Governo venezuelano responde aos protestos com derramamento de sangue e ódio

Publicado em 12/03/2014 06:13
Maduro lança aviões Sukhoi e tanques às dúzias contra jovens na faixa dos 20 anos, armados, quando muito, com pedras

Um estudante morreu na cidade de San Cristóbal, no Estado Táchira, na Venezuela, após ser atingido por uma bala nos protestos que estão ocorrendo no país há quase um mês contra o governo de Nicolás Maduro, informou nesta terça-feira autoridades da região.

"Confirmado o lamentável falecimento do Estudante Daniel Tinoco (da Universidade Nacional Experimental de Táchira), foi atingido por uma bala na Avenida Carabobo", informou o prefeito de San Cristóbal, Daniel Ceballos, em sua conta no Twitter.

O líder da oposição venezuelana, Henrique Capriles, também informou sobre o fato ao escrever hoje em sua conta no Twitter : "Nos informam que ontem à noite [segunda] foi assassinado outro estudante, Daniel Tinoco, em nossa amada Táchira, paz a sua alma! Solidariedade a sua família".

O jornal "Últimas Noticias" publicou a versão do vereador de San Cristóbal José García, segundo o qual um grupo de motoristas disparou contra estudantes que faziam uma vigília em uma rua onde há um mês ocorrem protestos, matando Tinoco.

A Venezuela enfrenta há um mês um clima de protestos que aprofundaram a polarização da sociedade local e que em alguns casos se tornaram violentos, com um saldo de pelo menos 22 mortos, segundo o jornal "El Universal", e centenas de feridos.

Governo venezuelano responde aos protestos com derramamento de sangue e ódio

“As armas devem ser reservadas para o último caso, onde e quando os outros meios não bastam”, sustentava Maquiavel. Depois do seu strip-tease repressivo de fevereiro, dá a impressão de que Nicolás Maduro anda lendo muito Che Guevara e muito pouco ao estrategista florentino. Ou talvez pense que já chegou ao último caso.

O presidente venezuelano não poupou nenhum recurso para atemorizar os jovens manifestantes venezuelanos e convencê-los, pela força, a abandonarem a rua. Incapaz de resolver suas reivindicações concretas, o mandatário optou pelo modus operandi dos ditadores para tentar garantir uma paz à cubana, em meio a uma debacle econômica e uma incontrolável epidemia criminal que prenunciam protestos e descontentamento cada vez maiores.

O Governo mobilizou todas as forças policiais, a Guarda Nacional, a Guarda do Povo e a Sebin (inteligência). Além disso, lançou mão dos autodenominados “coletivos”, grupos de choque que atuam em cooperação com a Guarda, especialmente depois de receberem ordens de sair em defesa da revolução.

Foram usados aviões Sukhoi para intimidar os combativos rapazes de San Cristóbal e tanques às dúzias, como se a Guarda Nacional estivesse combatendo terroristas da Al Qaeda em vez de jovens na faixa dos 20 anos, armados, quando muito, com pedras e coquetéis molotov. Dia após dia, a polícia e os militares distribuíram uma incessante chuva de gases tóxicos, embora seu uso no controle de distúrbios seja expressamente proibido pela Constituição venezuelana, assim como o de armas de fogo iguais às que ceifaram a vida de várias pessoas.

Com fevereiro, foi-se o pouco que restava de democracia além do puro exercício eleitoral

Maduro ordenou a detenção do dirigente oposicionista Leopoldo López – já sabemos como funciona a obediente Justiça venezuelana –, seu primeiro grande preso político, e uma verdadeira razia contra os manifestantes, na qual têm caído numerosos jornalistas e alguns desafortunados curiosos. Mais de mil detidos em um mês. Um recorde que supera os da onda de saques de 1989, conhecida como Caracaço.

Desde o início dos protestos, e certamente para nos poupar do “abatimento”, o presidente oferece um nutrido festival de censura, o que incluiu a saída do canal internacional NTN24, uma ameaça à agência France Presse, um dia de bloqueio ao Twitter, a expulsão e humilhação da principal apresentadora da CNN em espanhol e ataques a mais de 70 jornalistas venezuelanos e estrangeiros (quatro por dia, em média). Além do mais, há extravios, desvarios e mentiras olímpicas de membros de seu Governo, os quais consumiriam esta página completa. Basta uma delas, anunciada pela televisão oficial: a captura de oito terroristas internacionais procurados pelo Interpol, que acabaram sendo uma fotojornalista italiana e um transeunte português.

