COM O PÉ NA ESTRADA, entrevista com Aldo Rebelo na VEJA

Publicado em 02/08/2010 16:54

Ao aceitar a missão de relatar o projeto do novo Código Florestal Brasileiro, o deputado Aldo Rebelo. do PCdoB, fez o que poucos de seus colegas no Congresso Nacional costumam fazer: arregaçou as mangas, calçou as botas e se pôs a gastar suas solas. Percorreu dezoito estados e organizou 64 audiências públicas. Com isso, quis ver e ouvir de perto as pessoas que considerava as mais importantes para o seu projeto: aquelas que serão diretamente atingidas por ele.

O novo Código Florestal Brasileiro agora está pronto para ser votado no Congresso. Merece aplausos e apoio por garantir a preservação ambiental ao mesmo tempo em que cria uma regulação jurídica que possibilita o florescimento da agropecuária.

O deputado, para quem o campo está longe de ser um ambiente estranho (ele cresceu em uma fazenda em Alagoas), recebeu VEJA em seu escritório em São Paulo. Durante a entrevista, não largou do cigarro de palha, recheado de fumo goianinho.

Para relatar o projeto do novo Código Florestal, o senhor visitou dezoito estados brasileiros. No que essas viagens mudaram a sua visão sobre o campo?

Conheço a roça desde sempre. Nasci no campo e fui alfabetizado em uma escola rural. Meu pai era empregado em uma fazenda do falecido senador Teotônio Vilela, em Alagoas. Ele morreu quando eu tinha 9 anos, e foi o senador quem me ajudou a completar os estudos. Mas eu fiz questão de andar pelo Brasil para preparar o relatório do novo Código Florestal para poder falar diretamente com os produtores rurais, falar com quem vive no campo, entender seus problemas. A voz dessas pessoas nunca chega a Brasília.

Legislar sem sair do gabinete é um risco?

Procuro manter o princípio de sempre partir dos fatos e da realidade antes de chegar a uma conclusão. Quando você faz isso, o risco de errar é menor. Reduz a presunção de que você está certo antecipadamente. É um exercício de humildade. Há pessoas que acham que podem legislar à margem da realidade, sem conhecer as necessidades do país e das pessoas. Eu prefiro andar pelo Brasil para ver de perto os problemas.

Foi o que o senhor fez para escrever o livro em que critica a demarcação da reserva indígena de Raposa Serra do Sol, em Roraima?

Justamente. Fui até lá para conversar com as pessoas e ouvir os interessados na questão. A maioria da população do estado não queria a demarcação da reserva de forma contínua, como foi feita. A maioria dos índios, os supostos beneficiados, também não queria. Eles queriam reservas menores, demarcadas como ilhas. E não uma que congelasse quase 10% do estado, como foi feito. Só defendiam essa tese - que foi encampada pelo governo e prosperou na Justiça - o pessoal ligado às ONGs ambientais e os burocratas da Funai. Mais ninguém.



Por que é preciso reformar a legislação ambiental brasileira?

O Código Florestal é uma lei de 1965. Nesses 45 anos, ele foi modificado por inúmeras medidas provisórias, decretos, portarias - quase tudo sem passar por votação no Congresso. Criou-se uma tal balbúrdia legislativa que hoje é quase impossível para um produtor rural cumprir todas as exigências ambientais que lhe são feitas. O resultado é que 90% das propriedades agrícolas do país estão na ilegalidade. E não estamos falando de devastadores ambientais, mas de gente que trabalha duro para produzir alimentos. Alguma coisa de muito grave e irresponsável aconteceu no país nos últimos anos para que essa parte da população tenha sido colocada na categoria dos criminosos ambientais.



Qual é o problema mais grave da legislação atual?

Há, por exemplo, uma resolução de 2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama, que estabelece que em cada margem de rio, riacho ou córrego deve haver uma faixa de 30 metros de terra sem nenhuma atividade agrícola. É uma loucura. Basta andar pelo interior do Brasil para ver: toda a agricultura tradicional sempre foi feita na beira dos rios, porque é lá que está a água. Ninguém vai plantar num lugar seco. Proibir a plantação em várzeas e perto de rios é uma ideia que só pode ter saído da cabeça de quem não conhece o campo.



Que tipo de impacto negativo essas proibições produziram, segundo o senhor observou nas suas andanças?

