Fogo aumenta na Europa e diminui no Brasil, por Evaristo de Miranda

Publicado em 29/08/2022 16:15
Embora não seja noticiado na velha imprensa, o Brasil reduziu em cerca de 25% a incidência de incêndios e queimadas nos últimos dois anos

“Mês de agosto é tempo de queimada.
Eu vou pra roça preparar o aceiro.”
Quebra do Milho, Pena Branca e Xavantinho

Neste Ano da Graça de 2022, o Brasil apresentou uma expressiva diminuição na incidência de incêndios e queimadas. De 1° de janeiro a 15 de agosto, o país registrou 49.638 queimadas, contra 58.972 no mesmo período de 2021. As queimadas diminuíram 15% no Brasil e cresceram 19% no restante da América do Sul. Em 2021, a queda nas queimadas no Brasil já havia sido de 10% em relação a 2020. Nos últimos dois anos, o Brasil reduziu em cerca de 25% a incidência de incêndios e queimadas em seu território.

Os dados são do monitoramento das queimadas por satélite, realizado pela Nasa. Há décadas, qualquer fogo de alguma magnitude é detectado por diversos sistemas orbitais, em sua maioria norte-americanos. O sistema atual de referência internacional para monitorar queimadas e incêndios usa os dados do satélite AQUA M-T. A detecção dos pontos de calor ou fogos ativos pelo satélite é disponibilizada, em tempo quase real, num site conhecido como Fire Information for Resource Management System (FIRMS). No Brasil, esses dados, analisados neste artigo, são oferecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial no Programa Queimadas.

A redução das queimadas e dos incêndios no Brasil não se deve apenas ao clima ou a São Pedro fazendo chover na horta. Na vizinha Argentina, no mesmo período de janeiro a 15 de agosto de 2022, houve um aumento de 40% nas queimadas. Na Venezuela e na Colômbia, as queimadas cresceram 30%. O Equador registrou o recorde da América do Sul: 153%. Houve quem acompanhasse o Brasil na redução: menos 13% no Paraguai e no Chile. Ninguém na América do Sul apresentou valores absolutos e relativos de redução de queimadas comparáveis aos do Brasil, até agora. Descontado o Brasil, o número de queimadas e incêndios na América do Sul cresceu em 2022, e passou de 65.181 para 77.715 no período.

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Incêndio na província de Corrientes, na Argentina, em fevereiro de 2022 | Foto: Shutterstock


Quando totalizadas para cada bioma brasileiro, as queimadas e os incêndios entre janeiro e 15 de agosto indicam uma redução generalizada. As maiores reduções aconteceram nos biomas Pampa (-53%), Caatinga (-45%) e Mata Atlântica (-39%). A menor, de -2%, ocorreu no Cerrado. Os dados apontam uma diminuição de 14% na Amazônia e de 22% no Pantanal, em relação ao mesmo período em 2021.

É o segundo ano de redução significativa das queimadas e dos incêndios. No Pantanal, ao longo do ano passado, a queda já fora de 69%, em relação a 2020. Na Amazônia, o decréscimo foi de 26% em 2021. De 2019 a 2022, a incidência de incêndios e queimadas na Amazônia de janeiro a 15 de agosto diminuiu 44%, como atestam os dados do Inpe. Boas notícias para quem se preocupa com a Amazônia e o Pantanal. Pouco noticiadas. Aqui e no exterior. Silêncio geral.

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Nascer do sol no Pantanal | Foto: Shutterstock


Queimadas não são incêndios. Fogo indesejável, o incêndio ocorre fora de hora e lugar. Destrói patrimônio público, privado e a biodiversidade. Mata pessoas. Ninguém responde por ele. Sua prevenção é fundamental. Uma vez iniciados, os incêndios são difíceis de controlar. A Europa, em particular França e Espanha, sabe disso.

Neste ano, a Europa atingiu o recorde de incêndios desde 2006, segundo dados atualizados em 13 de agosto pelo Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS). Desde 1º de janeiro foram incendiados quase 700.000 hectares de florestas, um recorde desde o início do monitoramento.

Em 2019, o fogo na Amazônia mobilizou a mídia nacional e internacional, as organizações não governamentais e gerou manifestações acérrimas do presidente francês. Na França, os incêndios florestais fora de controle neste verão são os piores desde 2003. Dados do EFFIS apontam mais de 60.000 hectares de florestas calcinados até agosto. Seis vezes a média anual de florestas incendiadas na França entre 2006 e 2021. A França teve de recorrer à ajuda de bombeiros da Alemanha, da Polônia, da Áustria e da Itália. Diante de situação tão crítica, seria o caso de propor-se a internacionalização das florestas francesas, como o mandatário gaulês sugeriu em 2019 em relação à Amazônia?

