A revanche silenciosa: o campo volta para quem nunca saiu dele, por Luciana Martins
Durante os últimos anos, o agronegócio brasileiro viveu um dos movimentos mais intensos de concentração da sua história.
Fundos de investimento, multinacionais e plataformas de distribuição entraram no setor com uma tese clara: centralizar o varejo agrícola, criando estruturas de gestão em rede, padronização de processos e escala nacional.
O discurso era de eficiência.
A promessa, de governança.
O resultado, no entanto, foi outro: a desconexão.
Hoje, o mercado assiste ao fim de um ciclo e ao início de um novo movimento: a revanche silenciosa. Um retorno de quem nunca saiu do campo.
O fim de um ciclo de euforia
A consolidação do varejo agrícola começou a ganhar força a partir de 2016, quando fundos e plataformas passaram a disputar o controle da distribuição agrícola. Em 8 de setembro de 2021, a AgroGalaxy anunciou a compra de 80% da Agrocat, por valor entre R$ 180 e R$ 205 milhões, em uma transação considerada transformacional, voltada a fortalecer a presença no Mato Grosso e Rondônia.
Fonte: Neofeed – “AgroGalaxy abre a porteira e fecha a maior aquisição de sua história” (2021).
O movimento era guiado pela crença de que a consolidação seria um caminho sem volta. O próprio Welles Pascoal, então CEO da AgroGalaxy, afirmou que “o processo de consolidação das revendas é um caminho sem volta. Não vai ficar esse tanto de gente no mercado.”
Fonte: The Agribiz – “Os insights da AgroGalaxy sobre a concentração das revendas” (2023).
Mas o que parecia inevitável virou uma armadilha.
Em 2024, a AgroGalaxy entrou em recuperação judicial com dívidas de R$ 4,6 bilhões, fechamento de lojas e demissão de 40% dos funcionários.
Fonte: Infomoney – “AgroGalaxy: Justiça homologa plano de recuperação judicial após 8 meses de negociação” (2024).
No primeiro trimestre de 2025, a empresa registrou prejuízo líquido ajustado de R$ 153 milhões, com queda de 78,5% na receita líquida.
Fonte: Metrópoles – “Em recuperação judicial, AgroGalaxy tem prejuízo de R$ 153 milhões” (2025).
A Lavoro, listada na Nasdaq, também viu o otimismo inicial ruir: prejuízo de US$ 145 milhões na safra 23/24 e dívida líquida próxima de R$ 1
bilhão.
Fonte: AgFeed – “Lavoro amarga prejuízo de US$ 145 milhões na safra e dívida quase bilionária” (2024).
A Nutrien, por sua vez, desacelerou seu ritmo de aquisições no Brasil, revisando sua estratégia e priorizando rentabilidade sobre expansão.
A tese financeira que seduzia investidores mostrou-se frágil diante da realidade do campo: o produtor não se conquista com algoritmo, mas com convivência.
O agro não se gerencia da Faria Lima. Ele se vive no chão batido da fazenda.
A revanche silenciosa: o retorno das relações
O que está acontecendo agora é um movimento de reocupação silenciosa. Os antigos proprietários de revendas, que venderam seus negócios por cifras milionárias durante o ciclo de aquisições, estão voltando ao mercado. O prazo contratual de não concorrência terminou, e eles retornam capitalizados, experientes e com a confiança dos produtores.
Esses empresários conhecem o campo como poucos. Sabem o nome de quem planta, o histórico de quem compra, as dores de quem produz.
Eles não vendem produtos. Vendem confiança.
E o produtor, que se cansou das plataformas impessoais e dos vendedores pressionados por metas, está dizendo algo que nenhum relatório corporativo é capaz de traduzir: “Que saudade nós estávamos” “Faltava você.”
Cooperativas em ascensão e o alerta para o novo ciclo
Enquanto as plataformas reestruturam suas dívidas e perdem presença, as cooperativas agropecuárias seguem ganhando mercado. Elas cresceram muito justamente pela ineficiência das consolidações, ocupando espaços deixados pelos grandes fundos e plataformas que se perderam na execução.
Mas agora o jogo muda. As cooperativas precisam colocar as barbas de molho.
Quem está voltando para o mercado, os antigos donos de revendas, volta capitalizado, descansado e com uma estrutura comercial muito mais eficiente do que a grande maioria das cooperativas. Esses empresários voltam com método, tecnologia e, sobretudo, relacionamento.
