Agronegócio competitivo, editorial de O Estado de S.Paulo

Publicado em 15/07/2013 15:39 e atualizado em 15/07/2013 16:38

Apesar da persistência de problemas na economia mundial, como os enfrentados pela zona do euro, e da preocupação crescente com a desaceleração da economia chinesa, entre outras dificuldades para a expansão do comércio internacional, o agronegócio brasileiro continua a registrar notável crescimento de suas exportações.

As vendas externas do agronegócio durante a safra 2012/2013 (entre julho do ano passado e junho deste ano) ultrapassaram US$ 100 bilhões pela primeira vez na história, com aumento de 4,2% sobre os resultados da safra anterior.

O desempenho do setor tem contribuído decisivamente para evitar que os resultados da balança comercial do País sejam piores do que têm sido. Com exportações de US$ 100,61 bilhões e importações de US$ 16,70 bilhões, a balança comercial do agronegócio registrou, no período considerado, superávit de US$ 83,91 bilhões.

Recorde-se que, nesse período (de julho de 2012 a junho de 2013), a balança comercial brasileira, incluindo todos os produtos, registrou superávit de US$ 9,35 bilhões.

Se tomados apenas os dados do primeiro semestre deste ano, a diferença entre o desempenho na área de comércio externo do agronegócio e o dos demais setores é ainda mais notável.

Com exportações de US$ 49,6 bilhões nos seis primeiros meses de 2013 (10,7% mais do que o total exportado na primeira metade de 2012), o agronegócio alcançou um superávit de US$ 41,3 bilhões. Como o déficit comercial global do País no período foi de US$ 3 bilhões, "os demais setores tiveram um déficit de US$ 44,3 bilhões", lembrou o ministro da Agricultura, Antônio Andrade.

Esses números não deixam dúvidas quando à dimensão do papel do agronegócio no comércio exterior brasileiro, e mostram também o grau de desenvolvimento alcançado por esse segmento da economia, que vem conquistando mercado e tornando o País líder mundial em diversos produtos. Isso se deve à contínua e intensa modernização do campo, associada a políticas comerciais eficazes.

Novas técnicas de cultivo ou de criação, uso mais intenso de insumos, mecanização, introdução de novas variedades, novas formas de gestão, avanço para novas fronteiras mais produtivas vêm propiciando contínuo e rápido crescimento da produtividade do campo.

Pesquisa de Armando Fornazier e José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, mostra que o índice de produtividade agrícola do Brasil foi multiplicado por 3,7 entre 1975 e 2010.

O avanço foi aproximadamente o dobro do observado nos Estados Unidos nesse período. A produtividade, nesse estudo, considera o aumento do produto não explicado pelo aumento da quantidade de insumos, mas por ganhos de eficiência, que dependem do desenvolvimento científico e tecnológico.

Trata-se de um processo de ganho continuado e que persiste, como mostram as mais recentes projeções para a safra de grãos 2012/2013. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção nacional de grãos alcançará 185,05 milhões de toneladas - um novo recorde. O volume é 0,4% maior do que o estimado no levantamento anterior da Conab, feito em junho.

Se confirmada essa projeção, a produção da safra 2012/2013 será 11,4% maior do que a da safra anterior, de 166,17 milhões de toneladas. Tal produção será alcançada com uma área plantada de 53,23 milhões de hectares, 4,6% maior do que a cultivada na safra anterior. A produção crescerá a velocidades mais altas do que a da expansão da área plantada, o que mostra a persistência dos ganhos de produtividade do campo.

O que pode ser apontado como dado negativo no mais recente levantamento da safra agrícola é a redução dos estoques de produtos indispensáveis na mesa dos brasileiros, entre o início e o fim da safra. O estoque de arroz em casca, por exemplo, diminuirá de 1,68 milhão de toneladas para 1,34 milhão; o de feijão, de 373,6 mil toneladas para 152,9 mil toneladas, o menor desde a safra 2008/2009.

Espírito de corpo

Insensíveis à voz das ruas, que reivindicam mudanças nos usos e costumes da vida política e da administração pública, algumas corporações do funcionalismo público continuam empenhadas em obter privilégios eticamente insustentáveis. É o caso da magistratura. No mesmo dia em que o País experimentava mais uma manifestação de protestos, associações de juízes se mobilizavam para tentar impedir a aprovação, pelo Senado, do projeto de lei que revoga o direito à aposentadoria de juízes afastados compulsoriamente e estabelece regras mais severas para punir magistrados corruptos. "Não queremos manter juiz que comete crime na carreira, mas há colegas que cometem falhas, têm 40 anos de trabalho e não podem perder uma aposentadoria para a qual contribuíram a vida inteira", diz o desembargador Nelson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros.

