Cana-de-açúcar na alimentação de bovinos leiteiros

Publicado em 02/01/2012 06:46 e atualizado em 06/03/2020 09:52
Por Maykel Franklin Lima Sales, Engenheiro-agrônomo, doutor em Zootecnia, Pesquisador da Embrapa Acre.
O período de estiagem finalizou, já caíram algumas chuvas, o capim voltou a crescer, a produção de leite aumentou, os problemas com a alimentação do rebanho estão resolvidos! É justamente aqui que muitos produtores de leite se enganam. Essa é a época de preparar o canavial para utilizar a cana-de-açúcar na alimentação dos animais durante a seca que está por vir. Com o passar dos anos, como resultado das constantes mudanças climáticas globais, a severidade das secas na região tem aumentado significativamente. “Se em um ano a seca foi mais branda, pode esperar que no próximo ano ela virá bem mais forte”, essa frase começa a fazer parte do conhecimento tradicional em dias atuais. Por isso, é importante não esperar que a seca chegue para decidir como remediar a desnutrição e a queda brusca na produção de leite.  É necessário planejar e planejamento exige tempo.

O mês de dezembro chegou. Para muitos a época de plantar já está passando. Áreas que precisavam ser gradeadas e preparadas há dois meses, não podem mais ser, pois as chuvas inviabilizam essas operações. É preciso planejar pensando no próximo ano.

Alguns produtores plantam seu canavial, mas por não fazer o manejo de forma adequada, sobra muita cana. Além disso, a suplementação dos animais não é feita por falta de tempo. É chegada a hora de recuperar o canavial, fazer um corte de uniformização rente ao solo, replantar espaços vazios e revitalizar o canavial para alimentar os animais no próximo ano. Os produtores que precisam formar um viveiro de cana em sua propriedade, pois não conseguiram cana suficiente, devem fazer isso agora.

Pensando nisso e no intuito de ajudar os produtores na tomada de decisão, este artigo traz algumas informações relevantes e respostas a alguns questionamentos feitos em cursos, palestras e dias de campo em que o assunto foi abordado.

A primeira pergunta que sempre surge é: por que plantar cana-de-açúcar? A resposta dada a essa questão é que a cultura exige pouco investimento inicial, poucos tratos culturais, produz mais forragem que qualquer outra gramínea conhecida (de 80 a 120 toneladas por hectare), tem ótima aceitação pelos animais e seu melhor valor nutritivo ocorre exatamente no período seco do ano.
A informação de quantidade de toneladas por hectare (120) se refere a um canavial bem implantado, com espaçamento correto, bom preparo de solo e adubação de implantação e manutenção. Basicamente, para plantar um hectare de cana-de-açúcar são necessárias de 8 a 10 toneladas de mudas.

Em relação à pergunta sobre qual a melhor variedade de cana-de-açúcar para a alimentação animal, a resposta é sempre a mesma: a variedade que tem mudas disponíveis próximas à propriedade e que possui bom desempenho agronômico na região. Por que dizer que a variedade A ou B é a ideal, se não há mudas disponíveis? Entretanto, ao produtor que fizer questão de adquirir a melhor variedade segue a dica: utilize aquelas recomendadas pelas usinas sucroalcooleiras a seus fornecedores (produtores) que os animais estarão bem servidos.

Também é importante procurar ter pelo menos duas variedades, embora o ideal fosse três. Essa recomendação se baseia no ponto de maturação das variedades (canas precoces, médias e tardias). Desse modo, o pecuarista poderia realizar a colheita nos picos de produção de açúcar e menor concentração de fibras, condição ideal para alimentação dos animais.

O reconhecimento das limitações nutricionais da cana-de-açúcar e a forma de corrigi-las são condições indispensáveis para superar a descrença de técnicos e produtores rurais sobre a utilização de cana como alimento, atribuída ao baixo consumo.

A cana-de-açúcar integral é uma forragem rica em energia (com alto teor de açúcar), tendo como limitações os baixos teores de proteína (2% a 3%) e minerais, como enxofre, fósforo, zinco e manganês.

