Algo novo na inflação, por Roberto Padovani

Publicado em 09/06/2021 09:50
Apesar de vários choques, as expectativas de inflação seguem ancoradas e reforçam a tese de um novo regime inflacionário no País. Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV

A alta da inflação é certamente uma notícia negativa. Mas o fato de as expectativas continuarem ancoradas, mesmo diante da intensidade e persistência dos choques, mostra que há algo novo em curso na economia brasileira.

A surpresa inflacionária é explicada por uma combinação de choques não antecipados de oferta e demanda. A cesta de commodities teve alta expressiva e incomum, com os preços do petróleo aumentando 40% em dois meses. O câmbio reforçou este movimento na esteira da correção dos juros de 10 anos nos Estados Unidos e de uma crise de confiança doméstica, com ruídos fiscais e políticos gerados pela segunda onda da pandemia, incertezas em relação às estatais e uma mudança abrupta no quadro eleitoral de 2022.

Há também um desequilíbrio atípico no mercado de bens, com a recuperação inesperada do consumo em um momento de paralisia e desorganização das cadeias produtivas. A economia global e local se mostram mais aquecidas que o esperado, principalmente no segmento industrial 1. No caso brasileiro, o ótimo desempenho da balança comercial contribuiu para reduzir a oferta local e agravar os desequilíbrios de mercado.

O resultado é o salto na inflação. A alta do IGP-M é a maior desde 1996, com o índice acumulando nos 12 meses encerrados em maio no patamar de 37%. Com isso, o IPCA deverá superar o nível anual de 8% em junho e justificar a aceleração na inflação implícita e na mediana das expectativas para 2021, que saiu de 3,3% no início do ano para 5,4% no último dado divulgado pelo Banco Central.

Paradoxalmente, no entanto, a intensidade dos choques pode estar explicitando uma nova e mais favorável dinâmica da inflação no País. Da mesma forma que em 2018, o aumento nos preços correntes não tem levado a uma desancoragem das expectativas.

Tanto as projeções continuam oscilando ao redor da meta a partir de 2022, quanto a inflação de serviços e a média dos núcleos seguem em seus níveis mais baixos em 20 anos. É uma reação diferente, por exemplo, do observado em 2002, quando o aumento de 33% no IGP-M levou a uma alta de 17% no IPCA e a uma deterioração expressiva nas expectativas para 2003.

Parte da atual resiliência das expectativas está associada a fatores de curto prazo, como a ociosidade do mercado de trabalho e a crença de que os choques serão temporários. Mas a estabilidade da inflação para os prazos mais longos pode ser também um sinal de credibilidade da gestão econômica, resgatada a partir de 2016 com a agenda de reformas e a maior responsabilidade na condução das políticas fiscal e monetária.

A ideia é que a formação de preços ocorre a partir de referências críveis, que podem estar no passado ou no futuro. Quanto maior a confiança de que os instrumentos de política serão usados para compensar os choques na inflação, mais os preços são formados com base nas expectativas em relação ao futuro. Opostamente, a desconfiança nas regras econômicas estimula uma postura defensiva, marcada pela indexação à inflação passada.

Por este aspecto, as reformas fazem diferença. À exceção da autonomia do Banco Central e da estratégia de redução das metas de inflação, que afetam diretamente a confiança no funcionamento do sistema de metas, os avanços institucionais2 dos últimos anos são um símbolo do comprometimento do País com a estabilidade de regras, ampliando a previsibilidade da economia.

Não menos importante, a experiência internacional mostra que as políticas públicas estabelecidas dificilmente são descontinuadas 3. Foi o caso das reformas nos anos 90, como a abertura comercial, a estabilização de preços e a definição de um novo regime de política econômica.

Ainda que com retrocessos, as regras fiscais, cambiais e monetárias não foram abandonadas mesmo durante o populismo econômico de 2006 a 2014. Isso permitiu tanto a transição para um novo regime inflacionário, com a queda da inflação de um patamar de 2.000% para 6,5%, quanto uma forte redução dos juros reais.

Portanto, embora o atual comportamento da inflação implícita seja um sinal de desconfiança dos investidores em relação à gestão da economia, os avanços registrados após 2016 são um indicador de que o País pode caminhar para uma segunda e histórica mudança no padrão inflacionário.

É possível que com mais regras e menos discricionariedade, a confiança no sistema de metas de inflação seja fortalecida e faça com que as projeções para o IPCA continuem oscilando ao redor de 3,5%, mesmo na presença de choques intensos e persistentes. Não é pouca coisa.

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1 Parte da surpresa inflacionária no Brasil se deve ao fato de os indicadores de mercado de trabalho terem deixado de ser uma boa referência para o nível de ociosidade da economia.

2 Dentre as principais mudanças, pode-se citar a criação da TLP, o teto de gastos, a reforma trabalhista, o cadastro positivo, a reforma da previdência, as leis de falências e de licitações e os novos marcos regulatórios do gás e do saneamento.

3 SOUZA, Celina. “Políticas Públicas: uma revisão da literatura”, Sociologias, Porto Alegre, jul/dez 2006.

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Roberto Padovani

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