2012: Uma odisseia no pasto

Publicado em 13/12/2012 16:28
Por Lygia Pimentel, médica veterinária, pecuarista e analista de commodities.
Rieccomi! Ciao, amici! Voltamos à ativa, finalmente! Após quase um mês olhando o mercado de longe, resolvendo problemas pessoais a viajando por lugares de tirar o fôlego, eis-me aqui novamente. Essas férias, garanto, foram realmente merecidas. Mas isso é outro assunto.

Já adianto que este texto será um pouco mais longo que o habitual. E peço que prestem atenção aos detalhes. Aqui compilamos boa parte do que discutimos ao longo do ano e seus efeitos sobre nosso produto.

Desde quando deixei o mercado, no início de novembro, muita coisa mudou. Muita coisa, mesmo! Quando saí pairava no ar o otimismo e a típica valorização do boi na entressafra. Para vocês terem uma ideia, o contrato de dezembro estava cotado em mais de 100,00. Hoje temos aproximadamente 93,50 para esse mesmo “produto”. Em  apenas um mês, houve uma desvalorização de 7% na Bolsa. 

E no mercado físico? Esse mercado é bem menos “nervosinho”, amigos! Ele caiu de R$ 97,00/@ para R$ 96,00/@, ou 1%, de acordo com o Cepea. Para quem liga hoje no balcão do frigorífico, a coisa fica um pouco pior: tem gente oferecendo até R$ 4,00/@ a menos do que isso. Isso é pressão forte! A questão é que aí o pecuarista também não faz negócio e o mercado trava, então não podemos dizer que o boi realmente chegou nesses preços. Por enquanto são tentativas.

Mas vamos lá, pessoal! Vamos falar sério. Quem nos acompanha sempre leu sobre a nossa desconfiança em relação ao novembro de 2012, certo? Quero dizer, com a intenção de confinamento levando o volume de animais de cocho ao recorde histórico, esperávamos uma concentração de vendas nos meses de entressafra. E isso nos deixou desconfiados de uma valorização que nos deixasse alegres. Lembram-se?

Pois bem, não estávamos tão errados assim, infelizmente.  

E pra piorar a conta, além de tudo o que discorremos aqui durante o ano - ciclo pecuário, abates, clima, poder de compra da população, crescimento econômico, PIB, etc., -  tivemos a “recente descoberta” de um animal com o príon da encefalopatia espongiforme bovina (ou mal da vaca-louca) no Paraná. Alguns mercados importadores fecharam as portas para a nossa carne e outros ameaçam tomar medidas para tal. Inclusive o Irã, como li hoje em notícia veiculada na mídia. 

É, pessoal! Por isso digo: 2012 não tem sido um ano fácil, mas faz parte do jogo. Tem anos em que é mais difícil concretizar o planejamento para a atividade pecuária e qualquer outra que envolva o temperamento de São Pedro. É claro, sabemos que a agricultura e a pecuária não são fáceis! Quem vive delas ama o que faz, mas isso não significa que não dê muito trabalho fazer o boi engordar quando não tem pasto e fazer a vaca emprenhar quando a chuva cai em menor quantidade. Sem contar os outros milhares de problemas do dia-a-dia.

O ano que está chegando ao fim foi especialmente complicado pra gente. Em resumo, planejamos que na safra teremos pasto e que na entressafra faltará forragem. Justo!

O problema é quando nada disso se concretiza, como foi o caso em 2012. Observe o gráfico 1. Ele mostra exatamente o que vivenciamos no Brasil pecuário em um passado nada distante. Na verdade, esse gráfico já foi mostrado neste espaço. Mas ele está atualizado. Observem.

Gráfico 1 - Agrifatto

Notem que quando consideramos a média de precipitação da safra, trabalhamos abaixo do normal na maior parte do ano. Em contrapartida, a partir da segunda quinzena de maio observamos chuva por todos os lados. Exatamente quando os pastos deveriam começar a secar, registrou-se o mais 
volume precipitado observado desde o início da nossa série histórica!

A partir de julho, a situação se inverteu e vimos a entressafra realmente dar as caras e mostrar sua força. Até o momento, a precipitação está abaixo da média histórica, o que confere pastos em péssimas condições.

Com base no cenário descrito, podemos entender um pouco do que ocorreu com a pecuária recente.