Vimos – não pela televisão, obviamente, mas sim pelo YouTube e o Twitter –brutalidade policial e abusos sem fim. Cabeças sendo chutadas por pesadas botas negras, mulheres golpeadas com capacetes na cara por se negarem a entregar seus celulares, ossos triturados por coturnos militares, olhos arrebentados por bombas lacrimogêneas, crânios fraturados por fuzis, pessoas sendo presas à força e belos rostos desfigurados por descargas de chumbo à queima-roupa, como o do Geraldine Moreno, que não sobreviveu ao encontro com a “gloriosa” Guarda Nacional, como a definiu Maduro pouco depois da morte da moça.

Um volumoso catálogo de abusos e irregularidades seguidos por excessos judiciais, documentados por diversas ONGs de direitos humanos, inflamou ainda mais os manifestantes. Só o Fórum Penal Venezuelano denunciou 40 horripilantes casos de torturas e tratamentos cruéis e desumanos. Um derramamento de sanha e ódio desconhecido para duas gerações.

Por que Maduro decidiu caçar pássaros com mísseis? Por que não tentou sufocar os protestos à maneira de sua aliada Dilma Rousseff, presidenta do Brasil? Em princípio, os universitários, acossados pela delinquência em suas casas e centros de estudo, onde salas de aula inteira já foram roubadas, só reivindicavam segurança e a libertação de dois jovens detidos em uma manifestação em San Cristóbal.

Por que não atendeu a reivindicação legítima? Por acaso lhe convinha a escalada dos protestos que deixaram 23 mortos, de diferentes posições políticas, e mais de 300 feridos? Por que mostra essas garras agora, quando ainda não completa um ano na presidência? Houve setores da chamada Direção Político-Militar da revolução interessados em que se cruzasse essa linha? Talvez seu poderoso sócio militar, o capitão Diosdado Cabello, ex-golpista e chefe da Assembleia Nacional, tão empenhado em lhe fazer sombra?

É realmente o presidente um títere de Cuba disposto a assumir o custo político – e talvez jurídico – da violação dos direitos humanos? A quem está dirigida sua demonstração de força, só à oposição?

Um fato determinante no trágico final do protesto pacífico de 12 de fevereiro não foi suficientemente esclarecido. Se não fossem os disparos de agentes do Serviço de Inteligência Nacional (Sebin), que mataram duas pessoas quando a marcha convocada por López já havia terminado, não teria havido outras mortes nessa noite, com 23 feridos e 30 detidos. Cinco dias depois, Maduro observou que os funcionários descumpriram suas ordens de se aquartelarem e não saírem à ruanaquele dia. Se for verdade, a quem obedeciam, então? Ou é apenas que tinham sede de matar? Todos estes dias vêm transcorrendo nessa mesma escuridão.

O cinismo, as mentiras, a criminalização dos protestos e dos manifestantes, a baixeza de negar ou minimizar as violações aos direitos humanos antes de investigar e, por último, a brutalidade judicial com que se castigam os detidos provocaram uma profunda arrechera, essa indignação extrema tão venezuelana, a qual durante um mês o Governo se dedicou a alimentar com grande esmero.

Sem dúvida, criou-se uma profunda falha tectônica na Venezuela. Com fevereiro, foi-se o pouco que restava de democracia além do puro exercício eleitoral.

Depois de um mês de incessantes protestos e dura repressão, a cúpula oposicionista – afetada pela perseguição política a López e ao seu partido – tem pela frente o desafio de represar essa indignação, a qual às vezes parece lhes haver transbordado; retomar uma só linha de ação e oferecer esperanças a esses jovens céticos, que se sentem exilados em seu próprio país e por isso lutam com tanta coragem.

Fizeram bem em condicionar o diálogo com o Governo, conscientes de que as revoluções não dialogam, se impõem.

A pouca legitimidade que tinha o presidente perante a metade da população que votou na oposição se desvaneceu completamente. Para esses milhões de venezuelanos, Maduro é hoje um esboço bastante acabado de ditador. Não um homem forte. Nunca será. Mais um homem fraco, necessitado da força para infundir medo em um contexto que prenuncia ruas mais quentes. Um homem de olhar inseguro, por mais que se empenhe em rugir.

A derrota econômica e a epidemia criminal prenunciam um descontentamento cada vez maior

Provavelmente por isso se valeu dos temíveis “coletivos”, tão parecidos com os Tonton Macoute haitianos, os Batalhões da Dignidade panamenhos, as Brigadas de Resposta Rápida castristas. Mas sabe que a repressão não resolverá os graves problemas da Venezuela.