Pela legislação em vigor, o juiz que se envolver com corrupção é afastado compulsoriamente da carreira, mas tem o direito a receber aposentadoria com vencimentos proporcionais. Pelo projeto que tramita no Senado, o juiz é afastado sem qualquer remuneração. As associações de juízes alegam que o fim da aposentadoria compulsória vitalícia é uma tentativa do Legislativo de enfraquecer a categoria.

Por falta de quórum, o projeto acabou não sendo votado pelo Senado e será colocado na pauta das próximas semanas. Por coincidência, no mesmo dia em que a magistratura se mobilizou para tentar derrubar o projeto, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região puniu quatro ex-presidentes da associação de juízes da Corte (Ajufe). Um recebeu pena de advertência. Dois receberam pena de censura. E um foi punido com a aposentadoria compulsória. Eles foram acusados pelo Ministério Público Federal de usar fraudulentamente o nome de 157 juízes para desviar mais de R$ 20 milhões da Fundação Habitacional do Exército (FHE) no período em que presidiram a Ajufe. A FHE é uma associação de poupança criada por militares e oferece empréstimos e financiamentos a servidores do Executivo e do Judiciário.

Entre 2000 e 2009, a Ajufe assinou 700 contratos de empréstimo com a FHE em nome de magistrados que não tinham conhecimento das operações. Entre os beneficiários há até associados fantasmas. Para dificultar o rastreamento do dinheiro recebido, os cheques emitidos pela Ajufe eram descontados na boca do caixa ou depositados em contas de construtoras, concessionárias e laranjas. Em 2010, a FHE descobriu a fraude e recorreu à Justiça para cobrar a dívida. Para pagá-la, em 2011 os dirigentes da entidade cometeram outro ato ilícito, vendendo um imóvel sem autorização da assembleia de juízes.

"Em 32 anos de magistratura nunca vi uma coisa tão séria", disse, na época, a então corregedora do CNJ, ministra Eliana Calmon. O procurador responsável pela denúncia, Juliano Villa-Verde, afirmou que a fraude da Ajufe atingiu "o sistema financeiro nacional ao promover captação de recursos da poupança popular sem o devido controle oficial". Temendo que o TRF da 1.ª Região tomasse medidas contemporizadoras, 20 magistrados enviaram um ofício à Corregedoria da Corte exigindo investigação "séria e célere".

Um dos ex-presidentes da Ajufe punidos com pena de censura, a juíza Solange Salgado, disse ao jornal Folha de S.Paulo que assinou contratos em confiança, reconheceu que houve liberação de dinheiro com contratos em branco, mas afirmou que foi enganada. "Na presidência da entidade, não tinha como saber os valores que foram liberados sem contrato", alegou. "Nunca disse que não tinha responsabilidade. Assumo e estou pagando. Mas o único culpado sou eu?", questiona o juiz Moacir Ferreira Ramos - o ex-presidente da Ajufe punido com aposentadoria compulsória.

Casos como esses mostram que, se realmente quiser votar uma agenda positiva como resposta à voz das ruas, o Senado tem de ignorar o lobby da magistratura e aprovar o projeto que permite que juízes corruptos percam o emprego e a pensão.

Contabilidade lucrativa

Não é inédita nem irregular a prática contábil que a Petrobrás vem utilizando desde meados de maio para registrar sua dívida exposta às variações cambiais, mas, pelos resultados que ela certamente produzirá e pelo momento em que foi adotada, pode-se supor que há mais do que justificativas técnicas para a mudança. 

A adoção da nova regra provocará uma melhora substancial nos resultados da empresa no segundo trimestre, que deverão ser anunciados no início de agosto. Estimativas de analistas do mercado apontam para um aumento de R$ 4 bilhões a R$ 7 bilhões no lucro da Petrobrás entre abril e junho. Isso significa que a empresa pagará mais dividendos do que pagaria se não tivesse feito a mudança, o que é bom para seus acionistas, como reconheceram os aplicadores ao propiciar um aumento de 7,25% na cotação da ação preferencial da empresa no primeiro pregão da Bovespa após o anúncio da mudança. Mas será particularmente bom para o maior dos acionistas e controlador da empresa, o governo - e é isso que torna a mudança no mínimo intrigante.

Certamente a valorização do dólar preocupa a empresa, que tem dívidas elevadas denominadas na moeda americana. Mas ela poderia ter adotado a nova prática contábil, chamada de "contabilidade de hedge", no ano passado, quando o dólar apresentou alta semelhante à observada nas últimas semanas. Por não ter feito isso naquela ocasião, teve de contabilizar um prejuízo trimestral.

