Novo ciclo monetário, por Roberto Padovani

Publicado em 15/10/2020 11:10
Depois de quatro anos discutindo o afrouxamento monetário, o debate a partir de agora será sobre o ritmo de alta dos juros, elevando a sensibilidade a temas como inflação e risco fiscal. Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV

A alta dos juros nos mercados futuros chama atenção. Os preços mostram que a taxa básica poderá estar acima de 5,0% já em 2021, contrastando fortemente com a comunicação do Banco Central de não elevar os juros (forward guidance) e da mediana das projeções dos economistas, próxima a 2,5%.

A mudança no ciclo monetário ajuda a amplificar esta divergência. O período de afrouxamento monetário observado depois de 2016 se encerrou e o debate, a partir de agora, passou a ser o momento e a intensidade da alta dos juros. A questão é que a mudança de ciclo gera um viés altista nos mercados futuros, tornando os preços sensíveis a eventos de curto prazo.

O novo ciclo é explicado pela piora nas condições de rolagem da dívida pública, preocupações com o comportamento do câmbio e, principalmente, pela normalização esperada tanto para a atividade econômica quanto para inflação. Com maior espaço para repasse de custos e recuperação de margens, é natural que o IPCA tenha tendência de alta e caminhe em direção à meta de 3,5% em 2022.

As convergências da inflação para a meta e do crescimento para seu potencial, por sua vez, fazem com que os juros voltem para seu nível neutro1. E dado que a política monetária produz efeitos defasados sobre atividade e inflação, a normalização dos juros poderá ter início ainda em 2021.

Neste ambiente, é natural que o balança de risco seja naturalmente assimétrico, com o mercado mais atento a mudanças que levem a mais inflação. Justamente por isso, o atual choque de preços de alimentos e o aumento das incertezas fiscais influenciam de modo importante a trajetória de normalização da taxa de juros esperada para o próximo ano.

A experiência dos últimos 11 anos mostra que os juros futuros são correlacionados com a inflação corrente, da mesma forma que o IPCA antecipa o comportamento do prêmio de risco2 nos contratos futuros. A partir de 2017, no entanto, o risco fiscal passou a ser um fator adicional para guiar os mercados. As dúvidas sobre a capacidade de o País estabilizar a dívida pública reduziram a correlação e causalidade entre prêmios de risco e inflação corrente.

Esta lógica permanece neste momento e é reforçada pelo fato de o risco inflacionário estar controlado. Depois de duas importantes recessões, a alta expressiva do desemprego e da ociosidade fazem com que a inflação se mantenha baixa, mesmo na presença de diversos choques adversos. Os núcleos mudaram de patamar e a média das expectativas de inflação para o próximo ano oscila ao redor de 3,0%, significativamente abaixo da meta de 3,75%.

Neste caso, o principal candidato para explicar os elevados prêmios de risco nos mercados futuros continua sendo o comportamento das contas públicas. Como este tema envolve também hipóteses sobre o ambiente político, as incertezas naturalmente aumentam. Seria preciso uma comunicação mais clara sobre a estratégia fiscal do governo e medidas concretas para coordenar as expectativas. O lado positivo é que os investidores ainda não trabalham com um cenário de dominância fiscal, em que o BC teria limitações para reagir a um quadro inflacionário adverso.

Isso significa que enquanto os riscos fiscais não forem bem conhecidos neste novo ciclo monetário, os mercados irão continuar considerando em seus preços a probabilidade de um aperto monetário mais forte que o sugerido pelo Banco Central e pelos cenários dos economistas.

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1 As ineficiências conhecidas da economia brasileira, como a baixa qualificação de mão de obra, gargalos de infraestrutura e um ambiente de negócios ruim, explicam um quadro de baixa produtividade e juros neutros mais elevados. Os preços de mercado sugerem hoje que a taxa nominal neutra possa estar ao redor de 6,0%, patamar otimista quando comparado à média de 10% dos juros nominais observada nos últimos 19 anos. Em termos reais, estes valores são respectivamente próximos a 3,0% e 7,0%.

2 O prêmio de risco foi calculado como a diferença entre o contrato futuro de um ano e a taxa básica.

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Roberto Padovani

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