais. O presidente do ETCO destaca que alguns mecanismos institucionais que ajudaram nessa redução estão ficando "vencidos".

Entre esses mecanismos, ele aponta a implementação do Simples e da microempresa individual. "Também outros esforços do emprego e de renda que perderam a eficácia relativa neste momento", diz.

Para Guimarães, o Simples não é mais um instrumento vigoroso de formalização. "O fato de a empresa estar no Simples não quer dizer que ela tenha 100% da operação formalizada. Sempre temos visto no noticiário e na vida real que empresas que são aderentes ao Simples também têm uma cota de informalidade nas suas operações." O presidente do ETCO defende uma reavaliação dos instrumentos de fiscalização.

(Com Estadão Conteúdo)

 

O mito do “trabalho análogo à escravidão” (por LEANDRO NARLOCH) 

A maioria das operações de combate ao trabalho escravo não "libertam" ou "resgatam" ninguém, não ajudam os trabalhadores pobres e consideram escravos gente que ganha muito mais que a média dos brasileiros (em VEJA.COM)

Mais uma grife de roupas foi acusada de utilizar trabalho escravo no Brasil. Segundo uma reportagem da BBC publicada nesta segunda-feira, auditores do Ministério do Trabalho flagraram cinco bolivianos, entre eles uma adolescente de 14 anos, mantidos como escravos numa oficina na zona leste de São Paulo que produzia para a grife Brooksfield.

Infelizmente a BBC só reproduziu a desinformação que ativistas do combate ao trabalho escravo costumam difundir sobre o assunto. Abaixo, mostro seis esclarecimentos que a reportagem poderia ter feito. O leitor me desculpe o tamanho do texto – o assunto é relevante e merece ser explicado em detalhe.

1. Não é escravidão

No caso desta semana e na maioria dos que vão aos jornais, a situação flagrada pelos fiscais não tinha nada do que o povo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou as leis da maioria dos países entendem por escravidão. Não havia pessoas acorrentadas, ameaçadas, trabalhando para pagar uma dívida com os patrões ou para recuperar um documento.

Por que, então, dizem que é trabalho escravo? No Brasil, uma mudança no Código Penal afrouxou enormemente o conceito de trabalho escravo. Passou a incluir a jornada exaustiva e condições degradantes como critérios para caracterização.

Parece um detalhe, mas a mudança na lei juntou crimes diferentes no mesmo balaio. Patrões que ofereciam alojamentos sem a distância adequada entre as camas passaram a responder pelo mesmo crime que quem torturava os trabalhadores com ferro de marcar gado ou os mantinha em cativeiro.

A própria OIT esclarece, num relatório de 2005, que não se deve confundir trabalho ruim com escravidão. “O trabalho forçado não pode simplesmente ser equiparado a baixos salários ou a más condições de trabalho”, diz o relatório. “Tampouco cobre situações de mera necessidade econômica, por exemplo, quando um trabalhador não tem condições de deixar um posto de trabalho devido à escassez, real ou suposta, de alternativas de emprego.”

Os bolivianos que produziam para a Brooksfield foram considerados escravos porque não tinham carteira assinada ou férias e, segundo a BBC, “trabalhavam e dormiam com suas famílias em ambientes com cheiro forte, onde os locais em que ficavam os vasos sanitários não tinham porta e camas eram separadas de máquinas de costura por placas de madeira e plástico”. Era trabalho precário, mas não escravidão.

2. Há “escravos” que ganham R$ 5 mil por mês

Como cabe ao auditor do trabalho decidir o que é trabalho escravo, há interpretações das mais extravagantes e ideológicas.

Em 2013, a fiscalização encontrou vinte funcionários de uma construtora de Belo Horizonte que tinham registro na carteira, recebiam horas-extras e adicionais de produção. Um pedreiro disse que ganhava 5 mil por mês. Como não havia lençóis nos beliches do alojamento e os banheiros estavam sujos, o fiscal enquadrou a construtora como escravista.

O alojamento era, de fato, precário, mas muitos dos trabalhadores poderiam achar que a remuneração compensava. Um salário de 5 mil reais, afinal, colocava o funcionário entre os 20% de brasileiros mais ricos daquele ano. Como revelou a revista Exame, casos assim são comuns.

