Mandetta defende isolamento e pede que Bolsonaro não minimize pandemia, diz a Reuters

Publicado em 28/03/2020 16:44 e atualizado em 30/03/2020 08:22

BRASÍLIA (Reuters) - A entrevista em que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, endureceu o discurso pelo isolamento horizontal contra a disseminação do coronavírus e fez críticas diretas a posturas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro veio depois de uma reunião tensa no Palácio da Alvorada, na qual o ministro pediu que o presidente não diminuísse mais a gravidade da epidemia, disseram à Reuters duas fontes com conhecimento do encontro.

Na reunião, que teve a participação de outros ministros, Mandetta também avisou ao presidente que não defenderia o chamado isolamento vertical, que vem sendo apregoado por Bolsonaro como forma de reduzir o impacto econômico da pandemia.

"Foi uma reunião ríspida", disse uma das fontes. "Mandetta não abre mão do isolamento horizontal. Ele está pisando em ovos, mas algumas coisas ele não vai abrir mão. Vamos ver o que vai acontecer daqui para frente."

Na coletiva, Mandetta disse que sua atuação será guiada pela ciência e defendeu que as pessoas fiquem em casa. [

"Ainda não dá para falar: 'Libera todo mundo para sair', porque a gente não está conseguindo chegar com o equipamento, como a gente precisa”, afirmou o ministro na entrevista. "Se sair andando todo mundo de uma vez, vai faltar (o atendimento) para rico e pobre."

Mandetta ainda criticou as carreatas pela abertura do comércio, marcadas em várias cidades e que chegaram a ter vídeos compartilhados pelo próprio presidente e seus filhos, e disse que o medicamento cloroquina, defendido por Bolsonaro como solução para a epidemia, não é uma panaceia e pode ser tóxico.

Bolsonaro tem defendido um abrandamento das medidas de restrição à circulação adotadas por prefeitos e governadores, apontando a necessidade de se deixar o isolamento horizontal, vigente em várias cidades, e passar a usar o vertical, no qual somente idosos e pessoas com doenças pré-existentes ficariam isoladas, liberando as demais para voltar ao trabalho e estudantes para voltarem às escolas.

De acordo com uma segunda fonte, Mandetta foi para a entrevista convencido da necessidade de ser claro na sua posição em defesa do isolamento, porque as falas do presidente --e sua própria tentativa, essa semana, de contemporizar-- estavam levando ao crescimento de movimentos para acabar com a contenção da circulação de pessoas quando o sistema não está preparado para um pico da epidemia.

A conversa com Bolsonaro, no entanto, não foi amigável. O ministro pediu ao presidente para controlar o discurso e evitar incentivar o fim do isolamento, o que Bolsonaro não recebeu bem.

No encontro no Palácio da Alvorada estavam, além de Mandetta, os ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, da Justiça, Sergio Moro, da Defesa, Fernando Azevedo, da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, da Advocacia-Geral da União, André Almeida, e o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres.

Parte dos ministros cobrou do presidente uma unificação do discurso do governo, que depois do pronunciamento da semana passada alimentou a rede bolsonarista, mas também foi extremamente criticado pela sociedade, incluindo governadores, prefeitos e parlamentares.

Nesse ponto, Mandetta deixou claro que iria se pautar, como tem dito, pela saúde, e não defenderia a liberação agora do comércio, como tem feito Bolsonaro.

Do grupo que estava na reunião no Alvorada, Mandetta teve o apoio dos ministros civis --Moro, Marinho, Jorge Oliveira-- e do general Braga Netto, o que lhe deu peso na discussão

"Não foi uma conversa fácil", disse uma das fontes.

Em um ponto os ministros reunidos com o presidente neste sábado prevaleceram: ele desistiu de fazer um novo pronunciamento, como havia anunciado em entrevista na sexta-feira.

Bolsonaro havia dito que planejava uma segunda fala esse final de semana para, segundo ele, dizer "a verdade". Foi convencido de que não era um bom momento.

Presidente Jair Bolsonaro e ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista coletiva em Brasília
  • Presidente Jair Bolsonaro e ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista coletiva em Brasília 18/03/2020 REUTERS/Adriano Machado.

