Análise dos artigos 11 a 13 do Projeto de Lei do Senado que alteram temporariamente disposições referentes aos contratos agrário

Publicado em 02/04/2020 15:34
Por Albenir Querubini e Frederico Price Grechi

O PLS nº 1179/2020, que “dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19)”,  trouxe em seu Capítulo VII, disposições acerca dos contratos agrários. Pretendemos aqui realizar breve análise dos artigos 11 a 13 do Projeto de Lei nº 1179/2020, apresentado pelo Senador Antonio Anastasia, que alteram temporariamente disposições referentes aos contratos agrários, fazendo considerações técnicas e apresentando sugestões ao texto apresentado.

Conforme art. 11 do PLS nº 1179/2020, pretende-se a suspensão até 30 de outubro dos incisos IV, V e XI, alínea “b” do art. 95 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), os quais dispõem acerca das seguintes disposições:

 (a) inciso IV do art. 95 do Estatuto da Terra – direito de preferência do arrendatário para renovação do contrato, quando existirem ofertas de terceiros interessados no respectivo imóvel agrário e prazo para resposta pelo arrendatário, que passa a ter regra transitória prevista no art. 12, incs. I e II, do respectivo PLS nº 1179/2020;

(b) inciso V do art. 95 do Estatuto da Terra – exercício do direito de retomada do imóvel cedido em arrendamento rural pelo arrendador, o qual passa a seguir a regra trazida pelo art. 12, inc. III, do PLS nº 1179/2020; e,

(c) inciso XI, alínea “b”, do Estatuto da Terra – prazos mínimos de arrendamento rural e limites de vigência para os tipos de atividades agrárias, os quais passam a observar o disposto no art. 12, inc. IV, do PLS nº 1179/2020.

Além disso, o art. 13 do PLS nº 1179/2020 traz disposição específica para a celebração de contratos de arrendamento rural com empresas nacionais cujo capital social pertença majoritariamente a pessoas naturais ou jurídicas estrangeiras.

A seguir a análise técnica dos respectivos dispositivos, partindo dos dispositivos aos quais se pretende modificar de forma temporária pelo Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), no período compreendido pela pandemia do Covid-19:

a) Direito de preferência do arrendatário para renovação do contrato, quando existirem ofertas de terceiros interessados no respectivo imóvel agrário e prazo para resposta pelo arrendatário

Assim dispõe o Estatuto da Terra:

Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:

(…)

IV – em igualdade de condições com estranhos, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o proprietário, até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, fazer-lhe a competente notificação extrajudicial das propostas existentes. Não se verificando a notificação extrajudicial, o contrato considera-se automaticamente renovado, desde que o arrendador, nos 30 (trinta) dias seguintes, não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, tudo mediante simples registro de suas declarações no competente Registro de Títulos e Documentos;  (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007)

Proposta trazida pelo PLS nº 1179/2020:

Art. 12. Nos contratos de arrendamento rural, aplicam-se as seguintes regras:

I – em relação ao prazo de 6 (seis) meses de antecedência do vencimento do contrato para o proprietário promover a notificação extrajudicial do arrendatário sobre as propostas existentes nos termos do inciso IV do art. 95 da Lei nº 4.504, de 30 de dezembro de 1964, se a data máxima dessa notificação ocorrer até 1º de outubro de 2020, o proprietário poderá realizar essa notificação até 30 de outubro de 2020, caso em que o arrendatário terá seis meses para exercer o seu direito de preferência e caso em que o contrato de arrendamento seguirá em vigor durante esse prazo;

II – se a data de vencimento do contrato de arrendamento expirar até 1º de outubro de 2020, o prazo de 30 (trinta) dias previsto no IV do art. 95 da Lei nº 4.504, de 30 de dezembro de 1964, para o arrendatário manifestar seu desinteresse pela prorrogação do contrato passa a correr a partir de 30 de outubro de 2020;

A respectiva proposta de modificação transitória do art. 95, inc. IV, do Estatuto da Terra apresenta-se razoável, pois a lei exige a observância de forma solene de comunicação da existência de ofertas de terceiro por meio de notificação extrajudicial, a qual se dá por meio de Registro de Títulos e Documentos. Nesse sentido, os arrendadores poderiam ser prejudicados tanto pelas medidas de isolamento social determinadas pelo Poder Público, bem como ter dificultada a realização da forma legal em razão das restrições de funcionamento dos Cartórios e Registros Públicos, o que poderia acarretar como consequência a renovação automática dos contratos de arrendamento rural.