Um exemplo: 75% da produção brasileira de arroz foi colocada na ilegalidade. porque as plantações são feitas em áreas de várzea, hoje transformadas em áreas de proteção ambiental - ou seja, lugares onde não se pode plantar nada. Se formos cumprir a lei atual, teremos de destruir essas plantações, o que é impensável. Os ambientalistas radicais alegam que a cultura de arroz prejudica a biodiversidade da várzea. Na China, na Índia, no Vietnã. há milênios se planta arroz da mesma forma: na várzea. Esse método nunca provocou desequilíbrio.

Quem mais está sendo prejudicado por essa resolução?

Muita gente. No Rio Grande do Sul, 99% das propriedades rurais foram jogadas na ilegalidade. Em Santa Catarina, a produção de maçãs pode acabar. Os produtores de banana do Vale do Ribeira, em São Paulo, também não sabem o que fazer. Vivem há décadas no mesmo local, mas, como a região está cheia de rios e nascentes, agora começaram a ser pressionados pelo Ministério Público e a receber multas. Há dois meses, levei o assunto à ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Ela nem sabia que esse problema existia. 


A pecuária também está sob ameaça?

Aos olhos do Ministério do Meio Ambiente, todo o Pantanal deve ser tratado como uma imensa área de proteção ambiental. Como resultado, também a criação de bois na planície pantaneira caiu na ilegalidade. Ora, cria-se boi no Centro-Oeste há 270 anos. É um boi que só come o capim nativo. É a atividade mais sustentável que existe. Os próprios ambientalistas reconhecem que é preciso adaptar as leis para corrigir essa excrescência. A pecuária de leite em Minas, feira nos contrafortes da Serra da Mantiqueira, também está ilegal, uma vez que a legislação atual proíbe qualquer atividade em encostas de morros. 


Ao menos para os pequenos produtores a lei é boa?

É ainda pior. Antigamente, ter água na propriedade era uma bênção. Hoje, virou uma maldição. Conheci um senhor no interior de São Paulo, no município de Álvares Machado, que tem uma área de 108 hectares, cortada por seis córregos. Se ele tiver de preservar 30 metros em cada margem de cada um dos seis córregos, ficará sem nada. Não sobra espaço nem para ele abrir uma picada no terreno. Isso inviabiliza qualquer atividade agrícola.

O que a área ambiental do governo acha da sua proposta?

De modo geral, seus integrantes são contrários. Porque foram eles que criaram essa bagunça jurídica que ameaça a produção no campo. O problema, sejamos francos, é que o Ministério do Meio Ambiente foi completamente dominado nos últimos anos pelas ONGs ambientais, especialmente pelo Greenpeace, WWF, ISA e SOS Mata Atlântica. Isso começou antes deste governo. Os funcionários das ONGs saem delas para trabalhar no ministério, depois voltam para as ONGs, depois retomam para o ministério. É como se fosse uma só organização. É uma distorção, porque o ministério deveria representar o estado brasileiro, e não as ONGs. Essa não é a única distorção na estrutura ambiental.

Quais são as outras?

O orçamento do Ibama e do próprio ministério é alimentado pelas multas ambientais. Ou seja: quanto mais multas se aplicam, mais dinheiro eles têm para gastar. É um sistema que estimula a multar sem parar. Outro dia conheci um cidadão no Piauí que ia levando quatro cortiços de abelhas. que é como eles chamam as colmeias, de um sítio para outro. onde ele produzia mel. Um fiscal do Ibama parou o rapaz e aplicou uma multa de 3 milhões de reais. Atenção: 3 milhões! A acusação foi de transporte ilegal de animais silvestres. O cidadão explicou que não levava animal nenhum, só os cortiços. O fiscal respondeu: "E as abelhas que estão dentro do cortiço são o quê?". E lavrou a multa. Parece anedota, mas é verdade. Nunca o rapaz vai conseguir pagar esse valor, nem se vender suas terras e der todo o dinheiro ao Ibama.

O que o senhor acha da forma como o governo vem conduzindo a reforma agrária?

Acho que a reforma pode e deve ser feira na fronteira agrícola, utilizando-se o enorme estoque de terras que estão nas mãos do governo, por meio do Incra.

Por que, então, o MST prefere brigar pela desapropriação de fazendas?

O MST hoje é um movimento social, não exatamente um movimento de luta por terra. Ele tem suas bandeiras, mas a maioria de seus integrantes tem origem urbana. É uma massa de desempregados. saídos das cidades. Há poucos agricultores. De toda forma, a estrutura da propriedade rural brasileira é diferente da imaginada por esse grupo: 90% dos 5,2 milhões de proprietários do Brasil são pequenos proprietários, com renda de um a dois salários mínimos. Há apenas 30.000 grandes proprietários, e estes, na imensa maioria dos casos, têm unidades produtivas.



