Euforia é mau sinal, por Roberto Padovani

Publicado em 25/06/2021 10:33
Depois do excesso de pessimismo do primeiro trimestre, a euforia do momento pode estar subestimando riscos. - Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV

A leitura dos riscos locais tem oscilado de maneira intensa neste ano. Enquanto no primeiro trimestre havia um excesso de pessimismo, apenas algumas semanas depois o clima passou a ser de euforia. Esta oscilação mostra como os cenários são desconhecidos e de difícil antecipação, o que é mau sinal.

No começo do ano houve uma tempestade perfeita. A forte retomada global, em particular nos Estados Unidos, fez com que os preços de matérias primas acelerassem as altas observadas desde 2020, agravando os riscos inflacionários. Como resultado, os investidores passaram a antecipar um ciclo de aumento dos juros norte-americanos, fortalecendo o dólar globalmente e trazendo incertezas aos mercados emergentes.

Internamente, a segunda onda da pandemia elevou as tensões fiscais e políticas, alimentando a aposta em uma guinada populista e troca da equipe econômica. Este ambiente reforçou as dúvidas em relação ao crescimento, dando força a cenários que consideravam um novo mergulho recessivo.

A crise de confiança, no entanto, foi rapidamente superada e o segundo trimestre trouxe uma outra leitura do País. Os juros longos norte-americanos mostraram menor pressão e os indicadores locais de atividade sinalizaram tanto a continuidade da retomada quanto a maior resiliência da economia às novas ondas de contágio.

Há também maior confiança no futuro. A vacinação indica a superação da pandemia e reabertura das economias, diminuindo a probabilidade de reversões bruscas nas condições internacionais de crescimento. No Brasil, não há descontrole fiscal e o desempenho da economia favorece a melhoria da aprovação do governo, reduzindo as chances de crises políticas agudas.

Estes cenários, no entanto, parecem atribuir baixo peso a alguns riscos. O primeiro, e mais importante, é o comportamento dos juros longos nos Estados Unidos e seus impactos sobre o dólar global. O atual rendimento dos títulos públicos de 10 anos não parece compatível com o cenário indicado pelo Federal Reserve na última semana.

Além de ser provável que o FED comunique a retirada de estímulos ainda neste ano, vários diretores consideram um cenário de alta da taxa de juros já em 2022. Por este aspecto, os juros de 10 anos devem mostrar correção, convergindo para um patamar mais próximo a 2,00% até o final de ano. Este movimento não deverá ser neutro para os mercados de moedas e commodities, elevando o risco dos emergentes.

De fato, o comportamento da moeda norte-americana tem sido um bom termômetro das incertezas externas. Depois de uma clara trajetória de enfraquecimento ao longo da pandemia, o dólar recuperou terreno no início deste ano e mostrou alta até o final de março. Em abril e maio, a moeda voltou a cair, refletindo um cenário de crescimento e ampla liquidez.

Neste mês, no entanto, a leitura de uma nova postura do banco central mudou novamente a direção da moeda, interrompendo o rally das bolsas e afetando o desempenho dos preços de commodities. A instabilidade dos mercados revela a alta sensibilidade dos investidores ao tema da liquidez.

Mas há também dúvidas locais. Ainda que haja consenso que a matriz energética brasileira seja hoje mais diversificada e integrada que em 2001, as projeções mostram que o risco de um prolongamento dos problemas climáticos está subindo. Uma crise hídrica não deverá ser neutra para o ambiente político e econômico, afetando o comportamento da inflação, juros e confiança.

Por último, a corrida presidencial de 2022 deverá ter como características principais a competitividade e a imprevisibilidade em relação à gestão econômica e à agenda de reformas no próximo mandato presidencial. O resultado é que a combinação de sinalização de alta de juros nos Estados Unidos, crise hídrica e risco político local deverá aumentar o prêmio dos mercados.

As alterações de humor são, em si, uma informação importante e mostram como têm sido difícil antecipar os cenários. Os choques gerados pela pandemia seguem sendo desconhecidos, principalmente agora, com eventos tão marcantes e riscos tão claros à frente. O otimismo é sempre bem-vindo, mas parece subestimar vários problemas neste momento.

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Roberto Padovani

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