De igual forma, o prazo de resposta do arrendatário, que eventualmente tenha sido notificado de propostas antes da pandemia, também poderia ser prejudicado, ao deixar de realizar a contraoferta no prazo legal (30 dias), o que caracterizaria hipótese de extinção do contrato de arrendamento, com a obrigação de devolução do imóvel agrários ao final do prazo contratual, sob pena de sobre o ajuizamento de ação de despejo.

b) Exercício do direito de retomada do imóvel              

Assim consta no Estatuto da Terra:

Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:

(…)

 V – os direitos assegurados no inciso IV do caput deste artigo não prevalecerão se, no prazo de 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, o proprietário, por via de notificação extrajudicial, declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente ou por intermédio de descendente seu;   (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

Proposta trazida pelo PLS nº 1179/2020:

Art. 12. Nos contratos de arrendamento rural, aplicam-se as seguintes regras:

(…)

III – em relação ao prazo de 6 (seis) meses de antecedência do vencimento do contrato para o proprietário promover a notificação extrajudicial do arrendatário sobre seu interesse em retomar o imóvel para exploração por si ou por seu descendente nos termos do inciso V do art. 95 da Lei nº 4.504, de 30 de dezembro de 1964, se a data máxima dessa notificação ocorrer até 30 de outubro de 2020, o proprietário poderá realizar essa notificação até 30 de outubro de 2020, caso em que o contrato de arrendamento seguirá em vigor por mais seis meses dessa data;

No mesmo sentido da disposição analisada anteriormente, a proposta de alteração de suspensão dos prazos é medida razoável para assegurar o exercício de direito de preferência pelo arrendador, uma que a lei também traz forma solene a ser observada para garantir a validade da notificação premonitória, via Cartório de Títulos e Documentos, a ser entregue ao arrendatário, sob pena de renovação automática do contrato.

No entanto, cumpre observar que a previsão constante na parte final, ao dispor que prevê a possibilidade de prorrogar a vigência do contrato por mais seis meses, a contar de 30 de outubro de 2020, não parece acertada, posto que as normas de Direito Agrário devem sempre ser interpretadas levando em conta o início e o fim das safras. Nesse caso, vale lembrar que já existe regra contida na 2ª parte do inc. I do art. 95 do Estatuto da Terra, dispondo que “no caso de retardamento da colheita por motivo de força maior, considerar-se-ão esses prazos prorrogados nas mesmas condições, até sua ultimação”.

Desta forma, sugere-se que seja retirada da redação do inc. III do art. 12 do PLS nº 1179/2020 a parte final, nos seguintes termos:

III – em relação ao prazo de 6 (seis) meses de antecedência do vencimento do contrato para o proprietário promover a notificação extrajudicial do arrendatário sobre seu interesse em retomar o imóvel para exploração por si ou por seu descendente nos termos do inciso V do art. 95 da Lei nº 4.504, de 30 de dezembro de 1964, se a data máxima dessa notificação ocorrer até 30 de outubro de 2020, o proprietário poderá realizar essa notificação até 30 de outubro de 2020;

c) Prazos mínimos de arrendamento rural e limites de vigência para os tipos de atividades agrárias

Acerca da respectiva disposição, assim prevê o Estatuto da Terra:

Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:

(…)

 XI – na regulamentação desta Lei, serão complementadas as seguintes condições que, obrigatoriamente, constarão dos contratos de arrendamento:

(…)

b) prazos mínimos de arrendamento e limites de vigência para os vários tipos de atividades agrícolas;  (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

A regulamentação do referido dispositivo legal é dada pelas seguintes disposições do Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966, que assim prevê:

Art 13. Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma, contarão obrigatoriamente, clausulas que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados a saber (Art. 13, incisos III e V da Lei nº 4.947-66);

(…)

II – Observância das seguintes normas, visando a conservação dos recursos naturais:

a) prazos mínimos, na forma da alínea ” b“, do inciso XI, do art. 95 e da alínea ” b “, do inciso V, do art. 96 do Estatuto da Terra:

– de 3 (três), anos nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura temporária e ou de pecuária de pequeno e médio porte; ou em todos os casos de parceria;

– de 5 (cinco), anos nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias primas de origem animal;

– de 7 (sete), anos nos casos em que ocorra atividade de exploração florestal;

Por sua vez, o PLS nº 1179/2020 pretende a seguinte modificação:

Art. 12. Nos contratos de arrendamento rural, aplicam-se as seguintes regras:

(…)

IV – se o prazo do contrato de arrendamento rural ou dos limites de vigência para os vários tipos de cultura expirar antes de 30 de outubro de 2020, presume-se a prorrogação até essa data.

Nesse ponto, entende-se que a respectiva modificação parece ser desnecessária, posto que, conforme analisado anteriormente, as normas de Direito Agrário, ao estabelecerem prazos mínimos, levam em conta os ciclos culturais (início e o fim das safras ou da criação dos animais), além de que já existe regra contida na 2ª parte do inc. I do art. 95 do Estatuto da Terra dispondo que “no caso de retardamento da colheita por motivo de força maior, considerar-se-ão esses prazos prorrogados nas mesmas condições, até sua ultimação”.

Assim sendo, sugere-se a retirada do inc. IV do art. 12 do PLS nº 1179/2020, o que implica também na modificação do caput do art. 11 do PLS nº 1179/2020, o qual passaria a ter a seguinte redação:

Art. 11. Os incisos IV e V do art. 95 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, têm sua aplicação suspensa até 30 de outubro de 2020.

d) celebração de contratos de arrendamento rural com empresas nacionais cujo capital social pertença majoritariamente a pessoas naturais ou jurídicas estrangeiras

Por fim, cumpre analisar o art. 13 do PLS nº 1179/2020, que prevê o seguinte:

Art. 13. Fica suspensa, até 30 de outubro de 2020, a proibição de celebração de contratos de arrendamento com empresas nacionais cujo capital social pertença majoritariamente a pessoas naturais ou jurídicas estrangeiras, nos termos da Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971.

A medida de proibição da celebração de contratos de arrendamento rural com empresas nacionais cujo capital social pertença majoritariamente a pessoas naturais ou jurídicas estrangeiras trata-se de inovação legislativa[1].

 Ademais, cumpre observar que não constam quaisquer explicações a respeito da sua motivação na Justificação do PLS nº 1179/202, o que leva a entender se enquadrar na ideia de  proteção (em viés lato sensu) de proteção de vulneráveis, que no caso se presume ser as empresas nacionais em face das desvantagens decorrentes da crise econômica em face do capital estrangeiro, em especial pela desvalorização do real em face do dólar e outras moedas estrangeiras.

Nesse sentido, sugere-se ao Relator do PLS nº 1179/202, Senador Anastasia, que encaminhe justificação complementar explicando a motivação da inserção do art. 13, enquanto medida relacionada à proposta do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado.

Nota:

[1] Em âmbito infraconstitucional a matéria é regulada pela Instrução Normativa INCRA nº 94, de 17 de dezembro de 2018, que dispõe sobre a aquisição e o arrendamento de imóvel rural por pessoa natural estrangeira residente no País, pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil e pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira e dá outras providências.

Albenir Querubini – Mestre em Direito pela UFRGS. Membro da União Mundial dos Agraristas Universitário (UMAU) e da União Brasileira dos Agraristas Universitários (UBAU). Professor.

Frederico Price Grechi – Mestre, Doutor e Pós-Doutor pela UERJ. Diretor de Assuntos Jurídicos e legislativos da SNA. Advogado e Professor.

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Fonte:
Direito Agrário

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