Quando esperávamos seca para a entrada dos animais no confinamento, choveu abundantemente. Além disso, pastos em boas condições por um tempo estendido levaram o mercado a continuar a trajetória descendente, característica dos períodos de safra.

Preços em queda no mercado físico, boa oferta de animais e pessimismo por parte do pecuarista. Péssima combinação para nós que vivemos da atividade!

A Bolsa fez questão de refletir esse pessimismo todo e pagava péssimos ágios naquele período. Observem o gráfico 2.

Gráfico 2 - Agrifatto

De março a agosto o mercado só caiu e a Bolsa viu seus piores preços registrados no fim de julho. Em outras palavras, o planejamento do confinamento até julho contou com uma boa dose de mau humor. E o resultado disso? Considerando 90 dias de cocho e a entrada tradicional dos animais em junho, somando-se a seca que acompanhou esse movimento, o baixo incentivo à atividade trouxe seus reflexos entre agosto e setembro, quando o mercado voltou a encontrar firmeza e preços em ascensão.

Observem também que naquele momento o mercado futuro voltou a andar e atingiu valores altos novamente, pois faltou boi. Por que considero os valores altos? Bom, valor alto não quer dizer que é bom, que remunera bem a atividade, mas estava em patamares bem mais altos do que vemos hoje.

Aliás, observem com atenção o pior momento para a Bolsa: aquele que está marcado com a palavra “pessimismo” embaixo. Os preços praticados em São Paulo hoje são exatamente iguais aos precificados pela Bolsa em seu pior momento! 

Em outras palavras: a Bolsa protegeu muito bem quem soube usá-la. Por isso considero que a precificação no momento de otimismo, que levou o mercado futuro a pagar R$ 105,00/@ para o boi de São Paulo, é um valor alto. Pode não ser bom o suficiente, sei muito bem do comportamento dos grãos e dos custos de produção nos últimos meses, mas é alto quando consideramos a realidade que nos bate à porta hoje. Concordam?

É a velha roda que gira o mercado e faz girar também quem está nele. Pessimismo, mercado em queda e baixa remuneração levam a baixas apostas na atividade, que são refletidas em oferta escassa. É o que vivenciamos entre agosto e setembro.

Ao mesmo tempo, otimismo e expectativa de bons preços levam o mercado a apostar que o negócio vai dar certo, refletindo em aumento da oferta de animais. 

Isso não é tão fácil de visualizar na oferta de animais a pasto, mas para quem acompanha o confinamento fica claro que essa fatia trabalha de maneira mais dinâmica. A prova disso é que todas as pesquisas de intenção de confinamento realizadas em 2012 mostravam a concentração dos animais no segundo turno, ou seja, aqueles colocados entre agosto e setembro, com liberação prevista para novembro e dezembro.

Por essa e outras considero que em 2012 temos vivido uma verdadeira odisseia. Contamos com uma oferta maior de animais, dificuldade de planejamento, seca e chuva fora de hora, aumento do abate de matrizes - claro, com esse tempo maluco aumentando o retorno do cio e com preços da arroba em queda, dá pra entender um pouco esse movimento.

E enquanto isso – e excetuando os últimos dois meses -, as exportações voltaram a reagir e o ágio das vendas internas dos frigoríficos atingiu níveis recordes.

Gráfico 3 - Agrifatto

Isso mostra que a roda está girando também quando consideramos o ciclo pecuário. É quando não temos forças para segurar o volume de animais que entram nas escalas de abate após alguns anos de preços melhores e investimento por parte do produtor. Com isso, a produção aumenta, o preço da matéria-prima para a indústria fica mais barato e não conseguimos acompanhar o ritmo da inflação. Em outras palavras, perdemos margem. É péssimo quando isso acontece, mas faz parte 
do jogo.

Tem quem não acredite no Ciclo Pecuário (sim, com inicias maiúsculas!) e eu respeito. 

Entretanto, alerto para o fato de que foi o estudo detalhado dele e de todas as suas ramificações que nos levou a não apostar as fichas em alta forte para 2012! E, com isso, conseguimos proteger nossos clientes.

É interessante termos isso em mente, estarmos cientes do fato para aproveitarmos as oportunidades que o mercado nos dá e sairmos da roda, sentarmos do outro lado da canoa para que ela não vire.

Estou de volta, amigos. Temos milhões de planos para 2013 e estamos muito animados. De toda forma, conversaremos novamente antes que o mundo acabe. 

Um grande abraço a todos e até breve!
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Fonte:
Agrifatto

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