Há uma forte razão para fazer a mudança neste momento: a necessidade de caixa do governo, com dificuldades crescentes para cumprir a meta do superávit primário. Sem cortar os gastos como deveria, o governo vem extraindo o máximo possível de recursos das empresas estatais, e para isso tem forçado as empresas por ele controladas a modificar suas regras e seus estatutos. Fez isso insistentemente com o BNDES e a Caixa Econômica Federal. Parece não ter resistido a estender essa prática, chamada de "contabilidade criativa", à Petrobrás, apesar das dificuldades financeiras e operacionais que a empresa enfrenta.

Por meio da "contabilidade de hedge", a Petrobrás poderá compensar parte de suas dívidas atreladas ao dólar com as receitas de suas exportações, que são pagas também em dólar. A alta da moeda americana eleva a dívida em reais, mas ela faz também crescer suas receitas de exportação em reais na mesma proporção.

Sem essa compensação, os passivos em dólar seriam contabilizados de acordo com o câmbio do último dia do trimestre e a variação seria contabilizada como perda ou ganho financeiro no balanço.

A parte da dívida da Petrobrás exposta à variação cambial é de cerca de US$ 50 bilhões. Com a alta de 10% do dólar ao longo do trimestre, em reais essa dívida cresceu na mesma proporção, ou cerca de R$ 10 bilhões, valor que seria lançado como prejuízo contábil.

Com a nova regra, o efeito da variação cambial sobre a dívida será compensado pelo efeito sobre as receitas de exportações, o que torna nulo o impacto sobre o lucro do período. As perdas decorrentes do aumento da dívida em reais serão transferidas para o balanço, ao longo de sete anos.

É, obviamente, um ganho temporário, que beneficia os acionistas no curto prazo - e, convém insistir, quem mais se beneficiará é o governo. Mas, a médio e a longo prazos, para recuperar sua credibilidade com a sociedade e com os investidores, assegurando-lhes remuneração atraente, a Petrobrás terá de produzir resultados operacionais bem melhores do que os que apresentou nos últimos anos.

Utilizada com objetivos políticos durante o governo Lula (2003-2010), a empresa não pôde manter a qualidade operacional que havia alcançado, razão pela qual poços apresentam sinais precoces de esgotamento, sua capacidade de refino se estagnou num período de grande aumento do consumo doméstico de combustíveis e suas receitas - das quais necessita para financiar seu ambicioso programa de exploração do do pré-sal - não crescem no ritmo necessário.

Incertezas geram aumento da liquidez bancária

Numa fase em que o crescimento econômico é baixo, o varejo encontra-se estagnado e há pouca disposição de tomar empréstimos a custos de mercado não só para consumir, mas até para investir, é natural que os grandes bancos privados tenham dinheiro sobrando em caixa - ou seja, excesso de liquidez. Do ponto de vista da solvência financeira do setor, é ótimo que haja recursos fartos nas instituições, pois os riscos são menores. Mas, do ponto de vista da economia, não é bom sinal, pois reforça o temor de que o ritmo da atividade continuará baixo.

Recursos fluem para os bancos provenientes de pessoas físicas que aumentam suas reservas financeiras e de empresas que preferem manter o caixa elevado para aproveitar oportunidades. No primeiro semestre, a captação líquida dos fundos de investimento superou R$ 100 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O crescimento do "funding" (oferta de recursos) é "maior que o do crédito", disse ao jornal Valor um executivo financeiro.

Os recursos aplicados deveriam se destinar a empréstimos. Ocorre que não apenas clientes com a vida financeira em equilíbrio hesitam em tomar crédito, mas os próprios bancos agem com cautela excessiva. A elevação do juro básico - e, em consequência, dos juros das aplicações -, nas últimas reuniões do Copom, estimula os depósitos, pelo menos até que a atividade afrouxe e haja menos recursos para aplicar.

Os bancos já alteram os critérios de captação. Evitam colocar Certificados de Depósito Bancário (CDBs), cujos saldos declinam, dando preferência a papéis de prazo mais longo, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito Agrícola (LCAs), isentas de Imposto de Renda para pessoas físicas. No passado, as instituições chegaram a restringir os depósitos em cadernetas de poupança.

Tende a se acentuar o contraste entre os bancos privados e os bancos públicos, se estes continuarem aumentando mais rapidamente os empréstimos. Mas há o risco de que tal política seja penalizada, no futuro, com a inadimplência. O BNDES noticiou um forte aumento de 67% dos empréstimos, até maio, comparado ao mesmo período de 2012.

No melhor cenário, o excesso de liquidez permitirá que bancos reduzam o custo do crédito, mesmo numa fase de alta da taxa Selic, pois há gordura suficiente para a queda dos juros cobrados dos clientes.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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