A LGPD no agronegócio: Desafio inesperado, por Felipe Moreira de Carvalho e Vitor de Menezes V. Martins

Publicado em 20/01/2022 18:27
- Felipe Moreira de Carvalho, Graduado pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected] - Vitor de Menezes V. Martins, Graduado pela Faculdade de Direito de Franca (FDF), Pós-Graduado em Direito Empresarial e em Tributação do Agronegócio pela GVLaw e Mestrando em Direito pela FGV/Direito SP. E-mail: [email protected] 

A adequação do agronegócio à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) tem provocado debates. O tema aparece como uma preocupação no desenvolvimento de soluções de agricultura de precisão, no acesso a informações em processos de auditoria para concessão de crédito rural, e até mesmo em relações comerciais corriqueiras mantidas entre produtores e seus parceiros comerciais. 
A relevância da LGPD para as atividades comerciais do agronegócio é mais intensa do que em qualquer outro setor econômico, exceto naqueles em que se lida diretamente com cadastros do consumidor final, como varejo e serviços na internet. Em setores equivalentes, no entanto, não há paralelo: na indústria, a aquisição de insumos, a realização de processos de auditoria, ou a aquisição de novas tecnologias para processos produtivos, em geral, não passarão por preocupações voltadas à LGPD. 

Essa distorção ocorre porque é comum no agronegócio que os agentes econômicos desenvolvam ao menos parte das suas atividades diretamente em suas pessoas físicas. Essa característica não corresponde a informalidade, já que é explicitamente respaldada pelo Código Civil, que faculta ao produtor exercer a atividade diretamente na pessoa física ou até mesmo realizar o registro nas Juntas Comerciais ficando equiparado do empresário.

As obrigações colocadas pela LGPD são atreladas a quaisquer situações que envolvam dados relacionados a pessoas naturais identificadas ou identificáveis. Com isso, uma variedade de informações puramente comerciais do agronegócio, como as ligadas a propriedades rurais, a safras, à produtividade e à aquisição de insumos se transformam em dados pessoais, já que podem ser associadas à identificação pessoal do produtor rural. Assim, por exemplo, uma fatura de venda de defensivos a um agricultor que desenvolva suas atividades em sua pessoa física poderá ser considerada um dado pessoal, gerando uma cadeia de obrigações que parece pouco justificável. 

Em conta desse quadro, o agronegócio é, inesperadamente, um dos setores econômicos em que mais se depende de dados pessoais para fazer negócios, ainda que poucos agentes atuantes no setor estejam efetivamente desenvolvendo atividades econômicas centradas no tratamento de dados pessoais. Mesmo nos casos em que o tratamento de dados seja central às atividades de uma empresa (como em algumas soluções de agricultura de precisão, por exemplo), os dados obtidos no agronegócio são na verdade de interesse como dados comerciais, e não verdadeiramente pessoais. 

Essa é uma distorção inesperada, que não foi considerada pelo legislador quando da elaboração da LGPD, e que deverá ser objeto de regulamentação pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ou formulação de jurisprudência pela própria Autoridade e pelo Poder Judiciário.

Consideramos que, para que o regime de proteção de dados no agronegócio convirja com o aplicável em setores econômicos equivalentes, é necessária a adoção de uma exceção expressa à conceituação de dados pessoais, para excluir de seu âmbito de aplicação aquelas informações que sejam pertinentes ao desempenho de atividade econômica pelo seu titular. Além disso, parece ser necessário que haja maior especificação de alguns outros conceitos centrais da LGPD, como as hipóteses de dispensa de autorização do titular para o tratamento de seus dados e o próprio conceito de “pessoa natural identificável”, empregado para a definição de dados pessoais.

Enquanto soluções como essas não sejam formuladas, uma série de contratações e procedimentos comerciais corriqueiros no agronegócio poderão depender não apenas da obtenção de anuência do titular de informações, mas também de adoção de medidas para conformidade com as demais obrigações previstas pela LGPD. Cabe ao regulador avaliar a conveniência de que a LGPD seja assim aplicada, e conferir segurança jurídica quanto à sua aplicação no agronegócio.

Os autores são sócios de Menezes Martins, Basile e Moreira Advogados (https://mbma.com.br/)

Este artigo é derivado de trabalho mais longo publicado na Revista Brasileira de Direito do Agronegócio, v. 4, nº 2, que está disponível em: https://direitoagro.com/produto/revista-brasileira-de-direito-do-agronegocio-vol-4/

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Felipe Moreira de Carvalho e Vitor de Menezes V. Martins

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