No episódio desta semana, os imigrantes ganhavam 6 reais por peça produzida. Se costuravam duas peças por hora (provavelmente produziam muito mais), ganhariam 12 reais por hora, 96 reais por jornada de oito horas, ou 2100 reais por mês. Isso é mais do que ganham 72% dos brasileiros, que sobrevivem com até dois salários mínimos.

3. Não há “resgate” ou “libertação” de trabalhadores

O mito do “trabalho análogo à escravidão” vem sendo cultivado por auditores do trabalho, procuradores, jornalistas e ativistas bem-intencionados. Eles fazem questão de esclarecer que a servidão moderna se define por condições precárias de trabalho e tem pouco da escravidão tradicional. Mas utilizam termos e imagens que só fazem sentido quando se referem à restrição da liberdade – como imagens de correntes e termos como “resgate” ou “libertação”.

Imagem da campanha de combate ao trabalho escravo, divulgada pela Secretaria de Direitos Humanos.

Imagem da campanha de combate ao trabalho escravo, divulgada pela Secretaria de Direitos Humanos.

Os trabalhadores costumam considerar um absurdo serem chamados de escravos. Sem ninguém pedir, os fiscais quebram contratos de trabalho, calculam multas enormes para as empresas e mandam os trabalhadores para hotéis ou de volta para suas cidades de origem.

“O primeiro contato com a vítima geralmente é de resistência. Ela não se enxerga como trabalhador forçado e se incomoda com o rótulo”, me disse, no ano passado, Luiz Machado, coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da OIT. “Quando explicamos as violações dos direitos trabalhistas, eles ficam agradecidos, pois ganham pagamentos de direitos, seguro-desemprego especial para resgatados e prioridade na fila do Bolsa Família.

4. As operações não ajudam os trabalhadores

Quando a indenização acaba, os “escravos libertados” descobrem que os fiscais os transformaram em desempregados dependentes de programas assistenciais. Precisam começar tudo de novo e sair à procura de um emprego. Geralmente encontram trabalhos bem parecidos com aqueles dos quais foram “resgatados”.

“Quando a polícia vai embora, os bolivianos vão para outras oficinas onde a condição é a mesma”, me contou, numa entrevista, o boliviano Luis Vásquez, líder da comunidade boliviana em São Paulo.

Os próprios ativistas admitem o problema da reescravização. “O trabalhador volta para casa com três meses de seguro-desemprego no bolso, mais verbas rescisórias, mas assim que o dinheiro acaba, ele volta a migrar e acaba escravizado de novo”, disse, em outra reportagem da BBC, o fundador da ONG Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto.

5. As operações eliminam alternativas de quem já tem poucas

Numa coisa os ativistas do combate ao trabalho degradante estão certos: milhões de pessoas têm empregos terríveis no Brasil. Trabalham amontoadas em cômodos sem janelas; cumprem uma jornada tão alta que mal veem a família. Diante de situações assim, tudo o que não se deve fazer é diminuir as opções disponíveis a eles.

O que prejudica o trabalhador não é a opção de trabalho que ele encontra, e sim a falta de opções. Os operários das pequenas oficinas de roupas da zona leste de São Paulo se submetem a condições ruins porque aquela é a melhor alternativa de que dispõem. O que os torna vulneráveis não é a empresa que os contratou, mas a ausência de mais empresas que os contratem.

E o que as operações de combate ao trabalho escravo fazem é diminuir ainda mais essas opções. “Quando a Polícia Federal aparece, dá a impressão de que vai prender o Fernandinho Beira-Mar”, diz o boliviano Luiz Vásquez. “Um monte de viaturas e policiais para prender o coitado do dono da oficina. Ele é multado por tudo o que você pode imaginar. Essa história tem levado muitos empreendedores à falência.”

Não é um grande incentivo à abertura de fábricas no Brasil ter a possibilidade de ver a marca manchada por falsas acusações de trabalho escravo. As bem-intencionadas operações prejudicam a segurança jurídica e dão um empurrão a mais para fábricas se mudarem para a China ou o Paraguai. Com menos vagas à disposição no Brasil, os trabalhadores ficam ainda mais vulneráveis.

