Pesquisa da Unicamp com apoio da Fapesp visa tornar a cana mais tolerante à seca

Publicado em 22/12/2021 08:49
O estudo já realizou duas rodadas de testes em laboratório que buscaram “treinar” mudas pré-brotadas a enfrentar melhor as estiagens; resultados obtidos sugerem que as plantas transmitem uma “memória” de seca para as novas gerações

Um estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com financiamento do Programa de Pesquisa em Bioenergia da FAPESP (BIOEN) e apoio do Instituto Max Planck (Alemanha), pretende avaliar a capacidade de plantas, a exemplo da cana-de-açúcar, se adaptarem a períodos mais longos de secas. A iniciativa se desenvolve no cenário climático atual, de estiagens mais frequentes e intensas. Neste ano, muitas lavouras de cana viraram palha e a safra 2021/22 deve ser 15% menor do que a anterior, estima a Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil.

O estudo Bases moleculares da memória à seca, coordenado pelo agrônomo especialista em fisiologia vegetal e professor do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp, Rafael Vasconcelos Ribeiro, desenvolve uma metodologia para tornar as mudas pré-brotadas mais tolerantes à seca. Em outras palavras, visa desenvolver plantas “treinadas” para enfrentar a escassez hídrica. A ideia é que essas plantas sejam, inclusive, capazes de repassar a “memória” da seca para as suas mudas.

“Realizamos duas rodadas de testes em laboratório, com diversas variedades de canas desenvolvidas pelo Instituto Agronômico (IAC), em Campinas, e os resultados são muito animadores”, garante Ribeiro. Segundo o professor, tanto a cana pré-brotada submetida a um processo controlado de estresse hídrico, quanto as mudas originadas de plantas estressadas, apresentaram boas respostas de tolerância à estiagem. Verificou-se uma rápida recuperação da fotossíntese logo depois de encerrado o período de insuficiência de água, além de maior crescimento da planta.

Submeter a cana pré-brotada ao estresse hídrico como forma de prepará-la para futuros períodos de estiagem no campo vai na contramão das boas práticas no campo. “Isso é meio contra-intuitivo, não parece lógico”, admite o pesquisador. “Mas testes em laboratório têm indicado justamente o oposto: temos de fazê-las experimentar o estresse hídrico ainda no viveiro”, explica o especialista em fisiologia e bioquímica vegetal.

Raízes maiores e mais profundas

No estudo com mudas pré-brotadas, as plantas foram submetidas a dois períodos de estresse hídrico consecutivos, intercalados por um período de recuperação da hidratação. “Ao passar por dois ciclos de desidratação e reidratação, a cana pré-brotada desenvolve várias estratégicas e reações fisiológicas para manter o seu metabolismo sob restrição hídrica. Ela preserva a água, mas consegue manter um bom nível de fotossíntese que garante o seu crescimento”, explica Ribeiro.

No caso das plantas submetidas ao estresse e que geraram mudas, o estudo sugere que a capacidade de acessar uma “memória” de seca demonstra que a alteração fisiológica e metabólica é mantida. “As raízes dessas mudas são maiores e mais profundas, indicando maior capacidade de extrair água e nutrientes do solo. No caso da cana, poderíamos dizer que mães estressadas geram filhas tolerantes”, brinca.

Segundo o agrônomo, a característica de gerar mudas mais tolerantes à seca cria a possibilidade de se utilizar variedades de canas que já enfrentam estresse hídrico em regiões do país que são mais secas e destiná-las à produção de mudas para uso na região Centro-Sul do país.

“Memória”

Ribeiro aponta que há uma certa dificuldade por parte da comunidade científica em aceitar que uma planta possa ter ‘memória’, já que não possui cérebro. “Chamamos de ‘memória’ a capacidade da planta em passar por um evento estressante, ser sensibilizada, armazenar informações e acessar essas informações quando o evento se repete”, explica. O desafio agora é encontrar um marcador químico ou metabólico dessa ‘memória’, além de compreender o que ocorre em termos de expressão gênica. “Se localizarmos esse marcador, ele poderia ser utilizado também em outras culturas com características similares”, complementa.

O pesquisador frisa a importância do BIOEN para o avanço dos estudos em bioenergia: “O BIOEN foi um marco muito importante porque ajudou a organizar e estruturar as linhas de pesquisa no setor. Antes não havia um direcionamento claro, então meio que cada um seguia por um lado. Com o BIOEN isso mudou. Há mais clareza e objetividade na definição das pesquisas em bioenergia”.

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Fonte:
BIOEN

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