A aposta no euro, por Roberto Padovani

Publicado em 30/09/2020 11:59
Juros baixos nos Estados Unidos e recuperação de preços de commodities justificam o otimismo com a moeda europeia em 2021. Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV

A valorização recente do euro tem sido um destaque nos mercados internacionais e passado a ser uma preocupação para o BCE. Mas apesar de todas as incertezas que envolvem as projeções de câmbio, há bons argumentos a favor de um cenário em que a moeda europeia continue em alta, convergindo para sua média histórica.

Após duas décadas de experiência, o modelo da paridade coberta da taxa de juros se aplica bem ao caso europeu. Neste período, o diferencial de juros1 e o risco soberano explicam em grande medida as oscilações da moeda em torno da média de 1,20. Chama atenção também a influência dos preços de commodities.

Desde sua criação, a moeda europeia passou por dois ciclos bem definidos, um de apreciação e outro de depreciação. Nos primeiros 15 anos, a força do euro foi explicada pela alta de preços de commodities2 e pela queda de juros nos Estados Unidos, após o estouro da bolha de tecnologia. A partir de 2014, no entanto, a moeda mostrou desvalorização em função de preços das matérias primas em baixa, estabilidade dos juros longos nos Estados Unidos e estímulos monetários na Europa, que acompanharam a crise da dívida na região.

Neste momento, é possível que a pandemia tenha criado as condições para se interromper um período de seis anos de euro fraco. Isso porque houve uma expressiva redução do diferencial de taxa de juros. Enquanto a crise derrubou em quase 2,5 pontos percentuais o rendimento dos títulos de 10 anos norte-americanos em relação ao final de 2018, a queda na Europa foi de cerca de um ponto percentual. Ao mesmo tempo, a maior confiança na retomada global a partir de maio fez com que os preços de matérias primas mostrassem recuperação.

Além disso, os investidores anteciparam um cenário mais favorável tanto para o Brexit quanto para o projeto da União Europeia. Em julho foi anunciada a criação de um fundo de cerca de US$ 2 trilhões (Recovery Fund) com o objetivo de evitar uma nova crise da dívida na região e reduzir as tensões políticas, principalmente nos países periféricos. Este acordo tem sido visto como um avanço na construção de uma união fiscal da região, ainda que haja dúvidas sobre sua implementação e governança3.

Como resultado, o papel do euro como reserva de valor em momentos de incertezas foi reforçado. Mesmo com as dúvidas geradas nas últimas semanas por dados econômicos piores, ruídos com o Brexit e uma segunda onda de contágio, a moeda avançou cerca de 6% contra o dólar ao longo deste ano, principalmente a partir de maio.

Este movimento recente de apreciação pode continuar em um cenário de estabilidade dos juros longos nos Estados Unidos, risco europeu controlado e recuperação de preços de commodities.

O ambiente não sugere uma alta significativa dos juros nos Estados Unidos capaz de reverter a apreciação cambial na Europa. Por um lado, a normalização da economia norte-americana e o aumento da oferta de títulos públicos pode elevar os juros nos prazos mais longos, como de 30 anos, pressionando toda a curva.

Mas esta pressão tende a ser moderada pelo quadro de inflação persistentemente baixa dos últimos anos e pelo aumento de ociosidade gerado pelo choque atual. O resultado deverá ser a manutenção dos estímulos de política, tanto com uma taxa básica parada por um longo período quanto pela manutenção de um balanço elevado do banco central.

Além disso, o esperado início de um novo ciclo de crescimento global, liderado por Estados Unidos e China, deverá favorecer os preços de matérias primas em um ambiente em que o risco gerado pela sempre presente volatilidade geopolítica é atenuado pelos avanços institucionais na Europa e pela superação da pandemia.

Com estas premissas de diferencial de juros, risco e preços de commodities, a atual aposta dos analistas4 na valorização do euro parece fazer sentido. Há bons argumentos para que a moeda inicie um novo ciclo de alta, convergindo para sua média histórica de 20 anos.

1 Os modelos estatísticos para taxas nominais e reais têm em comum a elevada relevância do diferencial de juros de 10 anos.

2 A correlação entre a moeda europeia e os preços de commodities é explicada por diversos fatores. Embora os dados de PIB dos últimos 40 anos mostrem que a influência da economia norte-americana sobre a Europa seja maior que a chinesa, este quadro pode ter mudado nos últimos cinco anos. Os números mensais de PMI, por exemplo, mostram uma relação causal importante, principalmente em serviços. Como resultado, as moedas dos dois países passaram a ter alta correlação, notadamente depois de 2010, quando o governo chinês permitiu maior flutuação do yuan. Neste caso, variações no crescimento chinês implicam mudanças de preços de matérias primas, de inflação e de juros, influenciando a percepção de risco e os fluxos de capitais.

3 Ainda há restrições para a emissão de títulos pelo Fundo de Recuperação, o que seria um passo importante para a união fiscal da região.

4 A pesquisa feita pela Bloomberg projeta o euro em 1,19 neste ano e 1,23 em 2021.

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Roberto Padovani

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