Alegria de pobre, por Osvaldo Piccinin

Publicado em 07/11/2011 14:35 e atualizado em 21/11/2011 14:36
Por Osvaldo Piccinin, engenheiro agrônomo formado pela USP-Esalq, em 1973. Natural de Ibaté, é empresário e agricultor e mora em Campo Grande/MS.
Osvaldo
Meu pai tinha um ditado que dizia: “Alegria de pobre é o dia que se mata um porco”! Realmente, na roça é sinal de fartura, pelo menos por seis meses, quando se abate um bom capado, pesando acima de dez arrobas e que produza, pelo menos, de quatro a seis latas de vinte quilos de banha.

Dada às dificuldades e à falta de conforto da época, nos acostumávamos e valorizávamos muito aquilo que dispúnhamos, e, diga-se a verdade - éramos felizes. Teve época que engordávamos porco à meia, ou seja, quando do abate dividia-se o animal com o sócio que o cedeu. Esta troca de favores era muito comum entre vizinhos, principalmente quando acabava a banha, carne e lingüiça, do abate anterior, e não se dispunham de um animal pronto para engordar, aí é que entrava o vizinho sócio.

 Todos os dias, assim que voltava do colégio, uma das minhas tarefas era dar trato ao capado. Além de lavagem - restos de comidas - e milho do nosso paiol, dependendo da época do ano, também tratávamos com mandioca passada do ponto de consumo, abóbora e nabissa, cultivadas na roça de milho recém colhida.

Uma semana antes do abate, começavam os preparativos: providenciar as tripas para encher lingüiça, soda cáustica para fazer o sabão no tacho, afiar as facas, descascar o alho usado no tempero e limpar o varal em cima do fogão de lenha, onde a lingüiça era defumada por meses, devido ao fato de não termos geladeira.

Meu velho acordava bem cedo e apanhava seu punhal afiado - usado uma ou no máximo duas vezes por ano - e rapidamente trazia o suíno, já morto, em uma carriola para ser limpo e destrinchado. Enquanto isso, um tacho era colocado no terreiro para ferver a água que seria usada na lida.

Antes do almoço, tínhamos como costume, levar uma boa porção de carne para todos os vizinhos. Este gesto de boa vizinhança foi nos passado de pais para filhos.  No tacho, junto com a banha derretida, fritavam-se as carnes para serem posteriormente acondicionadas nas latas da própria banha e guardadas em nossa dispensa. Carne esta que durava até o próximo abate.
A tarefa mais árdua do dia ficava por conta da fabricação da lingüiça. Tudo feito manualmente, portanto, muito demorado. Talvez venha daí a expressão “encher lingüiça” quando nos referimos a algo que demora a ser feito, ou quando temos que “matar o tempo”. Com um espinho de laranjeira eu ia furando o produto já pronto para a retirada das bolhas de ar formadas no ato do enchimento.  
O sabor da pururuca crocante boiando no tacho com a banha escaldante era indescritível. Da lingüiça defumada - temperada com alho e pimenta do reino – nem se fala! A saborosa carne retirada da lata de banha e frita na hora, na própria banha, são inesquecíveis. Não posso esquecer-me do delicioso chouriço feito com sangue.

Bons tempos onde a nossa referência era a simplicidade! Com três ou quatro mudas de roupas, um par de botinas para trabalhar na roça e um par de sapatos surrados para ir à cidade, estava feito nosso guarda roupa.

O paiol era lotado de milho e o quintal cheio de galinhas. Na tulha, feijão, arroz, réstias de cebola e alho para o ano inteiro. Na horta, toda espécie de verdura, e no pomar, onde as aves cantavam, muita fruta o ano inteiro. No chiqueiro, um capado engordando e por fim uma “sonata” ou vitrola, para ouvir “as modas” sertanejas nos finais de semana. Com este “kit capiau”, estava completa nossa alegria de viver. Simples assim!

E viva a fartura da roça!