Esta catastrófica temporada de incêndios florestais na Europa tem consequências negativas para o meio ambiente, além da perda de vidas humanas, da biodiversidade e de patrimônios públicos e privados. Foram lançadas quantidades recordes de gás carbônico na atmosfera. E, a um tempo, foi reduzido o número de árvores, sorvedouros naturais do mesmo carbono.

Et attention, o carbono emitido pelos incêndios florestais europeus não será retirado da atmosfera no ano seguinte pelo crescimento sazonal de pastagens e cultivos, como ocorre em grande parte da agropecuária brasileira com as queimadas. Aqui as queimadas ocorrem em pastagens, sobre restos de cultivos e em formas de uso da terra com baixa densidade de vegetação (capoeiras). Os incêndios na Europa ocorrem em florestas de coníferas e de caducifólias, cuja fitomassa pode conter até centenas de toneladas de carbono por hectare.

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Incêndio no cerrado, entre as regiões francesas de Aubais e Gallargues-le-Montueux, em junho de 2022 | Foto: Shutterstock

Segundo relatório do Serviço Europeu Copernicus de Monitoramento da Qualidade do Ar, os incêndios franceses entre junho e 11 de agosto emitiram cerca de 1 milhão de toneladas de carbono, igual à emissão anual de 790.000 carros. O recorde anterior, em 2003, com 1,3 milhão de toneladas, será superado até o fim do ano, segundo o relatório. Na Espanha, já foram superados. Entre 1º de junho e 17 de julho, os incêndios florestais causaram emissões superiores aos totais de junho a julho de 2003 a 2021. Olé!

Essas emissões dos incêndios serão totalizadas e incorporadas nos relatórios anuais sobre “emissões de gases de efeito estufa” da França e outros países europeus? Pouco provável. Mesmo se essa exigência tem sido colocada por europeus em relação às queimadas nos relatórios brasileiros. Os dados serão integrados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas?

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Incêndio florestal em Moncayo, município da província de Saragoça, na Espanha, em agosto de 2022  | Foto: Shutterstock

Segundo a Agência Internacional de Energia, as emissões de CO2 ligadas à produção de eletricidade diminuem em todo o mundo, menos na Europa, devido ao uso crescente do carvão. Agregado ao enorme aumento no uso do carvão mineral e do gás na geração de energia, as emissões de gases de efeito estufa da Europa navegam por mares nunca dantes navegados e atingem o topo de picos nunca escalados.

Além de monóxido e dióxido de carbono, os incêndios lançaram metano, óxidos de nitrogênio, aerossóis, fuligem e alcatrão. Essa poluição do ar é negativa à saúde humana, sobretudo para quem sofre de doenças respiratórias. Aqui, as queimadas ocorrem em áreas rurais de baixa demografia. Na Europa, densamente ocupada, os incêndios acontecem ao lado de áreas urbanas.

Ao contrário dos incêndios, a queimada é uma tecnologia agrícola primitiva. Tem local e hora para começar. Esse fogo desejado e conscientemente ateado tem um responsável. Agricultores não queimam por malvadeza. Essa prática do Neolítico foi herdada essencialmente dos índios (coivara). Povoadores europeus a adotaram na América Latina. Ela é tradicionalíssima na África, campeã planetária das queimadas, onde também é técnica de caça.

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Queimada em plantação de cana-de-açúcar | Foto: Shutterstock

No Brasil, é sobretudo o produtor não tecnificado, descapitalizado e marginalizado do mercado quem emprega o fogo para renovar pastagens, combater carrapatos, eliminar resíduos vegetais acumulados, limpar áreas de pousio, etc. E esses agricultores são minoria. São mais de 6 milhões de produtores e cerca de 110.000 queimadas rurais por ano. Mais de 98% dos produtores não empregam o fogo. Não é uma prática generalizada, apesar de alguns acusarem toda a agropecuária de incendiária.

Com ou sem noticiário, os anos de 2021 e 2022 passarão à história do Brasil como de redução nas queimadas. O Poder Executivo, acusado pelo aumento do fogo na Amazônia e no Pantanal em 2020, receberá crédito pela redução do fenômeno por dois anos consecutivos?

É possível reduzir o uso do fogo a menos de 1% dos produtores, substituindo as queimadas por novas tecnologias nos sistemas de produção. Alternativas técnicas à pratica das queimadas existem, como demonstra a Embrapa. Para isso, é preciso paz na Terra pelos homens de boa vontade. Agosto não foi o mês do desgosto. Até a primavera ainda há um bocadinho de chão a caminhar. Todo cuidado é pouco. Faísca pula que nem burro brabo, adverte a música Quebra do Milho. Até lá, tanto as queimadas como a boa vontade ainda podem aumentar. Dum vita est, spes est (Enquanto há vida, há esperança).

