Apesar do protecionismo, crise sanitária e encolhimento do rebanho devem forçar Europa a importar mais carne do Brasil

Publicado em 16/12/2025 17:32
Aumento das importações da Europa tende a ocorrer em meio a um ambiente de maior vigilância comercial

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Apesar do avanço de salvaguardas e de um discurso cada vez mais protecionista dentro da União Europeia, a tendência para os próximos anos é de aumento das importações de carne bovina e de aves do Brasil. A avaliação é do analista Fernando Henrique Iglesias, da Safras & Mercado, que aponta um descompasso estrutural entre oferta e demanda no bloco europeu.

Segundo Iglesias, a Europa enfrenta um processo contínuo de encolhimento do rebanho bovino ao longo desta década, além dos impactos recorrentes da influenza aviária de alta patogenicidade, especialmente no setor de carne de frango. Esse cenário reduz a capacidade produtiva interna e obriga o bloco a buscar fornecedores mais competitivos no mercado internacional, com destaque para o Brasil.

“Hoje, o europeu precisa do produto brasileiro para se abastecer. Existe uma necessidade real de compra de carne do Brasil muito em função desse descompasso de produção que a Europa enfrenta”, avalia o analista.

Em Portugal, a escassez de animais para abate e o redirecionamento de parte da produção para o mercado externo já refletem diretamente nos preços ao consumidor. O movimento acompanha uma tendência mais ampla no continente, onde a produção local não tem conseguido acompanhar o crescimento do consumo.

Na França, a situação é agravada por novos focos de doenças no campo. A dermatose nodular contagiosa (DNC), enfermidade viral que afeta bovinos, sem risco para humanos, foi detectada pela primeira vez em uma fazenda na região de Savoie. O surto levou ao abate de mais de 70 animais em uma propriedade. Até o momento, cerca de 3 mil cabeças de gado já foram abatidas no país.

De acordo com o Ministério da Agricultura francês, até o momento foram identificados 110 surtos da doença, atingindo 75 fazendas em diferentes regiões. A dermatose nodular se soma a outros desafios sanitários enfrentados pela agropecuária francesa.

Na avicultura, a gripe aviária continua sendo uma ameaça relevante. As autoridades confirmaram um novo foco da doença na última sexta-feira (12) na região de Landes, no sudoeste do país, principal polo produtor de patos para foie gras e referência na produção avícola francesa. O avanço da doença reforça as dificuldades de abastecimento de carne de aves no mercado europeu.

Esses problemas sanitários surgem em um momento particularmente delicado para a agricultura francesa. Diversos setores emblemáticos, que vão da produção de trigo aos vinhedos, atravessam uma crise considerada sem precedentes. Como resultado, a França tem sido obrigada a ampliar as importações de alimentos e produtos agropecuários.

Ao mesmo tempo, Iglesias pondera que esse movimento de aumento das importações da Europa tende a ocorrer em meio a um ambiente de maior vigilância comercial. Medidas de salvaguarda e mecanismos de proteção podem ser acionados pela União Europeia como forma de conter o avanço das importações e proteger o produtor local.

O Parlamento Europeu aprovou, nesta terça-feira, 16, o pacote de medidas legislativas que terá impacto direto no setor agrícola do bloco, incluindo novas salvaguardas comerciais relacionadas ao acordo com o Mercosul e a simplificação de regras da Política Agrícola Comum (PAC). 

A posição do Parlamento sobre o tratado comercial, aprovada por 431 votos a favor e 161 contra, estabelece mecanismos mais rigorosos para proteger os produtores europeus, permitindo a suspensão temporária de preferências tarifárias para produtos sensíveis, como carne bovina e aves, oriundos de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, caso se verifique prejuízo à produção local.

O novo texto estabelece que a Comissão Europeia deverá abrir uma investigação sempre que as importações de produtos agrícolas considerados sensíveis, como carne bovina, carne de aves e açúcar, apresentarem um aumento médio de 5% ao longo de três anos. O percentual reduz significativamente o limite previsto no acordo original, que era de 10% ao ano.

Além de reduzir o percentual para investigação, o Parlamento Europeu também encurtou os prazos de análise e reforçou os mecanismos de monitoramento. O objetivo, segundo os parlamentares, é garantir que os produtos importados do Mercosul cumpram rigorosamente os padrões ambientais, sanitários e de produção exigidos pela legislação europeia.

O contexto internacional também pesa contra o Parlamento Europeu, já que a União Europeia enfrenta desafios econômicos internos e tarifas elevadas impostas pelos Estados Unidos, o que reforça a necessidade de abrir novos mercados e fortalecer alianças comerciais fora do eixo tradicional.

O tratado conta com apoio relevante dentro do bloco. Alemanha, Espanha, Países Baixos, Portugal e Suécia se posicionam favoravelmente ao acordo, considerando o Mercosul estratégico para a diversificação das parcerias comerciais europeias. Para esses países, o pacto é uma forma de reduzir a dependência da China, garantir acesso a minerais essenciais para a transição energética e ampliar mercados para produtos europeus como vinhos, queijos e máquinas.

Do outro lado, os opositores do tratado argumentam que o acordo tende a prejudicar os agricultores europeus, uma vez que os produtos do Mercosul, especialmente os brasileiros, têm menor custo de produção e maior competitividade. O Brasil, por sua vez, tem rebatido as críticas, destacando a rigidez do Código Florestal e os avanços em práticas sustentáveis na produção agropecuária.

A dificuldade de competição, segundo Iglesias, é um fator concreto. Produzir carne na Europa tornou-se um processo cada vez mais caro, oneroso tanto para a indústria quanto para o produtor rural, em função de exigências ambientais, custos trabalhistas elevados e regras sanitárias rigorosas. Nesse contexto, a competitividade da carne brasileira se impõe de forma natural.

“A alegação do produtor europeu de que não consegue competir com o produto brasileiro é verdadeira. Produzir carne hoje na Europa é muito custoso, e competir com o Brasil se torna extremamente difícil”, explica Iglesias.

O desafio para a União Europeia, na avaliação do analista da Safras & Mercado, será equilibrar interesses muitas vezes conflitantes: atender à demanda interna por proteína animal, garantir o abastecimento do mercado e, ao mesmo tempo, manter o produtor local em níveis aceitáveis de rentabilidade e satisfação.

Mesmo diante dessas tensões, Iglesias projeta que a necessidade de importação deve prevalecer. Para ele, o bloco europeu seguirá ampliando as compras de carne brasileira nos próximos anos — e já no próximo ano esse movimento tende a ficar mais evidente —, ainda que acompanhado de discursos políticos mais duros e de tentativas de controle comercial.

“O cenário aponta para uma maior importação da Europa no próximo ano para a carne brasileira. Existe uma dependência crescente do produto do Brasil, mesmo com toda a dificuldade política e a resistência dos produtores locais”, conclui. 

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Por:
Andressa Simão | Instagram @apautadodia
Fonte:
Notícias Agrícolas

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