Fala Produtor - Mensagem

  • Marcos da Rosa Canarana - MT 01/04/2009 00:00

    Oportunidade de transparência na cadeia da carne

    Os pedidos de recuperação judicial de três grupos da indústria frigorífica de carne bovina e o fato de estarmos envolvidos como credores de duas empresas nessa situação, levou-nos a analisar a oportunidade de fazermos uma parceria, neste momento de profunda crise - tanto para o produtor, quanto para os frigoríficos - de modo a construirmos um futuro de transparência e lucratividade para os dois setores. Estamos vivendo uma situação em que a indústria frigorífica, que outrora praticava seu lucro deprimindo a produção de bovinos, está à mercê de uma parceria para poder se salvar da falência, pressionada pelos preços praticados no varejo doméstico e internacional de carnes.

    O problema causado pelo deficiente sistema de rastreabilidade brasileira em relação à União Europeia ocasionou a perda de um mercado de cortes especiais vendidos pelo Brasil a um valor médio de US$ 3.650/ton, e que representava 23% das exportações brasileiras e 37% da receita de US$ 1,16 bilhão. Isto tudo ocorreu em um momento de euforia dos frigoríficos, que fizeram grandes investimentos de olho na crescente demanda por alimentos em termos globais e com base na excessiva liquidez do mercado financeiro internacional, priorizando a captação de recursos e a abertura de capital para crescer e se consolidar no mercado. É importante lembrar que as exportações de carne bovina saltaram de US$ 776 milhões em 2002 para US$ 4 bilhões em 2008.

    Num primeiro momento, o mercado interno absorveu esses cortes especiais, vivendo o seu momento de euforia, sendo que as exportações de carne caíram a um nível de dez anos atrás. No mês de setembro tivemos o caos financeiro no mundo e, a partir daí, vimos os frigoríficos exportadores voltados para o mercado interno, trabalhando abaixo dos custos de produção e competindo entre si pelo mesmo cliente. O crédito, por sua vez, começou a ficar restrito e as indústrias viram-se na situação de pagar um financiamento e não conseguir outro. Enfrentaram ainda uma menor exportação com restrição de 70% no volume ACCs e o fato de o cliente externo também se encontrar sem crédito. Muitos deles pediram extensão dos prazos de pagamento de 90 para 150 dias, inviabilizando a indústria frigorífica brasileira, e alguns países importadores não honraram os compromissos assumidos.

    Tudo isso gerou falta de capacidade de pagamento para algumas indústrias e, o mais grave, é que suas garantias são muito pequenas em relação ao passivo, devido à grande alavancagem de recursos que obtiveram. Isso fica demonstrado pelo fato de um dos frigoríficos em concordata ter um passivo de apenas 4% de suas dívidas com pecuaristas e outros fornecedores, e o restante com bancos. Num outro caso, o passivo com pecuaristas e fornecedores representa 16%. Isso signfica que a recuperação judicial, que teria por objetivo recuperar empresas com dificuldades, no caso dos frigoríficos, acaba quebrando os produtores, já que a indústria não pagou pelo gado abatido, visando se proteger de seu endividamento com os grandes bancos.

    Apesar dos pesares, consideramos que estamos em um momento ímpar na cadeia da carne bovina: o de propor parceria para a indústria e reivindicar transparência na contabilidade por parte desse setor. Quem está nos pressionando é o varejo, pois enquanto a arroba do boi despenca, a carne no supermercado continua no mesmo preço de quando estava vigorando a cotação máxima para o pecuarista. Além disso, o mercado internacional também pratica preços excessivos: vendemos a tonelada de filé mignon para a África a US$ 5 mil e os africanos revendem o produto internamente por US$ 15 mil.

    Temos que aprender com tudo isto e olhar para o futuro junto com a indústria porque lá, na frente, iremos tropeçar nos mesmos problemas, que novamente recaíram sobre aquele que produz. Somos nós que mantemos esta cadeia e os prejuízos são tirados em cima de nosso suor. Diante disto, nossa proposta é vendermos nosso gado à vista em cima do caminhão, propormos à indústria a administração participativa de algumas plantas frigoríficas e melhorar a qualidade de nossos animais para o abate, de modo a facilitar a parceria e garantir o fortalecimento dos dois elos da cadeia. A simples injeção de dinheiro publico nos frigorificos não garante o sucesso futuro e representa apenas mais um remendo inócuo numa relação esgaçada pelo tempo.

    Marcos da Rosa

    Engenheiro agrônomo e presidente do Sindicato Rural de Canarana

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