Brasil tem 114 mortes por coronavírus, Mandetta pede que pessoas fiquem em casa e diz que será movido pela ciência

SÃO PAULO (Reuters) - O Brasil tem 114 mortes provocadas pelo Covid-19, doença causada pelo coronavírus, com 22 novos óbitos registrados nas últimas 24 horas, e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, recomendou neste sábado que as pessoas fiquem em casa e afirmou que a atuação do ministério será movida pela ciência.

De acordo com dados do Ministério da Saúde divulgados em entrevista coletiva neste sábado, o Brasil tem 3.904 casos confirmados de infecção por coronavírus, ante 3.417 na véspera.

Inicialmente a pasta informou que o número de mortes era de 111, mas posteriormente o dado foi corrigido pelo ministério. O ministério informou também que o índice de letalidade do Covid-19 no país é de 2,9%.

"Vamos nos mover pela ciência e pela parte técnica, com planejamento", garantiu Mandetta na entrevista coletiva.

Após uma semana em que o presidente Jair Bolsonaro defendeu enfaticamente a retomada de atividades como as de escolas e o comércio, fechados por medidas de restrição de circulação adotadas por governadores e prefeitos, Mandetta recomendou que as pessoas fiquem em casa e defendeu que haja uma articulação entre União, Estados e municípios na adoção de medidas para conter o avanço do vírus daqui para frente.

O ministro disse que o isolamento das pessoas têm permitido que leitos de terapia intensiva geralmente usados para traumas causados por acidentes de trânsito fiquem disponíveis para pacientes com Covid-19.

"Mais uma razão para a gente diminuir bastante a circulação de pessoas", afirmou Mandetta, que também disse que o isolamento dá tempo para que o sistema de saúde se organize para o momento de pico da epidemia, como por exemplo garantindo que equipamentos de proteção individual cheguem para os profissionais da saúde.

"Mais uma razão para a gente ficar em casa parado para que os equipamentos cheguem às mãos de quem precisa", disse. "Esse vírus ataca o sistema da saúde, e ataca o sistema da sociedade como um todo."

Mandetta também alertou para os riscos do uso indiscriminado da cloroquina, medicamento indicado para malária e doenças autoimunes como lúpus, no tratamento de Covid-19. Bolsonaro tem se referido frequentemente à cloroquina como uma alternativa de tratamento, embora os estudos sobre a eficácia do remédio contra o coronavírus estejam ainda em fase preliminar, como disse o ministro neste sábado.

"Cloroquina não é panaceia", disse Mandetta, apontando que o remédio pode ter contraindicações e afetar órgãos vitais do organismo, como o fígado. "Podemos ter mais mortes pelo mau uso do medicamento do que pela própria virose."

Mandetta disse que o Ministério da Saúde está trabalhando junto com o Ministério da Economia e com secretários estaduais de Saúde para que exista uma articulação em relação às medidas de restrição de circulação.

Embora tenha dito que Bolsonaro está "certíssimo" em manifestar sua preocupação com a possibilidade de pessoas morrerem por causa de uma crise econômica gerada pelas restrições, Mandetta não descartou a possibilidade de ser necessária a adoção de um lockdown total para conter a epidemia.

"O lockdown pode vir a ser necessário", afirmou, ao mesmo tempo que defendeu que os gestores locais arbitrem as medidas necessárias a cada momento.

Mandetta voltou a afirmar que permanecerá no cargo, em meio a atritos entre as recomendações do ministério e a retórica pública de Bolsonaro em relação à pandemia. O presidente já se referiu mais de uma vez ao Covid-19 como uma "gripezinha".

"Volto a repetir: vou ficar aqui junto com vocês enquanto o presidente permitir, enquanto eu tiver saúde... Ou (até) a hora que não for mais necessário estarmos aqui", garantiu.

MInistrob da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista coletiva em Brasília
  • ​Em entrevista, Mandetta pede que pessoas fiquem em casa e diz que será movido pela ciência.

Ministro da Economia diz que ainda não há acordo dentro do Governo

Ministro da Economia, Paulo Guedes, durante entrevista coletiva em Brasília

  • Medidas para coronavírus somam até 5% do PIB, mas governo volta às reformas depois, diz Guedes

BRASÍLIA (Reuters) - O ministro da Economia, Paulo Guedes, reconheceu ontem, em entrevista,  que não haver consenso dentro do governo sobre a duração necessária de um isolamento horizontal, mais rígido.

"A resposta francamente é o seguinte: não há acordo", afirmou ele.