Quem realmente se preocupa com os pobres precisa, pelo amor de Deus, evitar que as empresas tenham medo de contratar ou subcontratar trabalhadores no Brasil. Ações menos sensacionalistas, como criar um pacto entre as oficinas para seguirem condições mínimas, sob pena de multa, ajudariam muito mais do que aterrorizar grifes internacionais interessadas em produzir no Brasil.

Outra opção é ajudar os imigrantes a encontrar vagas melhores e ter documentação para se candidatar a elas. Em São Paulo, o Ministério Público do Trabalhou fez um excelente trabalho ao criar um centro onde os imigrantes podem regularizar a residência no Brasil, tirar carteira de trabalho e abrir uma conta corrente. Documentados, ficam aptos a trabalhos menos precários.

“Em diversos países e momentos da história, o subemprego foi o meio pelo qual as minorias, os migrantes e os menos favorecidos entraram no mercado de trabalho e começaram a ascender socialmente”, diz o cientista político Diogo Costa. “Proibir o emprego ruim acaba funcionando como uma barreira de exclusão dos menos qualificados.”

6. Coibir as más condições é impor preferências da elite aos trabalhadores pobres

Imagine que você acabou de se mudar para um país estranho e está sem dinheiro, sem qualificação ou mesmo conhecimento da língua local – e ainda tem três filhos famintos nas costas. De repente aparecem duas opções de trabalho em oficinas de costura.

A primeira oficina, ensolarada e espaçosa, oferece um salário de 10 reais por hora. A segunda, sem janelas e com uma jornada maior, paga 12 reais. Na hora do aperto, você não se dará ao luxo de perder 20% da remuneração. Como quer acumular o máximo possível e voltar para o seu país, você trabalharia mais, muito mais que oito horas por dia.

O combate ao trabalho degradante se baseia na ideia de que as condições ruins são fruto da escolha dos patrões. Mas a escolha não é só deles. Ao decidir ingressar num emprego, uma pessoa avalia todos os tipos de compensação – o salário, o conforto, a jornada. Quem ganha bem pode se dar ao luxo de descontar parte do salário em conforto e jornada menor. Mas se a renda e a produtividade são baixas, e a melhor alternativa de trabalho não é o suficiente para pagar as contas, provavelmente ele abrirá mão do conforto para extrair o máximo da remuneração em forma de salário.

“Isso significa que a combinação de compensações é determinada pelas preferências dos empregados (até o limite da sua produtividade), e não pelas preferências de corporações multinacionais ou empresas terceirizadas”, diz o economista Benjamin Powell, autor do livro Out of Poverty: Sweatshops in the Global Economy.

Powell comprovou essa opção entrevistando operários da Guatemala. Ele conversou justamente com quem trabalhava em fábricas de roupa que motivaram escândalos de trabalho degradante, em reportagens da TV americana. Descobriu que quase todos os trabalhadores não topariam trocar parte do salário por melhores condições:

Você aceitaria ter um salário menor se o seu empregador…
  SIM NÃO
tornasse as condições de trabalho mais agradáveis? 8,6% 91,4%
reduzisse o número de horas de trabalho? 10% 90%
aumentasse o horário de almoço? 4,3% 95,7%
fornecesse plano de saúde? 14,3% 85,7%
desse férias remuneradas? 18,6% 81,4%

 

O ensaísta Nassim Nicholas Taleb chama de “filantropia de araque” a atividade de “ajudar as pessoas de uma forma visível e sensacional, sem levar em conta o cemitério oculto de consequências invisíveis”. O exemplo preferido de Taleb são as causas trabalhistas. “Você nota as pessoas cujos empregos estão mais seguros e atribui benefícios sociais a essas medidas. Você não percebe o efeito naqueles que ficarão desempregados, já que as medidas vão reduzir a oferta de empregos. Em alguns casos, as consequências positivas de uma ação vão beneficiar imediatamente os políticos e os humanitários de araque, enquanto as negativas levarão um bom tempo para aparecer – e talvez nunca sejam perceptíveis.” Não há definição melhor para o combate ao “trabalho análogo à escravidão” no Brasil.

@lnarloch

*Para quem se interessar, dedico a este tema um capítulo do Guia Politicamente Incorreto da Economia Brasileira.

 

 
 
 
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Fonte:
Folha de S. Paulo + VEJA

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