E-mail: [email protected]

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Fonte:
Osvaldo Piccinin

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11 comentários

  • Júlia Aparecida de Lima Ponta Porã - MS

    Inacreditável! acessei o site para ver a cotação do soja,

    e deparei com a sua frase "alegria de pobre....", acabei me cadastrando no site só para dizer a voce que essa também foi minha infância, e acredito que de muitos de nós. Isso me reportou a um tempo em que tudo era muito cheiroso! E o mais incrível é que dias atrás estavamos comentando sobre essa época, minha mãe e eu!. muito bom! parabéns!. um abraço!

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  • amancio golinelli junior sta.maria da serra - SP

    era tudo menos complicado e tão bom e a tranquilidade que nem no campo a gente tem mais

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  • DJALMA JOSÉ DO ESPIRITO SANTO machado - MG

    Bons tempos aqueles,onde com tão pouco eramos felizes,e não faz tanto tempo assim, as coisas hoje mudam numa velocidade incrivel e as vezes nos esquecemos de momentos tão bons como este que voce nos fez lembrar,tenho certeza que pessoas que vivenciaram momentos simples de vida como esse são pessoas melhores e mais preparadas para a vida corrida de hoje.Que nunca esqueçamos de nossas raizes!!

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  • Elbio Afonso Meneghel Campo Grande - MS

    Oi Osvaldo. Você me fez voltar a minha infância que não deve ter sido tão diferente da sua nas matanças de capados. Sou, como sabe, seu leitor de carteirinha. Só faltou a pescaria de lambarí na sanga. Eu usava a bombinha de 1 pila no RS. O rádio tocado a bateria só ligava na hora do "Reporter Esso". Era muito divertido, arrisco a dizer, melhor que hoje em vários aspectos.

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  • OSMARINA SALA SANTOS Itararé - SP

    Parece que voltei a infância e me vieram lágrimas aos olhos, saudades dos meus pais que já se foram.....

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  • Eliane Brito Rio Brilhante - MS

    Nossa eu era muito criança mas lembro disso no sitio em que morava era um tempo maravilhoso, meus pais vive isso ate hoje , eles ainda são do sitio, e toda x q fazem carniada , la vai eles mandando um pedaçinho p cada vizinho,mas é uma epoca q sinto muita saudades, apesar das dificuldades, a gente viva feliz , o natal era epoca mais esperada..nossa ..so se ganhava presente no natal...hoje perdeu a graça pq o natal hoje e comercio e nao e mais aquela data de confraternização..mas amei esse passado rsrsrs

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  • paulo manzano Bauru - SP

    ERA BÉM ASSIM MESMO...VIVI ESSE TEMPO...FOI MUITO BÉM DESCRITO COMO TUDO ACONTECIA...PARABÉNS PELAS DESCRIÇÃO, UMA LEMBRANÇA GOSTOSA, QUE NUNCA MAIS VAI SE REPETIR COMO FOI...ABRAÇOS.

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  • newton ferreira Governador Valadares - MG

    ola Ibaté, como sempre ,alegre e comunicativo.Sua cronica do capado é otima. Quando matar o próximo(capado) guarda o rabinho prá mim., Valadares

    PS. Escreva sempre

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  • Valter Antoniassi Fátima do Sul - MS

    Parabéns Osvaldo,quando voce fala de seu passado lá na roça,com toda riqueza de detalhes,com uma semelhaça incrível ,parece mesmo que está contando a nossa vida. Um abraço,e vamos em frente...

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  • edson zanin Londrina - PR

    BOA TARDE OSVALDO, MUITO BOA SUA HISTORIA, LI TBEM A ANTERIOR, ANDO DEVAGAR POR QUE TIVE PRESSA DE CHEGAR, É ISSO AI O TEMPO NÃO PARA,NUNCA ESQUEÇO DE UMA FRASE QUE VOCE DISSE UM DIA EM CAMPO GRANDE ;CASPA E OTARIO RALEIA MAS NÃO ACABA, UM FORTE ABRAÇO, EDSON ZANIN

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  • Evandro Luiz Adams Açu - RN

    Viajei para o Oeste do Paraná e Noroeste do MT, onde nasci e me criei, usando uma expressão nordestina que aprendi por aqui, minha infancia foi nesse modelo!

    Por momentos parecia que era eu mesmoq ue havia escrito o texto, tamanha similariedade de procedimentos de carniança do capado!

    Sds

    Evandro Adams

    Eng° Agronomo

    Assú-RN

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