"Estava claramante a favor do isolamento no início, ninguém tinha dúvida disso. Num primeiro momento o isolamento é importante. Agora a gente sabe o seguinte: se for isolamento longo demais é uma catástrofe econômica. Se for isolamento curto demais é uma catástrofe de saúde pública", acrescentou.

O ministro afirmou ser importante manter corredores logísticos abertos para permitir o escoamento da safra agrícola e o abastecimento de hospitais, supermercados e farmácias.

"Se nós conseguirmos manter essa oxigenação do setor econômico, você pode até alongar um pouco o isolamento. Agora se o isolamento for total, o fôlego é mais curto."

"Vamos pagar em um ano as despesas do coronavírus"

As medidas para enfrentamento ao coronavírus somam de 4,8% a 5% do Produto Interno Bruto (PIB), num desvio transitório do foco do governo, que permanece sendo de reformas para retomada do crescimento, defendeu o ministro.

"Se nós fizermos um programa colossal de (medidas) emergenciais sem sinalizar as estruturantes, aí nós vamos desestabilizar as expectativas, aí começa o juro a subir, começa a inflação a subir e isso nós não podemos permitir", disse ele, ao participar de mesa redonda virtual com executivos da XP.

Segundo Guedes, passado esse período de três, quatro meses, o país precisará destravar investimentos e aprovar projetos e reformas no Congresso com esse objetivo.

O ministro também afastou a possibilidade de saída do governo, afirmando que isso é "conversa fiada total".

Ele pontuou que, por conta dos gastos com o surto do Covid-19, o Brasil terá déficit primário "extraordinário" este ano. Mas o ministro afirmou que o Brasil arcará rapidamente com essa conta.

"Vamos pagar em um ano as despesas do coronavírus", disse Guedes. "Nós vamos vendendo, vamos fazer como fizemos no ano passado", acrescentou ele, lembrando de iniciativas levadas a cabo em 2019, como a venda de reservas internacionais pelo Banco Central e a venda de ativos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Autônomos terão custo de R$ 50 bi

Ao especificar os impactos fiscais de iniciativas já anunciadas, o ministro afirmou que o programa voltado aos autônomos e informais, de concessão de um vale de 600 reais por três meses, terá um custo de cerca de 50 bilhões de reais.

Já a complementação do salário para os trabalhadores formais que tiverem jornada e remuneração reduzidas --ação que ainda está sendo finalizada pela equipe econômica-- terá um impacto em torno de 45 bilhões de reais a 50 bilhões de reais, disse.

Sobre esta ação, o ministro sinalizou que a ideia do governo é que ela funcione de maneira combinada com o financiamento da folha de pagamento das pequenas e médias empresas, que o ministro chamou de Fopas. Aos executivos, Guedes indicou, inclusive, que o direcionamento de recursos do Tesouro no Fopas deve dobrar de tamanho.

Na sexta-feira, o governo anunciou um programa de 40 bilhões de reais para financiar por dois meses a folha de pagamento das pequenas e médias empresas com recursos do Tesouro e dos bancos, buscando fornecer respiro de caixa às companhias em meio à pandemia do coronavírus. 

O governo federal ficará com 85% do risco de inadimplência e os bancos com os demais 15%.

Guedes reconheceu que, apenas com a diminuição dos compulsórios pelo Banco Central, o dinheiro não estava chegando na ponta aos tomadores de crédito, o que ele disse ser natural num momento em que os bancos passam a ter mais medo de inadimplência por conta da crise.

"A gente tem que dar um empurrãozinho no banco. Então vamos fazer o seguinte: nós vamos correr o risco, separamos um dinheiro do Tesouro ... são 40 bi num primeiro tranche, depois vamos botar mais 40 e depois, se precisar, nós vamos botando."

De acordo com Guedes, tanto a medida de redução da jornada com ajuda do governo na complementação dos salários quanto a do financiamento da folha de pagamento das PMEs serão formalmente enviadas ao Congresso "nos próximos dias".

"A gente vai combinar os dois", afirmou o ministro. "Quando lançarmos, o pequeno empresário vai poder falar no banco dele 'eu já negociei o salário com a turma lá, sei que tem uma complementação do salário (pelo governo) e preciso de empréstimo para pagar (a minha parte)'", afirmou.

 

 

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Fonte:
Reuters

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