A volta dos fluxos, por Roberto Padovani

Publicado em 18/12/2020 11:48
O risco global tem, historicamente, influenciado os fluxos de capitais para o Brasil. Isso significa que há uma chance de reversão do quadro de perdas do último ano. Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV

Uma das novidades de novembro foi a volta dos fluxos de capitais para o País, depois de meses com saídas expressivas de recursos. A dúvida agora é saber se este movimento foi pontual ou pode representar uma reversão da história vista nos últimos meses.

A capacidade de o País atrair capitais tem sido um tema importante. A partir de meados de 2019, as saídas líquidas passaram a ser contínuas e acumularam nos 12 meses encerrados em março deste ano uma perda próxima US$ 61 bilhões. Foi uma saída incomum e comparável às crises de 1999 e 2002 1.

A experiência dos últimos anos não permite grandes convicções sobre os determinantes dos fluxos de capitais. Tudo sugere, no entanto, que o risco global importa. Depois da abertura comercial e financeira dos anos 90 2, os fluxos deram um novo e importante salto com a mudança do regime cambial e o acúmulo de reservas internacionais até 2007. A partir de 2008, os saldos cambiais passaram a ser influenciados não apenas pelos movimentos tradicionais de comércio exterior, mas também pelas variações do risco soberano 3 e seus impactos sobre os fluxos financeiros e os fechamentos de contratos cambiais de importadores e exportadores. Com isso, o resultado da balança comercial deixou de ser a única referência para ingressos e saídas de recursos do País.

O risco local, por sua vez, tem sido estatisticamente explicado pelo comportamento da dívida líquida do setor público e, principalmente, pelas alterações no risco global 4. A ideia é que o ambiente global expõe de modo mais ou menos intenso os fundamentos domésticos, influenciando os fluxos para o País.

Esta visão é compatível com a literatura econômica dos anos 90 que explica os movimentos de ingressos e saídas de capitais a partir de fatores externos que “empurram” capital para o país e de variáveis domésticas que “puxam” estes recursos 5.

É também compatível com a experiência brasileira recente. Em momentos de menor crescimento global, queda de preços de commodities e aumento das incertezas, os fluxos de comércio pioram, o câmbio se desvaloriza e faz com que as expectativas de alta do dólar incentivem os exportadores a postergarem contratos cambiais 6 e os importadores a anteciparem os fechamentos. Justamente por isso, os movimentos financeiros do comércio são pró-cíclicos. Nas crises, o saldo financeiro tende a piorar enquanto o saldo comercial melhora. Do ponto de vista financeiro, a piora do risco faz com que os investidores reduzam suas exposições em ativos cotados em moeda local. O oposto vale para fases de maior otimismo.

No final dos anos 90, as crises nos mercados emergentes asiáticos expuseram as fragilidades locais de países como Rússia, Brasil e Argentina. Esta mesma lógica se repetiu em 2002 no Brasil, com a combinação de incertezas globais e indefinições domésticas. Foi também o que aconteceu em 2008 na crise bancária norte-americana e, principalmente, em 2014, quando a correção nos preços de petróleo expôs a trajetória de descontrole da dívida pública interna 7.

Por último, a piora do risco local e global durante a pandemia impactou negativamente o movimento de capitais neste ano.

Uma exceção é o comportamento dos fluxos ao longo do segundo semestre de 2019, quando a forte saída de recursos não pode ser explicada pelo risco doméstico. Isso porque a aprovação da reforma da previdência no Brasil atenuou o impacto gerado pela piora das contas externas, do risco latino-americano e da leitura de fim de ciclo global. Não por coincidência, o câmbio passou a ficar descolado de seus fundamentos tradicionais, como dólar global, risco soberano e preços de commodities.

Talvez o principal candidato para explicar o comportamento dos fluxos neste período seja algo pontual, como a redução dos juros domésticos para níveis ineditamente baixos e o consequente incentivo para se antecipar o pagamento da dívida externa corporativa 8.

De modo geral, no entanto, a experiência mostra que o risco global influencia os fluxos. Neste caso, o quadro atual é positivo. Além da expectativa de menor volatilidade geopolítica, o crescimento global e um possível novo ciclo de commodities 9 reduzem riscos locais e domésticos. Internamente, as restrições políticas e institucionais têm conduzido a escolhas de gestão responsáveis, fazendo com que o elevado endividamento público local e o risco ambiental 10 possam ser controlados.

Portanto, a experiência da última década e os cenários à frente mostram que o quadro global, a estabilidade doméstica e a normalização da taxa de juros podem abrir espaço para a volta dos fluxos de capitais após quase 18 meses de turbulências.

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1 Dados de câmbio contratado do Banco Central a partir de janeiro de 1982.

2 Com as mudanças, a corrente de comércio do País saltou de 15% do PIB entre 1980 e 1998 para quase 20% depois de 1999.

3 O risco soberano é medido aqui pelo Credit Default Swap (CDS) de 5 anos. Um exemplo da relevância do risco é a crise de 2015, quando a melhoria do saldo comercial não foi acompanhada por maiores fluxos financeiros.

4 O risco soberano pode ser explicado pelo comportamento da dívida pública interna e, com maior peso, por prêmios globais de risco ou pelas bolsas americanas, usadas aqui como um bom termômetro de risco.

5 Ver Agenor, Pierre-Richard, “The surge in capital flows: analysis of “pull” and “push” factors”, International Journal of Finance and Economics, 1998.

6 Desde 2008, é permitido ao exportador deixar todos os recursos gerados pela sua operação no exterior.

7 A crise de 2014 produziu efeitos duradouros, uma vez que a perda do grau de investimento fez com que os ativos brasileiros passassem a ser considerados especulativos, trazendo outro tipo de investidor e maior instabilidade aos fluxos.

8 O fato de o fechamento cambial dos exportadores ter se reduzido, deixando recursos fora do País, pode ser um indício do movimento de pré-pagamento da dívida externa das empresas.

9 Além da normalização de preços após o choque econômico global de 2020, cinco fatores sustentam a tese de um novo ciclo de commodities: (1) retomada cíclica da demanda chinesa; (2) mudanças estruturais no mercado de proteínas na China; (3) início de um novo ciclo de crescimento nos Estado.

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Roberto Padovani

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