Resistência à crise, por Roberto Padovani

Publicado em 29/04/2021 09:36
A conjuntura internacional e os avanços domésticos dos últimos anos ajudam o País a atravessar mais uma crise. Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV

A segunda onda da pandemia no Brasil trouxe um grande cansaço. O resultado tem sido uma crise de confiança, catalisando dúvidas já existentes em relação às agendas ambiental, sanitária e econômica. Por razões conjunturais e estruturais, no entanto, o Brasil tem hoje maior capacidade de resistir às novas turbulências.

O País viveu no primeiro trimestre deste ano uma tempestade perfeita, trazendo uma instabilidade atípica e, com ela, muito pessimismo. Após a transição política nos Estados Unidos, os novos impulsos fiscais trouxeram preocupações com a volta da inflação e dos juros internacionais, valorizando o dólar globalmente.

Este movimento na moeda foi potencializado no Brasil pelo aumento das incertezas fiscais e políticas. O agravamento da pandemia levou a mais gastos públicos em um quadro de dívida pública elevada, piora na aprovação do governo e antecipação da corrida eleitoral de 2022. Com isso, o desemprego não foi suficiente para atenuar os impactos da desvalorização cambial sobre a inflação.

Contribui também o fato de a pandemia ocorrer após um longo período de tensões e ajustes.O Brasil viveu a partir de 2014 uma longa recessão, um processo de impeachment, eleições competitivas e reformas polêmicas em um ambiente de forte radicalismo político. Este contexto de turbulências e choques frequentes não tem sido neutro para a economia, afetando a confiança e as condições financeiras e, deste modo, renda, crédito e crescimento.

Por outro lado, fatores estruturais e conjunturais mostram que o País tem hoje melhores condições para atravessar a crise. O cenário atual, ainda que amplamente negativo, é bem melhor, por exemplo, que o enfrentado em 2015, quando a necessidade de ajuste ocorreu em um ambiente de desaceleração global, recessão doméstica e poucos instrumentos à disposição do governo, levando a um círculo vicioso entre tensão econômica, fiscal e política.

Internamente, além da ociosidade limitar a alta de preços, a combinação de gestão econômica responsável e as reformas feitas após 2016 ajudam a ancorar as expetativas de inflação e permitem juros reais mais baixos. Não se pode menosprezar os impactos gerados pela mudança da TJLP, reforma trabalhista, cadastro positivo, lei de falências e de licitações, novos marcos regulatórios do gás e do saneamento e autonomia do Banco Central. Do ponto de vista fiscal, mesmo com o salto na dívida pública em 2020, o teto de gastos e a reforma da previdência evitam que sua trajetória seja explosiva, como em 2015.

Na gestão econômica, a sequência de crises dos últimos seis anos tem mostrado que as instituições locais são um incentivo para a responsabilidade. Os custos de políticas pouco responsáveis são, neste momento, altos e imediatos: o descontrole fiscal e monetário pressionaria ainda mais câmbio, inflação e juros, mantendo o desemprego elevado e aumentando o risco político/eleitoral tanto para o Congresso quanto para o Executivo. A experiência de 2015 é uma referência e faz com que mercados, equipe econômica, órgãos de controle e competição política reduzam as chances de novas aventuras populistas na economia.

Não por outro motivo, há maior compartilhamento de poder, as contínuas apostas no simples abandono das regras fiscais não foram confirmadas, o programa de concessões avança e já se notam mudanças de discurso nas questões sanitária e de meio ambiente. Fatores conjunturais também ajudam. O mundo inicia um novo ciclo de crescimento, com Ásia, Europa e Estados Unidos mostrando uma expansão robusta pelos próximos anos. Com maior demanda global, os preços de matérias primas estão em alta e beneficiam países como Brasil, fortemente dependentes das exportações de commodities. Localmente, a imunização continuará em curso e permitirá a reabertura da economia no segundo semestre, mesmo que a oferta incerta de vacinas limite o ritmo de vacinação.

Como consequência, a retomada global e os estímulos fiscais e monetários locais produziram uma recessão marcadamente menor que o esperado em 2020 e os números de crescimento no primeiro trimestre deste ano trouxeram surpresas positivas. Ainda que os novos confinamentos devam levar a uma retração da atividade neste trimestre, preços de commodities, juros reais, vacinação e responsabilidade econômica dificilmente irão levar o aís para um novo mergulho recessivo.

Portanto, embora a pandemia continue sendo fonte de surpresas contínuas, o fato é que o cenário global é favorável e as reformas dos últimos anos construíram musculatura para o País enfrentar a crise atual. Com mais instrumentos, é pouco provável, neste momento, uma repetição do colapso econômico e político de 2015.

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Roberto Padovani

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