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Fonte:
Revista Oeste

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1 comentário

  • Adilson Garcia Miranda São Paulo - SP

    A Velha mídia comunista só noticia queimadas no Brasil, até parece que os países vizinhos possuem licença para queimar. O projeto de regularização fundiária, que ajuda a diminuir as queimadas, não foi votado no Senado. Também parece que os políticos socialistas não tem interesse no controle das queimadas, para que a velha mídia corrupta, possa culpar o atual governo, pelas queimadas. Tenho pena das populações do Norte e Centro Oeste, pois os ambientalistas e socialistas as condenaram ao sub desenvolvimento econômico. Pois não as deixam plantar grãos, criar gado, ou explorar garimpos. A Velha mídia é tão ridícula que nos considera responsável, pelos problemas climáticos, do Planeta. E ainda difama o Brasil no exterior. Nos acusando de desmatar florestas. E o resto do mundo, que nem código florestal possuem ?

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    • Adilson Dilmar Dudeck Cascavel - PR

      Eu acho que ja faz uns 30 anos que vejo falar que a Amazonia está queimando e com isso haverá um aquecimento global. Foram várias noticias que vi, dentre as quantas noticiavam que as queimadas equivaliam ao tamanho de 4 cidades de São Paulo, ou outras vezes que equivalia a 1000 campos de futebol, ou quando exageravam um pouco mais dizia que queimou o equivalente ao estado de Sergipe.

      Dai eu penso que ja deve estar tudo queimado, não é possivel ter sobrado alguma coisa.

      Uma vez assisti um climatologista descompromissado com o sistema de que não chove na Amazônia porque tem mato, mas sim, tem mato porque chove pra caramba pois a chuva vem do Oceano Atlântico.

      Outra vez assisti outro climatologista dizendo que na Groenlandia, que em ingles é Greenland, que significa terra verde, tem esse nome porque lá quando era mais quente tinha florestas, viviam os Vikings que cultivavam. Por volta de 1800 as florestas começaram a desaparecer com a diminuição da temperatura. Em 1970, cientistas previam uma era glacial (https://fakebook.eco.br/mito-cientistas-previram-nos-anos-70-uma-era-do-gelo-iminente-por-isso-nao-sao-confiaveis/). Em 1975 uma geada negra terrivel acabou com os cafezais entre outras culturas. Foi o estopim pro governo aproveitar e mandar derrubar a floresta amazônica. Tinha até um slogan veiculando "PLANTE QUE O JOÃO GARANTE".

      Agora, com um levantamento apresentado pela NASA, sabemos que muitas áreas queimadas são as mesmas todos os anos, mas tem sim algumas criminosas.

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    • Cácio Ribeiro de Paula Bela Vista de Goiás - GO

      Sr. Adilson Miranda, não é porque alguém come "titica" que se deve comer "titica"!! Ou é??

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    • Cácio Ribeiro de Paula Bela Vista de Goiás - GO

      Em outras palavras, Sr. Adilson Miranda, eu(ou o senhor) não preciso errar só porque alguém errou! Correto!?

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    • Cácio Ribeiro de Paula Bela Vista de Goiás - GO

      Argumentação sensata & precisa, Sr Meloni!!

      Assino embaixo!!

      Quis apenas lembrar que erros passados não justificam erros presentes e/ou futuros. E que há virtude quando se usa o princípio da precaução.

      Saudações!

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    • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

      Sr. CARLO. Longe de mim em acusar alguém de um crime ambiental, se essa pessoa está simplesmente praticando um costume comum à região e, ao tempo em uso.

      Mas, como sou um praticante de pitacos, vou aqui fazer uso da prática:

      Não sou conhecedor profundo da área amazônica, mas tenho alguma vivência ali da bacia do Guaporé, que abarca os estados do Mato Grosso e Rondônia. São áreas de terras planas (pantanal) e terras altas. O nível de fertilidade natural dessas terras altas, são extremamente férteis. Inclusive, o inicio da exploração foram através de grandes investimentos pecuários, de grandes empresários. Tipo Zillo, Edson Ribeiro de Mendonça, Ovidio Miranda de Brito e muitos outros.

      Ocorre, que a posição geográfica está próxima a linha do Equador e o regime de chuvas, também é alto. Ou seja, calor, luz e umidade é o melhor combustível para a produção de matéria orgânica (vegetais de toda ordem). Os capins e as "juquiras" (ervas daninhas) são potencializados seus desenvolvimentos.

      No caso, os pequenos proprietários, eles têm o costume de roçar a "juquira" com foice de Maio e Junho, época que não chove na região, mas o Sol é igual. Esse material seca e, quando chega no inicio da estação chuvosa (Setembro). O "costume" é queimar para que o solo fique limpo e ele possa fazer o plantio da sua roça de subsistência.

      Essa "juquira" tem um crescimento normal durante o ciclo de 2 a 4 metros de altura. Ou seja, a natureza produz um "mato" diferente naquela região. Não é um capim marmelada ou um carrapicho. É "juquira" mesmo.

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