Subsídios para aplicação do manejo ecológico em larga escala, por Afonso Peche Filho

Publicado em 10/09/2025 15:06

O debate sobre a sustentabilidade da agricultura brasileira e mundial tem se intensificado à medida que os efeitos da degradação dos solos, das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade se tornam mais evidentes. Nesse contexto, o manejo ecológico, preconizado por Ana Primavesi, se apresenta como uma alternativa viável e necessária, baseada em princípios científicos que unem conservação do ambiente, produtividade agrícola e inclusão social. No entanto, o grande desafio contemporâneo não está apenas em comprovar a eficácia desse tipo de manejo em áreas experimentais ou propriedades familiares, mas sim em ampliar sua aplicação para larga escala, envolvendo grandes propriedades, territórios produtivos e até mesmo regiões inteiras de fronteira agrícola.

A aplicação do manejo ecológico em larga escala exige compreender a complexidade do agroecossistema como sistema socioecológico integrado, onde processos biológicos, físicos e químicos se relacionam com aspectos econômicos e sociais. Para tanto, alguns subsídios fundamentais devem ser considerados.

O primeiro subsídio é o reconhecimento da base conceitual do manejo ecológico. Esse conceito não se limita a uma técnica de produção, mas se refere a um modo de organizar a agricultura segundo princípios da ecologia. A diversidade de espécies, a ciclagem natural de nutrientes, a conservação do solo e da água e a integração funcional entre áreas produtivas e de proteção constituem pilares dessa abordagem. Em larga escala, esses princípios demandam uma visão de paisagem, que vai além da parcela individual, alcançando mosaicos agrícolas, corredores de biodiversidade e integração de bacias hidrográficas.

Outro subsídio essencial é a metodologia para redesenho dos sistemas produtivos. Diferente do manejo convencional, centrado na padronização e no uso intensivo de insumos externos, o manejo ecológico em larga escala depende de estratégias de diversificação planejada. Entre elas, destacam-se: a rotação de culturas em escala territorial, com mosaicos de cultivos articulados para ampliar a cobertura do solo, evitar pragas e reduzir dependência de fertilizantes; a implantação de sistemas agroflorestais comerciais, que integram produção de madeira, frutos e grãos em consórcios escaláveis; a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), que permite otimizar o uso da terra e reduzir impactos ambientais; e o uso intensivo de plantas de cobertura e adubos verdes, que devolvem fertilidade ao solo e ampliam a infiltração de água. Um aspecto indispensável a esse redesenho é a execução de todas as operações agrícolas em nível, garantindo maior infiltração, redução de erosão e segurança hídrica, sem o que nenhum manejo ecológico pode alcançar plena eficácia em grandes áreas.

Um terceiro subsídio é a adoção de tecnologias conservacionistas adaptadas à escala. Nesse campo, o plantio direto de alta qualidade ganha centralidade, pois possibilita grandes áreas cultivadas sem revolvimento do solo, associando-se a sistemas de palhada permanente e mecanização adequada. O uso de bioinsumos em larga escala – 

como microrganismos fixadores de nitrogênio, fungos micorrízicos e extratos vegetais – também representa caminho promissor para substituir insumos químicos e reduzir custos a médio prazo.

O quarto subsídio refere-se à gestão do território agrícola sob a ótica ecológica. Em grandes áreas produtivas, a implantação de manejo ecológico precisa estar vinculada a instrumentos de planejamento territorial, como o zoneamento agroecológico, o mapeamento de áreas de recarga hídrica, a identificação de corredores ecológicos e a delimitação de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal. Mais do que cumprir legislação ambiental, trata-se de utilizar os ecossistemas nativos como aliados do sistema produtivo, fornecendo serviços como polinização, regulação climática, recarga hídrica e controle natural de pragas.

Um quinto subsídio envolve a gestão da informação e monitoramento. O manejo ecológico em larga escala requer indicadores confiáveis para avaliar a qualidade do solo, a eficiência da ciclagem de nutrientes, o aumento da biodiversidade funcional e o impacto socioeconômico da transição. Nesse sentido, o uso de ferramentas digitais, como sensoriamento remoto, geoprocessamento e agricultura de precisão, não deve ser entendido como contraditório à agroecologia, mas como recurso estratégico para ampliar sua eficiência e monitorar a sustentabilidade em grandes áreas.

Outro aspecto fundamental é o subsídio econômico. A transição para o manejo ecológico em larga escala demanda políticas públicas que ofereçam crédito diferenciado, pagamento por serviços ambientais, seguros agrícolas adaptados e estímulo à pesquisa aplicada. A experiência mostra que, sem incentivos, agricultores ficam presos ao modelo convencional pela lógica do mercado e da pressão de cadeias produtivas. Incentivar a comercialização diferenciada, certificações participativas e circuitos curtos de comercialização são estratégias que fortalecem a viabilidade econômica da produção ecológica.

O manejo ecológico em larga escala também necessita de subsídios sociais e organizacionais. A adoção em grandes propriedades não deve excluir agricultores familiares e comunidades locais, mas integrá-los em arranjos produtivos regionais. Cooperativas, associações e redes agroecológicas podem articular escalas diferentes de produção e promover trocas de conhecimento. Além disso, programas de capacitação e extensão rural precisam estar alinhados ao enfoque agroecológico, valorizando tanto a pesquisa científica quanto os saberes tradicionais.

Um oitavo subsídio, de caráter crucial, é o manejo ecológico sanitário, que abrange pragas, doenças, plantas espontâneas e nematoides. Em larga escala, a sanidade vegetal é um dos maiores gargalos para o manejo ecológico. Nesse sentido, o Manejo Integrado de Pragas, Doenças, Plantas Daninhas e Nematoides (MIP/MID/MIN) deve ser adotado como estratégia inicial de transição. Esse manejo integrado se apoia em monitoramento constante, identificação de níveis de dano e uso racional de insumos, permitindo reduzir impactos químicos enquanto se constroem condições para a regulação ecológica. Ao evoluir, essa abordagem dá lugar ao manejo ecológico sanitário pleno, baseado em diversificação de espécies, rotação de culturas, adubação verde, controle biológico natural e fortalecimento da saúde do solo, atingindo o equilíbrio ecológico necessário para manter a produtividade com mínima intervenção externa.

Por fim, um subsídio indispensável é o cultural e ético. O manejo ecológico em larga escala só será viável se agricultores, técnicos, pesquisadores e gestores compreenderem que a agricultura não é apenas produção de mercadorias, mas também cuidado com a terra, a água e a vida. Isso exige mudança de mentalidade: deixar de ver a natureza como obstáculo e reconhecê-la como parceira. Nesse ponto, obras de pensadores como Ana Primavesi, Miguel Altieri, Stephen Gliessman e Masanobu Fukuoka convergem, reforçando que a sustentabilidade depende de aliar ciência, prática e valores humanos.

Em síntese, os subsídios para a aplicação do manejo ecológico em larga escala podem ser sistematizados em oito dimensões: fundamentos conceituais; metodologias de redesenho; tecnologias conservacionistas; gestão territorial; monitoramento e informação; economia e políticas públicas; aspectos sociais e culturais; e manejo ecológico sanitário. Portanto, a aplicação do manejo ecológico em larga escala não se limita a replicar técnicas em maior dimensão, mas requer integração sistêmica entre ciência, tecnologia, economia e cultura. Trata-se de construir uma agricultura capaz de produzir em escala, mas sem comprometer as bases ecológicas que sustentam a vida. Esse é o maior desafio e, ao mesmo tempo, a maior oportunidade da agricultura contemporânea.

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Fonte:
Afonso Peche Filho

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