O país pode estar divido politicamente, mas não na perda de qualidade de vida. Todos padecem por igual da insegurança, da escassez, da inflação, da desvalorização e da crise hospitalar. Não por diversão soam as panelas nos bairros, onde os muitos descontentes ainda não se atrevem a protestar por causa das ameaças dos paramilitares.

Apanhado em seus clichês ideológicos e assessorado pelos cubanos, Maduro está condenado a fracassar como presidente. Não só arrasta uma economia disfuncional e um pesado legado de corrupção como também se amarrou ao mesmo Gabinete hipertrofiado que conduziu a nação com as maiores reservas petrolíferas à catástrofe econômica.

Talvez por isso tenha se precipitado a usar a repressão antes que outros meios. Talvez, no fundo, pense ser essa a única maneira de governar os insubmissos venezuelanos em meio a tanta ineficácia. Entretanto, Nicolás Maduro corre o risco de fracassar também como ditador. Paradoxalmente, colocou-se em uma panela de pressão na qual se cozinha enquanto há gente ao seu redor que parece interessada em aumentar o fogo.

Cristina Marcano é jornalista e escritora. Publicou, junto com Alberto Barrera Tyszca, Hugo Chávez Sin Uniforme – Una Historia Personal (Debate), uma biografia do ex-presidente da Venezuela.

 

NO G1: Novos protestos marcados para hoje

Organizações estudantis venezuelanas convocaram nesta terça-feira (11) uma mobilização para quarta-feira (12) no centro deCaracas, quando completa um mês das manifestações contra o governo de Nicolás Maduro, que resultaram por ora em 21 mortos em todo o país.

"O movimento estudantil faz uma convocação nacional para 12 de março, com concentração na praça Venezuela, de onde marcharemos até a Defensoria do Povo", afirmou Carlos Vargas, dirigente estudantil da Universidade Católica Andrés Bello, que promove o protesto junto com outros representantes de distintos estabelecimentos de ensino.

A mobilização foi marcada para o mesmo lugar que, no sábado e segunda-feira, as forças de ordem impediram a realização de manifestações.

"Apelamos à consciência dos venezuelanos para que não nos abandonem nesta luta. Por isso, convocamos os trabalhadores, as mães, os pais, os sindicalistas, os grêmios", acrescentou Juan Quintana, da Universidade Humbolt.

Para esta terça, está previsto que outros dirigentes universitário e líderes opositores realizem outras convocações para a mobilização de quarta-feira.

O chanceler venezuelano Elías Jaua, por sua vez afirmou que o governo Maduro enfrentou "uma tentativa violenta de golpe", que já foi neutralizada.

"Vim representando Maduro, que, como todos sabemos, está enfrentando uma tentativa violenta de golpe que já neutralizamos", declarou aos jornalistas ao chegar no Chile, para a posse da presidente Michelle Bachelet.

Maduro suspendeu de última hora sua viagem para participar na cerimônia de posse, na qual estará presente o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

A Venezuela rejeitou a mediação externa por parte da Organização dos Estados Americanos (OEA), mas aceita uma reunião dos países da União Sul-americana de Nações (Unasur) para tratar da situação no país.

Essa reunião de chanceleres da Unasul foi anunciada pela presidente Dilma Rousseff, que também se encontra no Chile.

"Os presidentes ordenaram a seus ministros das Relações Exteriores que celebrem uma reunião amanhã (quarta-feira) para criar uma comissão (...) para que o diálogo construa um ambiente de acordo, de consenso e de estabilidade na Venezuela", indicou Dilma, segundo um comunicado difundido nesta terça-feira pelo governo brasileiro.

Na reunião, os chanceleres analisarão os fatos de violência ocorridos na Venezuela há duas semanas devido aos protestos em favor ou contra o governo de Nicolás Maduro.

"Nós sempre vamos procurar a ordem democrática", acrescentou Rousseff.

A reunião foi acertada pelos presidentes sul-americanos que chegaram ao Chile para assistir à posse da presidente Michelle Bachelet.

Em 12 de fevereiro, tiveram início os protestos estudantis contra o governo no centro de Caracas, depois das manifestações começarem na cidade de San Cristóbal - um reduto opositor no oeste do país - em 4 de fevereiro. Em seguida, os protestos se estenderam para cidades como Mérida, Valencia e Maracay.

na coluna Direto ao Ponto, de Augusto Nunes (Veja.com.br):

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Fonte:
EL PAÍS (+ G1)

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