Comissão do Senado discute impacto do cashback e isenção na cesta básica no âmbito da Reforma Tributária
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal promoveu, nesta terça-feira (10), uma audiência pública para discutir a proposta de isenção da cesta básica nacional e o mecanismo de cashback (dinheiro de volta), previstos no Projeto de Lei Complementar (PLP 68/2024), que regulamenta a reforma tributária. O encontro, solicitado pelo presidente da comissão, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), faz parte de um ciclo de debates que visa auxiliar o grupo de trabalho coordenado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF).
O consultor tributário Gesner Oliveira foi um dos oradores da audiência, apresentando um estudo que aborda os efeitos da tributação de carnes no Brasil, setor que integra a cesta básica. Segundo Oliveira, a isenção fiscal sobre as carnes, com alíquota de 0%, não gera um aumento expressivo nos impostos sobre o consumo. “O impacto na alíquota média do IVA seria de apenas 0,28 pontos percentuais, bem menor que os 0,56 pontos inicialmente estimados”, explicou o economista.
Por outro lado, Oliveira alertou que, caso a isenção seja retirada, o preço médio das carnes pode subir até 8,5%, afetando principalmente as proteínas de bovinos e aves. “Se isso acontecer, o efeito na inflação será desproporcionalmente maior para os mais pobres, sendo seis vezes mais sentido pelas famílias de baixa renda do que pelas de renda alta”, destacou.
Limitações do cashback e exclusão social
O estudo também revela preocupações com o mecanismo de cashback, criado para mitigar o impacto da reforma sobre as famílias de menor renda. Segundo Gesner Oliveira, cerca de 90 milhões de brasileiros que ganham entre meio salário mínimo e R$1.887,00 estariam fora do alcance desse benefício. “O cashback não protege uma parcela significativa da população de baixa renda. Isso é uma falha importante do sistema, que deixa milhões de brasileiros sem compensação”, pontuou.
Oliveira destacou ainda que essa exclusão seria mais sentida em estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que juntos somam mais de 37 milhões de pessoas que não se enquadram nos critérios do cashback. “A retirada da isenção sobre as carnes impacta diretamente a inflação enfrentada pelos mais pobres, ampliando ainda mais as desigualdades sociais”, afirmou o economista. Ele estima que o aumento no preço das carnes poderia elevar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para famílias de renda muito baixa de 4,05% para 4,66% ao ano, enquanto para as classes mais altas o impacto seria insignificante, com um aumento de apenas 0,09 pontos percentuais.
Preocupações da Abiec
Luiz Cláudio Carvalho, representante da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), também fez parte do debate, expressando preocupações sobre a elevação da tributação prevista pela reforma. Carvalho ressaltou que, atualmente, o governo federal não cobra PIS e Cofins sobre a carne. “A proposta de reforma, sustentada pela Emenda Constitucional 132/23, implicaria uma elevação de impostos sobre esse alimento essencial”, disse ele.
Carvalho questionou a eficácia do sistema de cashback, denominado “Dinheiro de Volta”, que visa beneficiar beneficiários do Bolsa Família e pessoas com renda mensal de até R$706,00. “Embora o cashback seja uma tentativa de compensar o aumento tributário para as camadas mais vulneráveis, ele não é uma solução viável para mitigar o impacto do acréscimo de tributos sobre a carne, um item fundamental da alimentação”, afirmou.
Ele ainda levantou questões que considera não terem sido devidamente debatidas pelo governo, como a elasticidade-preço da demanda e a elasticidade cruzada da demanda. “Esses fatores são fundamentais para entender como a reforma tributária poderá afetar o consumo de alimentos e o mercado. Uma reforma que visa a simplificação tributária não pode gerar mais ônus para a alimentação da população, principalmente num momento em que a prioridade deve ser a equidade e a justiça social”, concluiu Carvalho.
Segurança alimentar e crítica à tributação seletiva
João Batista Ferreira Dornelas, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), também participou da audiência e destacou o paradoxo da insegurança alimentar no Brasil. “O país é o maior exportador de alimentos industrializados do mundo, mas enfrenta milhões de pessoas em situação de fome. O problema não é a falta de alimentos, mas a falta de renda”, afirmou Dornelas.
Ele criticou os grupos de pressão que defendem a inclusão de impostos seletivos sobre alimentos, argumentando que a alta carga tributária não trouxe benefícios para a saúde da população. “A segunda maior carga tributária do mundo não nos tornou a população mais saudável ou menos obesa. O que precisamos é de uma alimentação mais acessível para todos”, afirmou Dornelas.
Dornelas defendeu que todos os tipos de alimentos, incluindo os industrializados, como carnes e pescados, sejam incluídos na cesta básica, criticando as propostas de tributação seletiva. “A indústria alimentícia permite o acesso contínuo a diversos produtos ao longo do ano, garantindo segurança alimentar, o que não seria possível sem o processamento de alimentos”, concluiu.
Pequenos produtores ameaçados
O economista Gesner Oliveira também alertou para o risco de concentração de mercado no setor agropecuário. Com o aumento dos impostos sobre as carnes, pequenos produtores poderiam ser excluídos do mercado, favorecendo grandes conglomerados que têm maior acesso ao mercado externo. “Isso reduziria a concorrência, aumentando o poder de mercado dos grandes players e, consequentemente, o preço final para o consumidor”, explicou Oliveira. Segundo ele, essa mudança estrutural poderia prejudicar pequenos e médios produtores, afetando a diversidade de fornecedores e limitando a competitividade do setor.
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