Afinal, de quem é a fumaça? (Parte 2), por Amilcar Centeno

Publicado em 26/02/2013 10:35
Por Amilcar Centeno Silva.
Amilcar Centeno - Páginas Internas
No artigo da semana passada iniciamos uma discussão sobre a forma como está sendo proposto o controle de emissões em máquinas agrícolas. 

Nossa preocupação não se refere ao princípio nobre desta iniciativa, mas ao fato de que no final quem vai pagar a conta deste controle é o agricultor, que na verdade, considerando o balanço de todo o seu ciclo produtivo,  é um grande capturador de carbono e não um emissor.

Apresentamos na primeira parte deste artigo várias evidências que demonstram estes fatos na produção de grãos. Hoje vamos focar um outro setor da agricultura Brasileira que é um grande capturador de carbono: o setor sucro-alcooreiro.

Uma característica extremamente importante e muitas vezes desconsiderada nas discussões sobre o controle de emissões é de que o Brasil vem percorrendo um caminho próprio para resolver o problema. Enquanto na maior parte dos países desenvolvidos o controle das emissões por veículos tem sido feita principalmente via tecnologia de motores, em nosso país a maior parte dos resultados tem sido alcançados via tecnologia dos combustíveis, notadamente o etanol.

A substituição da gasolina pelo etanol de cana-de-açúcar pode reduzir em 73% as emissões de CO2 na atmosfera. A conclusão é de pesquisadores da Embrapa, que avaliaram ainda a quantidade de gases de efeito estufa produzida em cada etapa do processamento do etanol e da gasolina.

A pesquisa foi desenvolvida com base em dados do painel de mudanças climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) e em medições diretamente no campo. Todo o processo foi avaliado, nas fases de emissão de gases na fabricação e aplicação de fertilizantes no campo, construção da usina de álcool e fabricação das máquinas e tratores. O mesmo procedimento foi adotado em relação à gasolina, considerando a emissão dos gases desde a extração do petróleo até a combustão do produto nos motores dos veículos.

Os pesquisadores avaliaram um carro movido a gasolina num percurso de 100 quilômetros e as emissões de CO2 no trajeto. O resultado foi uma redução de 73%, quando utilizado o veículo movido a álcool, comparado ao movido a gasolina pura. Em relação ao diesel, a queda foi de 68%. 

A pesquisa mostra ainda que, caso a prática da queima para colheita da cana seja completamente eliminada pela mecanização da operação, os valores da redução das emissões alcançarão 82% em relação à gasolina e 78% em relação ao diesel. 

Para se ter uma ideia do que isso significa, se todos os carros que ainda utilizam gasolina fossem convertidos para o etanol, o Brasil deixaria de emitir mais de 53 milhões de toneladas de carbono. Isto equivale a cerca de 14% do total das emissões de uma economia do tamanho da França! 

Estimativas feitas com base em metodologia desenvolvida pela ONG SOS Mata Atlântica, com o apoio da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (ESALQ/USP) e da consultoria Key Associados, indicam que mais de 120 milhões de árvores teriam que ser plantadas para neutralizar, ao longo de 20 anos, o mesmo volume de gases tóxicos poupados pelo uso do etanol nos carros flex desde 2003.

Mas se as coisas são mesmo assim, porque não se fala mais sobre este assunto, e porque a agricultura não consegue colher os benefícios desta contribuição?

Acontece que este é ainda um assunto muito polêmico e ainda existem muitas dúvidas e questionamentos sobre como lidar com o tema. Um exemplo disso é o conceito do “uso indireto da terra”. 

Este conceito é aplicado por várias instituições que lidam com o assunto, como o Conselho de Recursos do Ar da Califórnia (California Air Resources Board , CARB). A idéia é que seria preciso contabilizar no balanço de carbono os efeitos indiretos que se supõe que a atividade tem em outros ambientes que não aquele em que atua diretamente.

De acordo com o CARB, aplicando-se este conceito à agricultura Brasileira, seria preciso contabilizar o impacto que a atividade agrícola  provocaria na Amazônia e a consequente emissão de carbono pelas queimadas, bem como a potencial redução na captura de carbono pela floresta destruída.

Todos sabemos o quanto é polêmico e questionável afirmar que a agricultura brasileira é a responsável direta pelo desmatamento da Amazônia, quanto mais tentar dimensionar este impacto em números. 

No caso da cana-de-açúcar, aplicando-se o conceito de uso indireto da terra, o impacto do uso do etanol na captura de gases de efeito estufa seria reduzido de 71% para 23%. Impressiona tal precisão quando é tão questionável o impacto do plantio da cana no desmatamento da Amazônia.

No final das contas, projeções  irreais e questionáveis como essa, bem como suas consequências práticas, como a proposta de que a agricultura pague para reduzir as emissões de seus tratores, podem acabar tendo um impacto real negativo no esforço de controlar emissões de gases de efeito estufa, ao desestimular atividades como a agricultura conservacionista e o uso de biocombustíveis.

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Amilcar Centeno

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