Latifúndio é um conceito superado?

Sim. O campo brasileiro conheceu um processo de modernização e uma reforma agrária natural, fruto da sucessão das gerações. Isso aconteceu, por exemplo, no Rio Grande do Sul, que tem 600 000 proprietários. O cidadão tinha uma propriedade grande e foi dividindo suas posses entre filhos e netos. Em Mato Grosso, houve outro processo, o da modernização da grande propriedade, principalmente na produção de soja e na criação de gado. As grandes fazendas têm produtividade elevada. Você tem uma parte remanescente do latifúndio, mas em declínio acelerado. O latifúndio não tem mais força econômica nem política.



O senhor continua empenhado em abolir o uso de palavras estrangeiras na língua portuguesa?

Meu projeto sobre a língua portuguesa está pronto para ser votado. É um projeto para valorizar o ensino da língua. O texto foi aprimorado, não restou nada de folclórico. Não vamos proibir palavras estrangeiras. Cada um é livre para falar o que bem entender. Vamos estimular, isto, sim, o ensino do português. Saber falar, ler e escrever bem é fundamental para aprender todas as outras disciplinas. Queremos aumentar a carga horária do ensino da língua para as crianças e fazer com que todas as faculdades incluam aulas de português. Não é segredo para ninguém que hoje muita geme sai da universidade sem conseguir escrever direito.



Obrigar as pessoas a trocar a palavra "futebol" por "ludopédio", então, está descartado?

Eu nunca me propus a fazer isso. Quem disse que essa era minha intenção estava fazendo uma brincadeira de mau gosto. Futebol é uma palavra da língua portuguesa. Tem origem inglesa - assim como tantas outras palavras têm origem em línguas diferentes -, mas não há problema nenhum nisso. A adaptação de palavras estrangeiras é um processo de enriquecimento e mudança de todas as línguas vivas.



Então, as palavras estrangeiras estão liberadas no seu projeto?

Claro que sim, cada um fala o que quiser. Embora eu admita que me dói o ouvido quando alguém recorre ao inglês de forma despropositada. Outro dia. por exemplo, ouvi na TV um rapaz que pretendia anunciar a descoberta de uma estrela gigante na constelação de Órion dizer "Oráion", que é a pronúncia em língua inglesa. Aí, francamente... Órion é uma palavra de origem grega que chegou ao português pelo latim. Eu me pergunto: por que sua pronúncia no Brasil de hoje tem de pagar pedágio ao idioma inglês? Meu projeto não toma esse mau hábito ilegal, mas apenas ressalta sua insensatez.

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Fonte:
Aldo Rebelo

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3 comentários

  • José Roberto de Menezes Londrina - PR

    Este é o momento para os agricultores brasileiros demonstrarem os prejuízos econômicos e sociais causados com a implantação da reserva legal nas áreas constituidas. Para demonstra-la, basta uma redução de 20% da área de cultivo na safra 2010/2011.

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  • Telmo Heinen Formosa - GO

    Cumprimento novamente o Dep. Aldo Rebelo pelo Relatório produzido, por esta entrevista e principalmente por esta sintese: "Quando o aluno vai mal em matemática, não dê a culpa ao professor de matemática. A culpa é do professor de português" Com certeza. Matemática é o português escrito com simbolos e por analogia o que de fato o Sr. disse: "Saber falar, ler e escrever bem é fundamental para aprender todas as outras disciplinas. Queremos aumentar a carga horária do ensino da língua para as crianças e fazer com que todas as faculdades incluam aulas de português. Não é segredo para ninguém que hoje muita geme sai da universidade sem conseguir escrever direito." é um corolário da sintese acima. E eu aduzo, muitos saem da Faculdade e não sabem calcular uma porcentagem se não tiver uma máquina com tecla de porcentagem, porque só a máquina também não basta. Credo!!! Mas, Parabéns Deputado.

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  • Valter Antoniassi Fátima do Sul - MS

    Parabéns deputado,voce provou que ainda existe politico que tem bom senso e que quando se tem vontade as coisas acontecem ,ao contrário deste governo pífio que só nos envergonha como brasileiros,só espero que não vá meter o bedelho e interferir na decisão do congresso levando tudo a perder.Lulinha ve se honra as calças que veste pelo menos uma vez na vida e se não puder ajudar ,que não atrapalhe.ok.

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