E estão sendo recebidos de braços abertos pelos produtores, que dizem: “Meu Deus, como eu senti falta de você.”
É um movimento de força. E se as cooperativas não se prepararem para esse novo cenário, podem começar a perder espaço rapidamente.
Da mesma forma, as indústrias precisam agir. Elas terão de retomar projetos de capacitação e desenvolvimento, fortalecer seus canais de distribuição e crescer junto com as revendas que estão renascendo, agora sob nova gestão e com mentalidade moderna. E há um terceiro grupo que também precisa se mover: os RTVs. Se os representantes técnicos não entenderem que o mercado mudou, e que o produtor está mais exigente, mais conectado e mais relacional, veremos uma grande movimentação no market share da redistribuição
agrícola no Brasil.
O jogo recomeçou. E a vantagem não está mais no tamanho, mas na inteligência comercial e na capacidade de adaptação.
O novo ciclo: inteligência e presença no mesmo ritmo
O agro está aprendendo a unir duas forças: inteligência de mercado e presença no território. A tecnologia, os dados e a inteligência artificial são fundamentais, mas sem cultura e confiança, eles se tornam ruído.
A próxima geração de crescimento no campo virá de quem conseguir:
• Ler o território com profundidade
• Usar dados para antecipar movimentos
• Criar estratégias de acesso sob medida para cada cliente e região
• Recolocar o relacionamento humano como base da decisão comercial
O Growth Partner é quem traduz essa nova era. É quem conecta visão, tecnologia e execução para transformar acesso em resultado.
E agora? O que vem a seguir
Os próximos capítulos do agronegócio serão escritos por quem entende o campo. Por quem vive o ritmo da fazenda, o compartilha das decisões de safra, a dinâmica entre preço, produtividade e confiança. É hora de interpretar esse movimento e começar a agir. Porque, ao contrário do que algumas indústrias estão fazendo recuando investimentos e adotando uma cultura de medo, o momento agora é de acelerar. A história mostra que é em tempos de incerteza que surgem os maiores saltos de crescimento. Quem acelerar agora vai crescer. Quem enxergar as brechas do mercado e reposicionar suas estratégias de acesso vai expandir. Enquanto uns desaceleram, outros ganham espaço. Enquanto uns cortam presença, outros constroem relacionamento. Enquanto uns reduzem equipe, outros formam times estratégicos. O campo está em movimento. E os protagonistas do novo ciclo serão aqueles que tiverem coragem de agir quando os outros param.
2 comentários
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Marcelo Costa Paracatu - MG
O texto é mais poesia do que constatação da realidade, que é bem diferente. Apenas um louco que tenha vendido sua revenda para grandes grupos voltaria ao mercado nesse momento, sobretudo em virtude do sumiço do crédito e do império das recuperações judiciais. Virão muitas ainda. Muitas. Camarada esperto tá com a grana a juros de 10% ao ano e agradecendo a Deus por ter pulado fora antes do barco afundar. O texto frisa muito a saudade que os produtores estavam dos revendedores "gente boa", aqueles que sabem onde fica a fazenda do produtor, que conhecem sua área e que concediam crédito numa simples duplicata rural. Pois bem, não podem mais ser "gente boa" como antes. Esse revendedor a que o texto se refere está descobrindo um santo pra cobrir outro pra não sair do mercado e já aprendeu a duras penas expressões jurídicas como "quirografário", "stay period" e fim da fila. Os que sobreviverem estarão escolados. Nada menos que uma CPR com penhor de safra e avalista. No fundo o produtor é um viciado em plantar, independentemente da situação. Acaba perpetuando sua própria crise. E essa fase durará bem um tempo, considerando rolagens de dívidas e juros altos. Não será a volta, se voltar, do revendedor "gente boa" que resolverá seu problema. O produtor poderia começar a resolver seus problemas plantando menos. É, plantando menos. Se houvesse união entre a categoria a ponto de, por exemplo, todos plantassem 10% a menos de suas áreas de soja na próxima safra já seria uma medida. Ah, mas que absurdo! Não é. Reflitam.
Emerson Badocco Minga Guazu
As Agroquimicas que ganharão mercado neste novo cenário serão aquelas que acessarem mais rapidamente estes empresários da distribuição que estão retornando ao mercado, e as novas revendas que surgirão com o espaço deixado sem atenção. As cooperativas já tem sua cadeias de suprimentos estruturadas, ficando pouco espaço para novos players. Quem quer crescer o momento é agora.