A inclusão de uma mistura de ureia e sulfato de amônia (na proporção de nove partes de ureia para uma de amônia), fontes de nitrogênio não proteico (NNP) de baixo custo, é favorecida em razão dos altos conteúdos de sacarose, prontamente fermentável, da cana-de-açúcar. Com a adição de 1 quilo de ureia para cada 100 quilos de cana-de-açúcar (peso fresco), o teor de proteína na forragem aumenta de 2%-3% para 10%-12% na matéria seca. O sulfato de amônia também é uma importante fonte de enxofre para a síntese de aminoácidos sulfurados pelos microrganismos do rúmen, melhorando a digestão e o aproveitamento dos alimentos. Como o fornecimento de sal mineral de qualidade é indispensável e indiscutível, observa-se que os problemas da cana são facilmente corrigidos.

Alguns produtores rurais, por medo e desconhecimento quanto ao uso da ureia, por ouvir falar de sua toxidez, sempre perguntam se podem dar cana pura aos animais. De fato, a ureia pode ser tóxica para os animais se consumida em excesso. No entanto, seguindo as recomendações de fornecimento, fazendo uma boa mistura, evitando o acúmulo de água com ureia dentro dos cochos pelo uso de cochos perfurados, não fornecendo cana com ureia a animais famintos, dificilmente ocorrerão casos de intoxicação. Mas, voltando à pergunta, a resposta é não. É melhor não fornecer cana pura aos animais. O gasto energético para digerir essa quantidade de fibras e açúcar, em ambiente com baixo nível de nitrogênio amoniacal, seria muito grande e inviabilizaria os benefícios nutricionais da cana-de-açúcar.

Agora se a pergunta for sobre o uso obrigatório da ureia em dietas com cana de açúcar, a resposta é não. A ureia é utilizada para fornecer nitrogênio, é fonte de proteína para os animais e pode ser substituída por outras fontes proteicas, como farelos de soja, algodão e trigo, só que a um custo bem mais elevado. De fato, se o produtor rural tiver condições de, juntamente com a cana e ureia, fornecer algum desses farelos, será melhor para os animais. No caso de animais com maior aptidão leiteira, com produções de leite superiores a 10 quilos por dia, torna-se quase obrigatório o uso de suplementos concentrados em dietas à base de cana-de-açúcar, para manter esse nível de produção.

Quanto ao problema de mão de obra, alguns produtores reclamam do fato de precisarem ir ao canavial todos os dias para cortar cana, que essa seria uma atividade muito onerosa. Entretanto, é possível realizar uma colheita de cana a cada três ou quatro dias, armazenando as canas inteiras, em ambiente sombreado, e picá-las apenas no momento de fornecer aos animais. Isso reduz substancialmente os gastos com mão de obra. Caso o fator mão de obra ainda seja um gargalo, é possível picar a cana em quantidade suficiente para até três dias de fornecimento e armazená-la sem problemas de fermentação e acúmulo de abelhas, contudo, isso gera mais um custo e mais uma atividade de rotina na propriedade. É possível conservar a cana picada adicionando-se a ela 1,0% de cal. Ou seja, para cada 100 quilos de cana picada, misturar 1 quilo de cal virgem.

A alimentação das vacas leiteiras é o principal entrave na produção animal em pastagens. O fornecimento de alimento de qualidade aos animais é condição indispensável para se obter maior retorno econômico nas atividades produtivas. O animal produz de acordo com o que come. Se ele come pouco, produz pouco, não tem como ser diferente.

É preciso parar com esse pensamento extrativista do tempo dos antigos seringais. A vaca em lactação é, dentro do rebanho, o animal mais exigente em termos de alimentação. Além das atividades de manutenção, comum aos outros animais do rebanho, as vacas em lactação precisam de energia para produzir leite para o bezerro e produtor e ainda gerar mais um bezerro para o rebanho. Para isso ela necessita de uma alimentação de qualidade.

É preciso trabalhar como verdadeiros empresários rurais e investir nos negócios para poder tirar deles o máximo retorno. Só assim é possível sobreviver de forma digna da atividade leiteira.

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Por:
Maykel Franklin Lima Sales
Fonte:
Embrapa - Acre

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